9 de Outubro, 2013por Sónia Balasteiro
Portugal é dos maiores importadores de madeira do mundo. Mas o sistema
de controlo da sua origem, que é obrigatório em todos os países da UE
desde Março, continua por implementar.
A União Europeia (UE) aprovou em Março um regulamento para impedir a
entrada de madeira cortada ilegalmente em todos os Estados-membros,
sobretudo a exótica. Mas Portugal só agora começa a dar os primeiros
passos para o aplicar. E a fiscalização ao cumprimento da lei também
continua no papel.
Com o novo regulamento, de aplicação obrigatória, a UE pretende
controlar a origem das madeiras transformadas na Europa,
inspeccionando importadores e comercializadores, para assegurar que
estas matérias-primas não provêm de cortes ilegais – um negócio que
representa uma das maiores ameaças à sobrevivência de muitas espécies
de árvores e que constitui uma das maiores causas de desflorestação do
mundo, que põe em risco a sobrevivência das populações que dependem
deste recurso.
Portugal importa todos anos 1,5 milhões de metros cúbicos de madeira,
o que faz do país um dos maiores importadores do mundo. Mas alguns dos
países onde os portugueses compram esta matéria-prima estão sob
suspeita.
Segundo as Nações Unidas e organizações ambientais, como a WWF, foram
detectados cortes ilegais em alguns países africanos, como a República
Democrática do Congo, os Camarões e a Guiné. E estes são os principais
países de onde Portugal importa madeira exótica – 19 mil m3 por ano,
segundo dados do Instituto de Conservação da Natureza e das Florestas
(ICNF), organismo responsável por aplicar a lei em Portugal. "Em 2012,
a República Democrática do Congo e os Camarões foram os principais
fornecedores desta madeira, 66% e 17% da madeira entrada", esclarece
fonte oficial do ICNF.
Apesar disso, só no final de Julho foi disponibilizado, na página do
ICNF, o sistema informático onde os operadores de madeira devem
registar-se. O Registo Inicial de Operador (RIO) foi a forma
encontrada para controlar a cadeia comercial da madeira. "Os
operadores são obrigados a efectuar o registo antes de colocar a
madeira ou produtos derivados pela primeira vez no mercado interno",
esclarece fonte oficial do ICNF.
Produtores recusam cumprir
Contudo, apenas uma pequena parte efectuou já o registo. "Até ao
momento, estão registadas no sistema RIO 184 operadores, dos quais 130
já têm o registo activo", admite a mesma fonte
Dos registados, a maioria dedica-se à transformação da madeira em
serrações, à exploração florestal e ao comércio grossista de madeira
em bruto e produtos derivados, revelam os dados do ICNF.
As empresas florestais vêem com indiferença, aliás, a nova
obrigatoriedade, cujo incumprimento está sujeito a coimas entre os 50
e os 44 mil euros.
"O sector pura e simplesmente não está a adaptar-se, ignorando o
regulamento", disse ao SOL o responsável da Associação Nacional das
Empresas Florestais, Agrícolas e do Ambiente (ANEFA). Pedro Serra
Ramos sublinha que a nova legislação traz "uma transparência ao
mercado dos produtos florestais que não interessa a muita gente",
obrigando cada operador a identificar quem comprou o produto.
Esta obrigatoriedade de identificação do vendedor – o qual, muitas
vezes, não obedece à lei – está a levar a que a maioria dos produtores
florestais não se registe: "Apenas uma ínfima parte" o fez, diz o
presidente da ANEFA, explicando que "alegam simplesmente desconhecer a
nova medida".
A verdade é que, acrescenta, "muitos recusam vender os produtos
florestais a quem tenta cumprir" o regulamento. O problema está no
facto de o sector não lidar bem com a obrigatoriedade de fornecer
informação sobre a proveniência dos produtos, já que subsistem algumas
situações irregulares.
Isso faz com que quem segue as regras tenha dificuldades no mercado.
"Quem já se registou sente-se prejudicado, porque os outros continuam
a fazer negócios à margem da lei", diz Serra Ramos.
Sem fiscalização
A fiscalização da aplicação do regulamento – de que Portugal terá de
dar contas à UE já em Abril –, também a cargo do ICNF, está longe de
sair do papel.
"Ainda não foram realizadas inspecções para avaliar o cumprimento" das
regras comunitárias, admite fonte oficial do ICNF. O argumento é que a
legislação foi transposta apenas recentemente (em Julho). Por isso, as
autoridades têm centrado a sua acção na divulgação das mesmas junto
dos operadores e "da necessidade do seu cumprimento".
Os produtores, por seu lado, diz Serra Ramos, da ANEFA, temem que "as
autoridades não estejam preparadas para a realidade florestal e que a
fiscalização seja cega às especificidades do sector".
Mas, num país cujas importações ilegais atingiam em 2008 os 14,6%,
segundo a WWF, o rastreio é fundamental, até pelo seu "efeito
dissuasor" – sublinha Rui Barreira, especialista desta organização
ambiental.
A mesma avaliação faz a NEPcon – organização reconhecida pela UE para
avaliar o cumprimento da medida nos Estados-membros e ajudar os
produtores a implementá-la –, que admite que o processo está numa fase
embrionária. "Continua por esclarecer como é que cada autoridade
implementa um programa de inspecção", diz ao SOL Rui Simões, daquela
organização.
O mesmo organismo garante, no entanto, que o sistema está a funcionar
em pleno em países como o Reino Unido e a Alemanha, onde as
autoridades já fizeram investigações, assegura David Hadley, gestor da
NEPcon nos países do Sul.
sonia.balasteiro@sol.pt
http://sol.sapo.pt/inicio/Sociedade/Interior.aspx?content_id=87626
Sem comentários:
Enviar um comentário