OPINIÃO
Carlos Neves
A tensão na fileira do leite tem vindo a subir acompanhando a subida
dos factores de produção, nomeadamente gasóleo, adubo e sobretudo
rações. O leite não sobe e por isso o desespero, a revolta e a
falência dos produtores são cada vez mais evidentes. Apesar da
ausência de luz ao fundo do túnel, parecem estar reunidas as condições
para essa subida de preço, tendo em conta que:
- Os consumidores estão preparados para essa subida, anunciada desde
há meses na comunicação social e justificada com a intervenção pública
de diversas associações de agricultores, com uma postura pedagógica,
explicando como se produz leite, o trabalho que dá e mostrando o
aumento do custo dos factores de produção;
- A distribuição já admitiu publicamente a hipótese dessa subida, já
afirmou a sua preocupação com a viabilidade da produção nacional,
tendo hoje um discurso diferente do tempo em que afirmava o direito de
comprar o produto no sítio do mundo onde fosse mais barato;
- A subida dos combustíveis torna mais cara a importação de
lacticínios ou de qualquer outro alimento e torna evidente a
importância de garantir a independência alimentar do país, sobretudo
num sector onde a produção actual é suficiente para as necessidades.
- Os preços internacionais de lacticínios estão em alta, registando-se
uma subida de33,4% no preço do leite entre 1 de Janeiro e 14 de
Fevereiro.
- A Indústria, tanto privada como cooperativa, já reconheceu
publicamente as dificuldades dos produtores, argumentou não ter margem
para aumentar o preço mas afirmou disponibilidade para pagar um preço
mais justo ao produtor se receber mais da distribuição.
- O Governo e os diversos partidos políticos estão em sintonia,
preocupados com a sobrevivência dos produtores de leite e apelando ao
consumo nacional, discordando, contudo, sobre se estará a ser feito
tudo o que é possível pela autoridade da concorrência ou outras
entidades que deviam regular a relação indústria - distribuição.
Com todas estas boas intenções, devia ser simples aumentar o preço do
leite, mas não é. Está visto que o cerne da questão depende da
negociação indústria - distribuição e parece haver muitas contas para
acertar e muita pedra para partir.
Perante a catástrofe que afecta a produção de leite portuguesa,
assistimos a reacções "à portuguesa", procurando causas e apontando
culpados - tenho assistido a excelentes acusações. Acontece que a
situação dramática dos produtores não aguenta o recurso à justiça,
atendendo à velocidade a que funciona a justiça "à portuguesa". Como
ainda estamos vivos, precisamos do INEM, dos Bombeiros ou dos
capacetes azuis da ONU, ou melhor, falando sério e pensando alto, será
despropositado pedir a intervenção do Presidente da República neste
conflito?
Uma última constatação: Se o leite está hoje cheio de boas intenções e
debaixo da atenção geral, tal é devido à pressão dos produtores e das
organizações que se tem manifestado, razão para manter e intensificar
essa pressão até atingirmos um preço justo que permita pagar as contas
e viver com dignidade do nosso trabalho.
Carlos Neves
Presidente da APROLEP E AJADP
PS - Entre o início e o fim deste texto, fiz uma "pausa" para ordenhar
as vacas, ajudar ao parto de uma novilha e jantar. O parto de uma
novilha é sempre sensível, mas correu bem e é uma vitela (Dictator x
Dale). O nascimento de uma vitela é um momento inspirador. Pois então
tenhamos esperança e façamos força!
Publicado em 28/02/2011
http://www.agroportal.pt/a/2011/cneves.htm
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