26 de Abril, 2014por Sónia Balasteiro
A eventual taxação de "produtos que têm efeitos nocivos para a saúde" anunciada na semana passada pela ministra das Finanças - e que incluiria produtos com elevado teor de sal, gordura ou açúcar - divide os especialistas.
Taxas alimentares na Europa
Para Isabel do Carmo, médica especializada em obesidade e comportamento alimentar, esta é uma ideia correcta: "Foram já tomadas medidas semelhantes noutros países para os produtos com níveis elevados de sal e de açúcar, como resultados positivos", diz a endocrinologista, lembrando que as taxas de obesidade não param de aumentar em Portugal. "Em jovens adultos do sexo masculino, as taxas duplicaram, de 2% para 4%, em nove anos. E a obesidade infantil, directamente ligada ao consumo de açúcar e de sal, tem aumentado de forma alarmante".
O bastonário da Ordem dos Médicos, José Manuel Silva, corrobora: "A aplicação de taxas e impostos na venda deste tipo de produtos deve funcionar como uma discriminação positiva para os alimentos saudáveis, fomentando o seu consumo". Para José Manuel Silva, "o Estado deve ter um papel positivo em modelar o comportamento dos cidadãos".
"Muitas vozes se têm levantado contra esta medida, de uma forma leviana. Mas já existem variadíssimas situações em que a política fiscal é utilizada para promover o bem geral", lembra o bastonário, dando como exemplos a obrigatoriedade de usar o cinto de segurança nos automóveis e o capacete quando se anda de mota e a definição do ensino obrigatório. Para José Manuel Silva, o princípio que orienta este tipo de medidas "é o mesmo" que o da taxação de produtos nocivos para a saúde.
Quanto aos níveis de sal, gordura ou açúcar a partir dos quais um produto é considerado nocivo, o responsável lembra que há estudos já realizados que os indicam. "Até no pão, por lei, só é permitido usar uma determinada quantidade. E sabe-se que a redução de sal tem um efeito tremendo na diminuição das doenças cardiovasculares", sublinha.
Medida 'só faz sentido se for integrada em campanhas'
Já para a bastonária da Ordem dos Nutricionistas, Alexandra Bento, a ideia "só faz sentido se for integrada noutro tipo de medidas", como o "proteccionismo" de produtos benéficos para a saúde e campanhas de promoção de bons hábitos alimentares.
"Uma medida destas, que deveria ser anunciada pelo ministro da Saúde, tem de ser muito bem pensada e sustentada, com opiniões de peritos de várias áreas", defende a bastonária, temendo que o facto de ter sido anunciada pela ministra das Finanças signifique que se trata de uma opção baseada em questões económicas. E levanta uma dúvida: "Será que estas taxas vão garantir que as pessoas deixam de consumir estes produtos e passam a consumir outros mais saudáveis?".
José Manuel Silva acredita que sim: "As campanhas de promoção da saúde dão poucos resultados práticos, enquanto que as políticas fiscais resultam".
A mesma ideia é defendida pelo Ministério da Saúde, que sublinha que taxar produtos nocivos para a saúde deve ser encarado como uma política para melhorar o estado de saúde da população. "Não gostaríamos que estas medidas fossem olhadas apenas numa perspectiva orçamental. O nosso primeiro objectivo é melhorar o estado de saúde da população", afirmou esta semana o secretário de Estado Adjunto do Ministro da Saúde, Leal da Costa.
Os níveis de açúcar, gordura ou sal a ser taxados ainda não estão definidos - e determinarão a maior dimensão do número de produtos taxados (que pode ir da simples junk food aos refrigerantes, gelados ou manteiga, por exemplo). Quanto maior for o número de produtos taxado, menor deverá ser o valor em cada um.
O ministro da Saúde, apesar de cauteloso, explicou também que esta taxa pode ajudar a resolver a enorme dívida do Serviço Nacional de Saúde. Isto porque ao prevenir doenças causadas pela ingestão deste tipo de produtos - como a diabetes, a obesidade e a hipertensão - haveria uma poupança, nomeadamente pela diminuição do recurso aos serviços. Segundo o ministro, antes de qualquer decisão, o Estado irá estudar as experiências de outros países: "Iremos ver o que tem mais impacto em termos de saúde pública e depois o que poderá significar em termos de receita destinada aos hospitais".
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