MANUEL DE NOVAES CABRAL:
ESTÁ NOS LIVROS: as empresas que estão no mercado têm um único fito, o
lucro. Por mais voltas que possamos dar, chegamos sempre a essa
conclusão. Por mais que as empresas invistam, seja na imagem, seja na
investigação e no desenvolvimento do produto, o seu objectivo final é
sempre "aplicar" essa investigação em projectos que melhorem a sua
prestação empresarial. E é assim que deve ser.
A questão vem à baila a propósito da utilização das diferentes castas
na produção vitícola. Até há bem poucos anos, a maior parte da
produção era monovarietal. Poucas empresas havia que fizessem uma
selecção criteriosa das castas. O vinho era originário de uma ou outra
região, assumindo o respectivo "blend" de castas.
Em tempos idos, alguns visionários começaram a plantar e a vinificar
castas que não eram tradicionais na sua região, procurando dois
objectivos: por um lado, avaliar o interesse dessas castas para a
melhoria dos seus próprios vinhos; por outro, analisar a sua adaptação
ao "terroir" para a produção de monovarietais. Depois, expandiu-se
esta prática, agora com outros objectivos. Muitos dos que criticavam a
sua prática generalizada, sobretudo no Novo Mundo, renderam-se. É
claro que a pressão de um mercado imediatista e facilmente manipulado
por uns quantos (poucos) ditos especialistas no gosto, ajudou muito.
Os concursos internacionais monovarietais passaram a ser um chamariz
interessante para esta prática. Entretanto, alguns trabalhos foram
desenvolvidos no sentido de melhorar a produção vitícola, começando
pela selecção das castas mais adequadas a cada região, a cada
"terroir". Esses trabalhos tiveram a maior importância na melhoria dos
vinhos portugueses, mas não podemos esquecer que significaram também
um entorse concorrencial, na medida em que os seus resultados
conduziram à limitação da classificação dos vinhos como DOC àqueles
que são produzidos com as castas recomendadas. Outros vinhos, que
incluam castas não recomendadas, não acedem àquela classificação,
ficando apenas com a menos valorizada de "Vinho Regional".
Este processo foi, com certeza, um mal necessário. Contudo, trouxe
consigo uma perda da variedade e da riqueza do vinho, da sua
autenticidade e carácter. O tempo parece estar maduro para a inversão
deste processo: explorar a diversidade das castas e a consequente
diversidade dos vinhos.
Os últimos anos foram, inegavelmente, anos de ouro para o vinho. O
progresso foi enorme a todos os títulos. Evoluiu-se na vinha e no
vinho; na plantação e nos tratamentos; na vinificação e no marketing.
Há, contudo, um aspecto em que a evolução não aconteceu da mesma
forma: a diversidade das castas. Julgo que já há quem olhe para esta
questão com outros olhos.
O caminho da globalização dos vinhos passa cada vez menos pela
uniformidade e cada vez mais pela diversidade. Ou melhor: há um
mercado para os vinhos massificados, mercado esse que tende a ter
preços cada vez mais baixos; e há outro mercado para os vinhos que
afirmam a sua diversidade, a sua identidade, o seu carácter, mercado
este que tenderá a ser mais estratificado e com preços mais elevados.
Neste mercado, as castas têm um papel crucial a desempenhar, sobretudo
num país como Portugal que tem a maior densidade varietal do mundo:
quase três variedades por 1.000 km2, cerca de três vezes mais do que
Itália e seis vezes mais do que Espanha e França. Nós portugueses
temos, pois, muito a explorar para conseguir melhores condições
concorrenciais num mercado que é cada vez mais aberto, competitivo e
globalizado. Saibamos dar as mãos, empresas e entidades públicas com
responsabilidades no sector, no sentido de ter uma visão estratégica
comum a toda a fileira e, em consonância com essa visão, dar os passos
necessários.
Manifestamente, os factores de competitividade de cada um destes
mercados, ambos parte do mercado global, são diversos. Voltaremos a
este assunto em artigo próximo.
Manuel de Novaes Cabral | Wine 35
http://essenciadovinho.com/revistawine/php/opinioes.php?id=107
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