quinta-feira, 9 de janeiro de 2014

Avaliação de impacte ambiental – uma medida legislativa da maior relevância

JOÃO PEREIRA REIS

09/01/2014 - 00:52

Parece-me inquestionável que o novo regime de AIA seguiu uma
estratégia correcta. Mas também entendo que a reforma poderia ter sido
mais ambiciosa e estruturante.


Com aquela discrição e ausência de mediatismo que, habitualmente,
caracteriza boa parte das salutares iniciativas deste Governo, entrou
em vigor, no dia 1 de Novembro de 2013, o Decreto-Lei n.º 151-B/2013,
de 31 de Outubro, que aprovou o novo regime jurídico da avaliação de
impacte ambiental (AIA), transpondo para o direito interno a directiva
2011/92/UE do Parlamento e do Conselho.

Trata-se de uma medida legislativa da maior relevância, nomeadamente
para os agentes económicos, já que introduz diversas alterações ao
regime anteriormente vigente.

Desde logo no que respeita à tipologia dos projectos sujeitos a AIA,
detectam-se diferenças substanciais quer no tocante aos projectos do
Anexo I, quer relativamente aos projectos do Anexo II, uma vez que
determinados empreendimentos não abrangidos pelo Decreto-Lei n.º
69/2000, passam, agora, a estar sujeitos a AIA (como é o caso dos
loteamentos, dos conjuntos comerciais e dos parques de estacionamento,
ainda que previstos em plano municipal de ordenamento do território).
E, em sentido inverso, regista-se uma potencial diminuição do número
de projectos submetidos a AIA. Veja-se, a título exemplificativo, que
os aldeamentos turísticos com área igual ou superior a cinco hectares
estavam sujeitos a AIA, tendo, agora, aquele limiar passado para 10
hectares, o mesmo sucedendo com os estabelecimentos hoteleiros, cujo
limiar passou de 200 para 300 camas.

Igualmente os prazos procedimentais e de decisão, nomeadamente para
prolação da Declaração de Impacte Ambiental (DIA), são alterados,
comredução substancial dos mesmos. A DIA deve, agora, ser emitida no
prazo máximo de 100 dias (reduzidos para 80 no caso de projectos
industriais), quando no anterior diploma tal prazo era de 140 ou de
120 dias.

Por outro lado, o prazo de validade da DIA é alargado de dois para
quatro anos, sendo certo que o referido alargamento também se aplica
às DIA já emitidas, ao abrigo do anterior regime jurídico.

Por último, igualmente merecem aplauso as seguintes inovações: i) o
procedimento (administrativo) de AIA poderá decorrer em simultâneo com
o procedimento de licenciamento/autorização da construção/instalação
do empreendimento; ii) é instituída a figura de "entidade acreditada",
presumivelmente de natureza privada, à qual incumbirá praticar actos
até agora da exclusiva competência da administração pública, como a
certificação da conformidade do estudo de impacte ambiental(EIA); iii)
a desconformidade do projecto com os planos de ordenamento do
território não condiciona o sentido da DIA, o que, à primeira vista,
equivale a dizer que tal desconformidade não constitui, por si só,
fundamento bastante para emissão de DIA desfavorável.

Parece-me inquestionável que o novo regime de AIA seguiu uma
estratégia correcta. Mas também entendo que a reforma poderia ter sido
mais ambiciosa e estruturante, de tal sorte que, por exemplo, ficassem
consagradas as seguintes orientações: i) os efeitos jurídicos da DIA
deveriam repercutir-se nos procedimentos sectoriais de
licenciamento/autorização das actividades económicas, beneficiando os
projectos tributários de DIA favorável de um regime aligeirado de
controlo administrativo, já que nada justifica que, em sede daqueles
procedimentos sectoriais, voltem a ser apreciadas e decididas, pela
administração, matérias de natureza ambiental já resolvidas em sede do
procedimento de AIA (e por força da DIA emitida) – tal como pouco
sentido faz que um projecto que tenha obtido DIA favorável possa vir a
ser inviabilizado por razões ambientais, no âmbito de outros
procedimentos administrativos, como sejam os respeitantes à Reserva
Ecológica Nacional, à Reserva Agrícola Nacional ou à Rede Natura; ii)
os projectos inseridos em plano municipal de ordenamento do território
que tenha sido objecto de avaliação ambiental estratégica deveriam
ficar sujeitos a um procedimento aligeirado de AIA; iii)criação de um
único procedimento administrativo unificado para efeitos de AIA e de
licenciamento ambiental (regime de prevenção e controlo integrados da
poluição constante do Decreto-Lei n.º 127/2013), possibilidade esta
expressamente admitida pelo n.º 3 do artigo 2.º da directiva agora
transposta;iv) criação de um regime especial de AIA, exclusivamente
aplicável àsinstalações preexistentes, carecidas de DIA para efeitos
de regularização administrativa das respectivas actividades, pois não
adianta "tapar o sol com a peneira" e fazer de conta que o problema
não existe, porque ele é real e tem que ser solucionado, já que
afecta, gravemente, inúmeras empresas, nomeadamente por lhes vedar o
acesso aos apoios comunitários.

Assim, o regime de AIA deveria ter uma função central e determinante
no âmbito dos procedimentos administrativos de aprovação de projectos.
Nos tempos que correm e numa lógica de desenvolvimento sustentável,
pouco sentido fará a inviabilização de investimentos por razões que
não sejam de natureza estritamente ambiental, da mesma forma que mal
se compreenderá que "fique na gaveta" um qualquer empreendimento,
apesar do mesmo não comportar impactes ambientais significativos.

Conferir à AIA aquele papel, a par de uma maior articulação dos
regimes jurídicos de licenciamento e de uma decisiva unificação de
procedimentos administrativos, é não só desejável como indispensável à
criação de um clima propício ao investimento, de que o país está tão
carecido.

Advogado, sócio da MLGTS Sociedade de Advogados

http://www.publico.pt/sociedade/noticia/avaliacao-de-impacte-ambiental-uma-medida-legislativa-da-maior-relevancia-1618829

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