sábado, 4 de janeiro de 2014

Os romenos, a “desumanidade” e o desemprego no Alentejo

SEVINATE PINTO

04/01/2014 - 02:16

O trabalho agrícola tem características que dificilmente poderão ser alteradas.

Tal como em anos anteriores, o problema dos romenos e de outros
estrangeiros, que em grande número vêm trabalhar para o Alentejo na
época da apanha da azeitona, tem, pelos piores motivos, feito
manchetes nos órgãos de comunicação social, designadamente no PÚBLICO,
jornal que leio diariamente.

A questão, exposta quase sempre de forma correcta, tem atingido a
imagem do Alentejo e incomodado os portugueses de boa consciência,
designadamente os olivicultores alentejanos, que muito pouca
responsabilidade têm no assunto.

Basicamente, são quatro os temas que se misturam:

– A forma como são tratados e explorados grupos de estrangeiros que
procuram trabalho, por intermediários que os controlam;

– As ilegalidades cometidas por algumas empresas intermediárias,
designadamente, quanto ao cumprimento das suas obrigações sociais e
fiscais;

– A necessidade de trabalhadores estrangeiros quando há desemprego no Alentejo;

– O desajustamento entre a oferta e a procura de trabalho agrícola no
Alentejo e em quase todo o país.

Os dois primeiros temas são assuntos de polícia e deverão ser
perseguidos os seus responsáveis. Ninguém pode ficar indiferente
quando seres humanos, independentemente da sua origem, fugindo da
miséria nos seus países, se tornam presas fáceis de gente sem
escrúpulos, que, ficando-lhes com uma parte substancial dos seus
ordenados, os trata em condições desumanas, quer no que respeita à
alimentação, quer no que respeita ao alojamento.

A questão é saber-se: quem de facto assim procede; como têm, ou não,
sido reprimidos e quantas pessoas estão sujeitas a este tipo de
situação. Creio saber que, por um lado, as autoridades portuguesas têm
perseguido os responsáveis e que, felizmente, isso não acontece com a
maior parte dos trabalhadores estrangeiros.

Quanto à fuga aos impostos e às obrigações normais das empresas,
trata-se, mais uma vez, de um tema importante, eventualmente
facilitado por falhas legislativas aproveitadas por gente que importa
perseguir e reprimir.

Os terceiro e quarto temas são o centro de todo o problema. Muita
azeitona apodreceria nas oliveiras e não seria apanhada se não fossem
os romenos, ou outros trabalhadores estrangeiros. Se isso acontecesse,
muitos olivais teriam de ser abandonados. As máquinas, que já são
muitas e cada vez mais, não resolvem tudo e não podem ser utilizadas
em todas as circunstâncias.

O mesmo, aliás, está a acontecer por todo o país, onde a agricultura
moderna, quando exigente em mão-de-obra, reclama trabalhadores e não
os encontra nos centros de emprego, sendo por isso obrigada a recorrer
a estrangeiros.

Situações semelhantes acontecem em todo o mundo, na Europa, nos
Estados Unidos, em África e até na América Latina. Os muitos milhares
de portugueses que anualmente iam fazer trabalhos agrícolas sazonais
em França ou na Alemanha viveram e sentiram problemas de alguma forma
semelhantes.

Não conheço nenhum agricultor português que, em igualdade de
circunstâncias, não preferisse dar trabalho a um português. O que
acontece é que o trabalho agrícola tem características que
dificilmente poderão ser alteradas. São em regra trabalhos sazonais,
muitas vezes ocasionais e inadiáveis, às vezes de forma concentrada e
por períodos limitados de tempo.

Compreende-se que alguns portugueses, mesmo desempregados, não gostem
da precariedade muitas vezes associada aos trabalhos agrícolas e
revelem dificuldades de adaptação à natureza desses trabalhos, apesar
da sua exigência física não ter hoje qualquer comparação com o que
acontecia no passado.

Contudo, quanto mais discussões ouço sobre o assunto, quanto mais
observo a realidade, maior é a minha convicção de que o que falta é
organização.

Há, de certeza, muitos portugueses em idade activa que gostariam de
trabalhar, ainda que fosse na agricultura. O que acontece é que estão
desorganizados e dispersos pelas várias vilas e aldeias do país e,
neste caso, do Alentejo. Se se organizassem em grupos, não haveria
nenhuma razão para se admitir que seriam menos capazes, menos eficazes
e mais caros, que os trabalhadores estrangeiros.

Temos exemplos na área agrícola com muitos anos de existência que
provam a sua eficácia. São os grupos de "tiradores de cortiça", que se
organizam eles próprios em torno de um "capataz", que nem sempre ganha
mais do que os outros, e que existem por todo o Alentejo, assegurando
vários meses de trabalho de Verão, em geral bastante bem pago.

Estes grupos de portugueses, se os houvesse para a apanha da azeitona,
não evitariam, como já disse, a necessidade de se recorrer a
estrangeiros, mas tirar-se-ia razão à ideia de que estes estrangeiros
vêm tirar o "pão" e o trabalho aos portugueses. Ao mesmo tempo,
anular-se-ia o argumento, utilizado por alguns, de que os portugueses
não querem trabalhar e quando querem é por valores incomportáveis, com
má vontade e sem recibo que comprove o custo do trabalho, hoje
obrigatório nas contabilidades dos agricultores.

Os centros de emprego poderiam organizar a informação indispensável
para melhor se compreender a realidade do trabalho agrícola e,
sobretudo, as razões que me têm sido apontadas por muitos agricultores
que dizem não ter sucesso quando a eles recorrem. Por outro lado,
quando não é esse o caso, dizem-me ser altíssima a taxa de abandono ao
fim de alguns dias.

E, já agora, também se calariam aqueles que agora começam a falar para
a comunicação social e que dizem sempre ter considerado o
desenvolvimento do olival no Alentejo um disparate porque nunca
haveria aí suficiente mão-de-obra para apanhar a azeitona. Deviam
pensar duas vezes antes de o dizerem, até porque os olivais que menos
necessitam de mão-de-obra são os super-intensivos que, normalmente,
são os alvos das suas críticas compulsivas.

Engenheiro agrónomo

http://www.publico.pt/economia/noticia/os-romenos-a-desumanidade-e-o-desemprego-no-alentejo-1618338

4 comentários:

Anónimo disse...

Sr. Eng. Será possível que não saiba quanto pagam por dia na apanha da azeitona? para trabalhar ao frio e à chuva? é comparável com o que pagam na cortiça? acha que as pessoas são parvas? não fazem contas? O problema é um pouco mais complicado. A fileira do azeite, com os preços a cair, também não poderá pagar mais...

Anónimo disse...

Porque não vai o Sr.Pinto para "capataz" e já agora dar uma mãozinha na apanha da azeitona recebendo exactamente aquilo que paga aos "desorganizados" trabalhadores alentejanos? Como eu o compreendo !!
Este senhor, e outros com discursos semelhantes, faz parte do grupo que falam sempre de papo-cheio. Mas, não se iluda porque "não há bem que sempre dure e mal que não acabe"

Anónimo disse...

Vejo que estes doisc omentarios anteriores estao completamente polarizados e desligados da realidade!
A apanha manual custa muitas vezes entre 18 e 20 centimos por quilo de azeitona, azeitona essa que é paga frequentemente a 25 centimos, como querem que se pague aos preços dos tiradores de cortiça?
Todos temos direitos! Direitoa. Tudo em ais alguma coisa, mas se é para trabalhar o trabalho só pode ser fácil, leve e muito bem pago, senão nao é digno!

Anónimo disse...

Desculpe, mas não percebeu o comentário. Vou explicar de forma mais simples: Ninguém quer apanhar azeitona porque é um trabalho mal pago para o esforço necessário (nos antípodas da cortiça, que embora requerendo perícia, é bem pago). A fileira também não pode pagar mais, é certo. Portanto, o problema não é falta de organização coisa nenhuma. O problema é mesmo o valor pago que não é suficientemente atractivo! As pessoas não são parvas. Solução: colheita mecânica!

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