Novo diploma sobre práticas restritivas no comércio vai obrigar à renegociação de todos os contratos em 12 meses
O novo diploma sobre as práticas restritivas no comércio ainda não entrou em vigor e já a chuva de críticas está a zurzir a redacção final dos ministérios da Economia e da Agricultura à lei negociada durante um ano pelas principais forças económicas portuguesas. Primeiro porque a ASAE passou a ser juiz em causa própria: a instrução dos processos de contra-ordenação da Autoridade da Concorrência (AdC) transitam para a Autoridade de Segurança Alimentar e Económica (ASAE), podendo este organismo aplicar coimas até aos 2,5 milhões de euros por cada acto, 20% dos quais revertem para os seus cofres. Estes 2,5 milhões de euros correspondem ao montante total das coimas aplicadas pela AdC nos últimos 10 anos.
Mas não é só a centralização de competências na ASAE que incomoda os críticos da nova lei, que entra em vigor no final de Fevereiro. Há quem considere que as novas regras violam o tratado da União Europeia sobre concorrência por serem excessiva e exaustivamente intervencionistas e colocarem em causa a liberdade contratual entre as partes. Mais. O consumidor sai a perder porque a maioria das lojas prepara-se para abdicar dos descontos por poderem ser enquadrados nas vendas com prejuízo.
A complexidade da lei é também factor de controvérsia. Um exemplo: os pontos obtidos em compras em supermercados e que podem ser posteriormente utilizados em descontos no preço dos combustíveis são igualmente passíveis de configurar vendas por um preço inferior ao da compra. Só que nestas situações, nem sequer é certo que o consumidor os venha a utilizar, o que complica ainda mais a fiscalização da ASAE.
Carlos Lobo, professor na Faculdade de Direito de Lisboa e especialista em concorrência, considera que a fundamentação da legislação sobre práticas restritivas e concorrência deve ter sempre como valor absoluto a protecção do consumidor. Em simultâneo, a orientação que está sempre por detrás deste tipo de enquadramento legal vai no sentido de impedir vendas com prejuízo quando existe posição dominante (linha europeia) ou quando há poder monopolista (Estados Unidos).
"Não existe nenhum fundamento no direito da concorrência que legitime o diploma aprovado", disse ao i Carlos Lobo. "Primeiro, porque em Portugal há concorrência quer ao nível dos retalhistas quer ao nível dos fornecedores. Depois, o nível de incerteza que vai gerar terá custos incomportáveis e a litigação vai aumentar consideravelmente".
Para o especialista, a lei vai também causar grandes entraves ao modelo transaccional do futuro, cada vez mais direccionado para as vendas e promoções cruzadas.
Também Ana Isabel Trigo de Morais, directora geral da Associação Portuguesa de Empresas de Distribuição (APED) considera que a nova lei é tecnicamente imprecisa, com aspectos impossíveis de interpretar e de aplicar e que pode trazer prejuízo para os consumidores. Outro contra: segundo a dirigente associativa, é anticompetitiva para os fornecedores nacionais, uma vez que abre caminho a que seja mais rentável comprar a países terceiros, aos quais não se aplicam as novas regras.
A APED considera que houve um excesso de concentração de poderes da ASAE e um enorme fosso entre o legislador e a realidade sobre a qual legislou. "Vai criar uma pressão inflacionista nos preços", diz Isabel Trigo de Morais. "E se nem os advogados nem as empresas conseguem perceber como é que se vai aplicar, como é que a ASAE vai resolver o problema?", interroga.
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