sexta-feira, 30 de maio de 2014

Assembleia da República: PCP questiona Governo sobre a «plantação de eucaliptos no regadio de Alqueva»



O Grupo Parlamentar do PCP entregou na Assembleia da República uma Pergunta em que solicita ao Governo que lhe sejam prestados esclarecimentos sobre a «plantação de eucaliptos no regadio de Alqueva» , Pergunta que se passa a transcrever.
Destinatário: Ministério da Agricultura e do Mar

Foi publicada recentemente no Jornal Público uma notícia que dava conta que o presidente da EDIA é favorável à plantação de eucaliptos nos blocos de rega de Alqueva. Este tema não é inteiramente novo, tendo sido já lançado pela senhora Ministra da Agricultura, e ganhou mesmo algum enfoque com a possibilidade de os fundos comunitários apoiarem a plantação de eucaliptos.

Segundo o presidente da EDIA a plantação de eucaliptos pode ser uma forma de dar rentabilidade ao chamado regadio social, isto é as pequenas explorações. Na referida notícia o presidente da EDIA dá mesmo grande ênfase à utilização do regadio social para tal fim.

Outra das vantagens apontadas é a apetência de Alqueva para a produção intensiva, permitindo a deslocação de produção para Alqueva libertar área para recuperação ambiental. É ainda referido que o aumento da produção permitiria atenuar a falta de matéria-prima.

Neste contexto vale a pena uma abordagem aos dados estatísticos, nomeadamente da indústria de pasta de papel (o destino da produção de eucalipto), mas também da balança agroalimentar. O Boletim Estatístico da Indústria Papeleira Portuguesa, do ano de 2012, da responsabilidade da CELPA – Associação da Industria Papeleira afirma que "A área total de eucalipto aumentou 95 mil hectares entre 1995 e 2010. Para este aumento contribuem 70 mil hectares de áreas ocupadas por pinheiro-bravo em 1995, 14 mil hectares de superfícies ocupadas por matos e pastagens e 12 mil de áreas agrícolas." Isto é, o eucalipto, que já é a espécie florestal que mais área ocupa no nosso país, tem vindo a alargar-se à conta de outras espécies mas também de áreas de pastagem e agrícolas. Segundo o mesmo Boletim, Portugal exportou em 2012, 1 milhão de toneladas de pasta de papel e consumiu no mercado interno 74 000 toneladas. Segundo este dados, da pasta de papel produzida em Portugal, apenas cerca de 7% terá sido consumida no nosso país.

Em 2012 foram consumidos 7 milhões de m3 de madeira de eucalipto. Destes, foram adquiridos ,7 milhões m3 de eucalipto, dos quais 23% provêm de importação. Daqui se depreende que a produção de eucalipto em Portugal é mais que suficiente para alimentar as necessidades do país e que a importação desta madeira é para alimentar a vertente exportadora da indústria, não obstante a importância das exportações.

O Inventário Florestal Nacional de 2005-2006 informava-nos que, nessa altura, mais de 100 mil hectares de povoamentos exclusivamente de eucalipto tinha idade superior a 12 anos, isto é, estava além da idade ideal de corte. O mesmo inventário referia existirem mais de 10 milhões de m 3 de madeira em pé em povoamentos acima da idade de corte que já deveriam ter sido cortados. O que o Inventário nos diz é que o problema da escassez de eucalipto face à necessidade da indústria se resolve com melhor gestão e não com aumento da produção.

Sobre este sector as Estatística da Produção Industrial: 2012, do INE, dizem que a indústria de "fabricação de pasta, de papel, de cartão e seus artigos", vendeu para a União Europeia e países terceiros cerca de 845 milhões de euros.

Por outro lado no INE, nas Estatística Agrícola: 2012 (última publicada) podemos verificar que o país mantém uma carência enorme de produtos estratégicos. Em 2012 o país importou: 67000 toneladas de carne de bovino, no valor de 292M€; 112 000 toneladas de carne de suíno, no valor de 255M€; 374 000 toneladas de batata, no valor de 72M€; 33 500 toneladas de feijão seco, no valor de 30M€, 13 500 toneladas de grão-de-bico, no valor de 13M€; 1 400 000 toneladas de trigo, no valor de 350M€; 1 600 000 toneladas de milho, no valor de 380M€; 59 000 toneladas de farinha de trigo, no valor de 21M€. Neste conjunto de produtos estratégicos o país importou cerca de 1400 milhões de euros.

A mesma estatística mostra-nos o grau de autoaprovisionamento, que é dramático para alguns produtos: Bovinos 57,7%; Trigo 3,1%; Cevada 5,7%; Milho 32,3%; Batata 44%; Feijão seco 7,7%; Grão-de-bico 10%; Girassol 6,6%.

Neste âmbito uma das carências mais dramáticas é a de cereais e sobre isto é o próprio INE que diz que "os 'cereais' reforçaram a sua posição como principal grupo de produtos agrícolas e agroalimentares proveniente dos mercados externos no ano de 2012, tendo atingido um peso de 11,8% (+0,3 p.p.) face a 2011. Em termos dos países parceiros, em 2012, a Ucrânia foi o principal fornecedor deste tipo de produtos a Portugal, com um peso de 27,0% (+11,5 p.p. face a 2011)". Ou seja, estamos a agravar a nossa dependência do exterior em cereais, nomeadamente trigo, e o nosso principal fornecedor é um país que neste momento enfrenta graves problemas políticos e sociais. Se isto não deixa o Governo preocupado, deveria deixar!

Estas são razões que nos levam a refutar por completo esta posição do presidente da EDIA. 
Parece, no mínimo, pouco sensato que se pretenda promover a produção de matéria-prima para uma indústria em que o país é mais que autossuficiente e que exportou em 2012 cerca de 845 milhões de euros, ignorando o conjunto de produções essenciais e estratégicas, que podem ser produzidas nos perímetros de rega de Alqueva, e que representaram em 2012 cerca de 1 400 milhões de euros de importações.

Estas são razões que justificam a existência de um plano estratégico para a área de influência de Alqueva, como o PCP já propôs nesta sessão legislativa, iniciativa infelizmente chumbada com os votos do PS e a abstenção do PSD e do CDS.

Posto isto, com base nos termos regimentais aplicáveis, vimos por este meio e com carácter de urgência, perguntar ao Governo, através do Ministério da Agricultura, o seguinte:

1. O ministério subscreve esta tomada de posição do presidente da EDIA?

2. O ministério pediu explicações ao presidente da EDIA sobre este posicionamento?

3. A EDIA está a participar em algum grupo de trabalho com a indústria da pasta de papel com o objectivo de avaliar a introdução da cultura florestal em perímetros de rega?

4. Concorda o ministério com a transferência de área de plantação de eucalipto para realizar recuperação ambiental de áreas anteriormente utilizadas?

5. Não entende o ministério que existem produções estratégicas e para as quais existem grande apetência em Alqueva, e que devem ser promovidas ao invés da tentativa de introdução de eucalipto?

6. Não entende o ministério que, dada a importância da produção nacional e a importância de Alqueva para esse fim, o desenvolvimento deste projecto tem de ter associado um plano estratégico para não andar ao "sabor do vento"?

Palácio de São Bento, terça-feira, 27 de Maio de 2014

Deputado(a)s

JOÃO RAMOS (PCP)

Fonte:  Grupo Parlamentar do PCP

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