Histórias
São cada vez mais os imigrantes que apanham azeitona no Alentejo a troco de um prato de sopa.
30 de Janeiro 2014, 18h47Nº de votos (0) Comentários (4)
Por:António Lúcio e Alexandre Silva
O aumento da produção nos olivais e nas vinhas e a dificuldade de os empresários agrícolas encontrarem mão de obra nacional para trabalhar na agricultura transformaram o Alentejo, nestes últimos quatro anos, num dos principais destinos de imigrantes brasileiros, ucranianos, cabo-verdianos e, mais recentemente, da Roménia e da Bulgária. Vêm com a promessa de trabalho bem remunerado, sobretudo na apanha da azeitona. Mas muitos deles encontram fome, miséria e muitas horas de pesadelo.
Esta mão de obra clandestina foi este ano fortemente combatida pelas autoridades nos campos alentejanos em operações conjuntas do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF), da Autoridade para as Condições do Trabalho (ACT) e da Guarda Nacional Republicana (GNR). Na manhã de 13 de novembro, 24 imigrantes romenos foram resgatados destas forças do trabalho ‘escravo’ numa herdade próxima de Beja. As vítimas, que vieram para a apanha da azeitona, chegaram a viver numa casa sem o mínimo de condições de habitabilidade. "Temos apenas uma casa de banho para todos e quatro camas, onde dormem 16 pessoas", disse, na altura, um desses imigrantes.
Manuel (nome fictício) não quis ser identificado com receio de "represálias". Foi em outubro que este romeno, de 32 anos, fez as malas para viajar milhares de quilómetros com destino ao Alentejo. Tinha a promessa de ganhar entre 3 e 3,50 euros por hora na apanha da azeitona, um contrato de trabalho e habitação. Na realidade, depois de lhe ser descontado o transporte, a renda de casa, as despesas da eletricidade e a única refeição diária, o homem ganhava menos de um euro por dia. Trabalhava das 07h00 às 20h00 a troco de nada. "Eles mentiram-nos, prometeram muito mas não deram nada. Passámos muita fome, éramos ameaçados para não sairmos de casa, para a polícia não nos apanhar. Fomos autênticos escravos", disse Manuel, não escondendo o desespero por que passou.
Nesta operação, o SEF deteve quatro pessoas com idades entre os 23 e os 51 anos, também de nacionalidade romena. Alegadamente vigiavam e controlavam os seus compatriotas, proibindo que estes saíssem da herdade. Os quatro indivíduos, depois de terem sido presentes, para interrogatório judicial, no Tribunal de Beja, foram acusados da prática do crime de tráfico de seres humanos. Ficaram em prisão preventiva.
DEZ MIL EMIGRANTES
Segundo dados do Instituto do Emprego e Formação Profissional (IEFP), em dezembro passado estavam inscritos nos centros de emprego do Alentejo 29 973 cidadãos. No entanto, são imigrantes que ocupam a maioria das ‘vagas’ do trabalho agrícola.
Entre outubro e dezembro, época da apanha da azeitona, passaram pelos campos do Alentejo mais de 10 mil imigrantes, na sua maioria romenos. Alberto Matos, responsável da delegação do Alentejo da Associação Solidariedade Imigrante, explica que os romenos e os búlgaros são cidadãos comunitários com livre circulação entre os países. "Isso provoca grande falta de controlo e, consequentemente, a inexistência de contratos de trabalho, de descontos para a Segurança Social e até a falta de pagamento de salário." Este responsável não tem dúvidas de que é preciso uma atuação mais forte junto dos "donos da azeitona" no sentido de evitarem abusos contra estes trabalhadores. Algumas empresas escondem-se atrás dos engajadores, procurando não ter grandes responsabilidades nem uma ligação direta com a mão de obra. "Há uma cadeia de irresponsabilidade que se vai multiplicando", diz Alberto Matos.
Os casos de ‘escravatura’ foram também seguidos de perto pela ministra da Agricultura. Numa visita ao Alentejo, Assunção Cristas condenou o tráfico de trabalhadores romenos e assegurou mais "fiscalização" nos olivais. "Espero que os casos que têm vindo a público sirvam como exemplo daquilo que não se pode fazer", referiu a ministra.
Nos arredores de Beja, houve quem visse alguns dos ‘escravos’ a procurarem comida junto de caixotes do lixo. Acabaram por ser ajudados pela Cáritas. Teresa Chaves, presidente desta instituição na cidade, disse que todos os anos estas s ituações se repetem, principalmente na altura da vindima e da apanha da azeitona. A diferença é que, "ao contrário de anos anteriores, os pedidos de ajuda chegam em grupos e não individualmente". Por vezes, é necessário solicitar a ajuda da Cruz Vermelha e da Segurança Social nos "casos mais delicados".
Desde que a atual campanha da azeitona começou, a Cáritas Diocesana de Beja já ajudou perto de uma centena de imigrantes, entre os quais 20 romenos e um casal búlgaro. Estes trabalhadores terão passado fome depois de várias semanas sem receberem qualquer remuneração pelo trabalho efetuado. O caso foi denunciado à PSP de Beja pelo casal búlgaro que integrava o grupo. Segundo a queixa apresentada às autoridades, os angariadores dos imigrantes – um casal romeno com residência em Espanha – não terão pago aos trabalhadores aquilo que estava acordado.
Depois de visitar a casa onde estavam alojados os imigrantes, junto ao Parque Industrial de Beja, a polícia detetou fortes indícios de carência alimentar, contactando de imediato a Cáritas para prestação de ajuda alimentar e de alojamento.
Entretanto, a delegação de Beja do SEF interrogou todos os envolvidos: trabalhadores, os dois angariadores e três representantes da empresa contratadora. Alegadamente, a empresa não pagava aos angariadores enquanto estes não apresentassem um documento comprovativo da sua situação fiscal. Com a mediação do SEF, as três partes chegaram a acordo e as contas foram acertadas.
O caso foi encaminhado para o Ministério Público. Mais tarde, os dois angariadores romenos foram constituídos arguidos por alegado tráfico de seres humanos. Os trabalhadores rumaram a Espanha.
AZEITONA SEGURA
A vinda de imigrantes para estes trabalhos sazonais na agricultura poderá ter um forte aumento na próxima campanha da azeitona, até porque o olival intensivo e superintensivo, plantado nos últimos anos no Alentejo, só muito recentemente começou a dar fruto. As autoridades prometem manter a vigilância, não só à exploração dos trabalhadores como também aos furtos de azeitona.
Para combater a criminalidade, há quase uma década que os militares da GNR fiscalizam os olivais no âmbito da operação ‘Azeitona Segura’, projeto iniciado pelo Destacamento Moura e vencedor de um prémio de Boas Práticas no Setor Público. Nas mais de quinhentas ações realizadas desde novembro nos distritos de Portalegre, Évora e Beja, foram apanhados em flagrante 36 assaltantes e apreendidos 16 mil quilos de azeitona. Segundo os dados fornecidos pela GNR, a maioria dos furtos ocorreu nas regiões de Beja, Campo Maior, Elvas, Ponte de Sor, Avis e Reguengos de Monsaraz.
"Os autores dos furtos são de várias nacionalidades, e muitos conhecem bem o terreno e têm um circuito para depois escoar a azeitona", referiu o tenente-coronel Carlos Belchior, da GNR de Portalegre, distrito no qual se registou o maior número de detenções (33) e onde foram apreendidos 11 600 quilos de azeitona. No mercado negro, o quilo deste fruto pode chegar aos 20 cêntimos. "Quem pode entregar a azeitona nos lagares são apenas os produtores registados. Atualmente estão a receber pouco mais de 30 cêntimos por quilo", disse um agricultor, que preferiu o anonimato.
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