quarta-feira, 23 de maio de 2012

Uma única exposição a toxinas ambientais pode afectar o comportamento de gerações

Experiências no rato

23.05.2012 - 12:42 Por Ana Gerschenfeld
Votar | 0 votos 1 de 1 notícias em Ciências

Pesticidas poderão tornar os nossos netos mais stressados (Stefano
Chiarelly/Flickr)
Cientistas norte-americanos descobriram que animais cujos
antepassados tinham sido expostos a toxinas ambientais apresentavam,
gerações mais tarde, uma reacção exacerbada ao stress.

"Não sabíamos que uma resposta ao stress podia ser assim reprogramada
pelas exposições ambientais dos nossos antepassados", diz em
comunicado Michael Skinner, da Universidade Estadual de Washington,
que com os colegas publicou esta terça-feira os seus resultados, na
última edição da revista Proceedings of the National Academy of
Sciences (PNAS).

A equipa de Skinner expôs ratos fêmeas grávidas à vinclozolina, um
fungicida popularmente utilizado para tratar frutas e vegetais. "Já
foi demonstrado", escrevem os cientistas na PNAS, "que a exposição à
vinclozolina predispõe os ratos machos a desenvolverem precocemente
diversas doenças do adulto, efeitos que continuam a ser detectáveis,
sem atenuação, ao longo das quatro gerações seguintes."

A vinclozolina exerce a sua influência na descendência dos animais
através de mecanismos ditos epigenéticos, onde, em vez de mutações na
sequência de ADN dos genes, produz alterações do nível da actividade
(ou expressão) dos genes. O fenómeno transgeracional aqui observado,
especulam os investigadores, é provavelmente provocado por alterações
epigenéticas permanentes nos ovócitos ou nos espermatozóides.

Agora, os cientistas quiseram saber se uma reacção comportamental a um
desafio da vida real, tal como a reacção ao stress, também seria
afectada. Para isso, submeteram a uma série de testes comportamentais,
durante a adolescência, a terceira geração da descendência masculina
de "bisavós" expostas à vinclozolina. Os testes foram realizados, em
particular, numa situação geradora de stress em que os ratos eram
fisicamente imobilizados de forma contínua. E os cientistas
constataram então que os ratos cuja bisavó tinha sido exposta ao
fungicida eram mais ansiosos e mais sensíveis ao stress do que os
outros, apresentando níveis de actividade cerebral mais elevados nas
regiões do cérebro associadas ao stress. "A exposição ancestral da
nossa bisavó altera o nosso desenvolvimento cerebral e a seguir
respondemos ao stress de forma diferente", conclui Skinner.

A confirmar-se que esta "hereditariedade epigenética transgeracional"
também se verifica nos seres humanos, as implicações deste estudo
podem ser profundas. "Estamos neste momento na terceira geração humana
desde a revolução química, quando os seres humanos começaram a ser
expostos a este tipo de toxinas", diz por seu lado David Crews, da
Universidade do Texas, co-autor do estudo. "O que temos aqui é um
modelo animal desse fenómeno", acrescenta.

"As nossas capacidades sociais ou o nosso nível de ansiedade em
situações de stress poderão ser portanto definidas tanto pela nossa
herança epigenética ancestral como pela nossa experiência nos
primeiros anos de vida", frisa por seu lado Skinner. Para este
cientista, isso poderia permitir explicar por que certas pessoas
sofrem de síndrome de stress pós-traumático e outras não.

"Não há dúvida de que estamos a assistir a um aumento real de
perturbações mentais, como o autismo ou a doença bipolar", diz Crews.
"Isso vai para além de uma mudança ao nível do diagnóstico. A questão
é saber porquê. Será por vivermos num mundo mais frenético ou por
vivermos num mundo mais frenético e ao mesmo tempo estarmos a
responder ao frenesim de forma diferente porque fomos expostos?
Inclino-me para a segunda opção."

http://www.publico.pt/Ci%C3%AAncias/uma-unica--exposicao-a-toxinas-ambientais-pode-afectar-o-comportamento-de-geracoes-1547311

Sem comentários:

Enviar um comentário