20-07-2012
Joaquim Matias Chainho é Orizicultor, Presidente da ARBCAS*, e membro
da AOP. (*Associação de Regantes e Beneficiários de Campilhas e Alto
Sado)
Produz arroz em Melides e Alvalade do Sado e falou connosco sobre as
técnicas de cultivo que tem vindo a implementar. Atento às inovações e
às mudanças que se anunciam no sector, reflete nesta entrevista sobre
o presente e o futuro da Orizicultura em Portugal.
abolsamia: O grande produtor de arroz na Europa é a Itália, seguida de
Espanha, e depois aparece a Grécia com um volume de produção um pouco
superior ao de Portugal. Somos o 4º produtor europeu mas não
produzimos o suficiente para dar resposta à procura interna. Portugal
tem condições para produzir mais arroz?
Joaquim Matias Chainho (JMC): A produção portuguesa tem crescido nos
últimos anos. Há 6 anos fazíamos 25.000ha e agora estamos mais perto
dos 30.000ha. Na região do Ribatejo há terras que têm sido ocupadas
com milho e tomate, e é natural que se consiga ainda fazer mais área
de arroz se estas culturas vierem a libertar alguns campos. Poderá
eventualmente subir mais 5.000ha, mas dificilmente mais do que isso.
No Vale do Sado é impossível porque está condicionado ao próprio Vale.
Mais a Sul, em Campilhas e Alto Sado, temos a mesma condicionante.
Mesmo que a área aumente, não conseguiremos produzir o suficiente para
abastecer o mercado nacional. E mesmo que se venha a produzir arroz em
novos campos, serão áreas mais periféricas, tendencialmente menos
produtivas. As zonas nobres estão todas ocupadas.
abolsamia: Como está o preço de venda do cereal?
JMC: Nos últimos dois anos estabilizou em redor dos 30 cêntimos/kg
para arroz com casca, o que é um preço razoável. Mas costuma oscilar e
nada garante que para o ano não esteja a 25 cêntimos.
abolsamia: Os orizicultores organizaram-se mais ultimamente e já
realizam encontros anuais. Estas iniciativas têm trazido benefícios?
JMC: Penso que sim! O mercado agrícola depende cada vez mais da posse
de informação, e de potenciar tudo o que se possa fazer a nível de
apoios. Depende muito desta vertente financeira. Não se pode
desperdiçar nada, senão compromete-se a rentabilidade.
abolsamia: Está ligado a alguma associação?
JMC: Sou associado da APARROZ, que me dá apoio técnico, certificação
da cultura, e acompanhamento do método de produção integrada. E sou
presidente da ARBCAS, que é uma associação de fornecimento de água.
abolsamia: Produz arroz na Várzea de Melides e em Alvalade do Sado.
Qual é a disponibilidade de água num sítio e no outro?
JMC: Há diferenças. Em Melides a água provém de nascentes e nunca
houve escassez. Em Alvalade vem essencialmente das barragens , que
estão dependentes das chuvas. Monte da Rocha é uma barragem com muita
capacidade, e normalmente tem sempre água suficiente para fazer a
seara na totalidade. Já em Fonte Serne e em Campilhas, as outras duas
barragens vocacionadas para a rega do arroz, por vezes existem
restrições ou até mesmo impedimento de fazer a cultura por falta de
água.
abolsamia: Em Alvalade não há alternativa às barragens?
JMC:Por vezes também se usa água bombeada da ribeira. Mas normalmente
é água que já provém da drenagem e é reaproveitada.
abolsamia: O modo como se cultiva arroz evoluiu muito. Há uns anos a
rebaixa era feita em alagado, com rodas de ferro e rodo, e hoje o
nivelamento é praticamente todo feito por laser…
JMC: Antigamente utilizava-se o método de alagamento para nivelar.
Hoje já se utiliza muito pouco. Apareceu a tecnologia laser e os
agricultores adotaram este método há cerca de 15-20 anos. Mas só se
faz por laser quando as terras o permitem. Quando a Primavera é
chuvosa, e permanecem muito alagadas, tem de se usar o método antigo.
abolsamia: A vantagem do nivelamento por laser é visível a que nível?
Porque reduz custos e é mais prático? Ou também se reflete na
produtividade?
JMC: Notamos que quando o trabalho é bem feito esta técnica faz com
que o arroz nasça melhor e cresça mais homogéneo. Quando era por
alagamento tínhamos de semear dentro de água, a terra ficava fria, e
por vezes havia dificuldade em o arroz germinar. A preparação com
laser tem uma grande vantagem: permite fazer o trabalho todo em seco.
O nivelamento, a colocação de adubo, e a sementeira, são feitos em
seco. Só depois de já termos a semente no canteiro é que pomos água.
abolsamia: E logo no início, quando ainda tem o restolho no campo, faz
lavoura ou gradagem?
JMC: Cada vez se faz menos lavoura porque é uma operação cara. Para
reduzir custos recorremos a outros métodos. Para incorporar o restolho
fazemos gradagem e também utilizamos muito o chísel.
abolsamia: Visitámo-lo quando estava a preparar as terras e vimos que
depois do laser passou com uma alfaia que deixou um trabalho muito
perfeito. O uso desta alfaia na orizicultura é uma inovação? Que
vantagens traz?
JMC: Estou a utilizar esta alfaia, conhecida como tilth master, há
cerca de 3 anos. Essencialmente serve para enterrar o adubo e eliminar
algumas ervas que estejam nascidas. Nós utilizávamos uma fresa mas uma
vez que é ligada à tomada de força, e tem de se andar muito devagar,
ficava dispendioso. Numa hora fazíamos cerca de 2ha com a fresa; com o
tilth master numa hora fazemos 5ha e com menos consumo de combustível.
É uma alfaia interessante. Permite uma progressão muito rápida e tem
ainda a vantagem de ter pouca manutenção.
abolsamia: E depois de enterrar o adubo?
JMC: Aplicamos um herbicida pré-emergente e logo em seguida semeamos.
abolsamia: Há zonas onde se semeia por via aérea. Aqui alguma vez foi feito?
JMC: Foi. Até há 20 anos mesmo as mondas químicas eram feitas com
avião. Mas depois passou a ser tudo feito com os tratores porque, com
as novas rodas de bicos, com os pulverizadores modernos e com o apoio
do GPS, faz-se o trabalho com muito maior precisão. Estas ferramentas
trouxeram várias vantagens: o trabalho fica mais perfeito, tem menos
custos, e podemos escolher o momento certo para cada operação.
abolsamia: A seguir à aplicação do herbicida faz a sementeira, que
pode ser em seco ou dentro de água. Que etapas se seguem?
JMC: Em seco a sementeira faz-se com espalhador; o mais usado é o
espalhador centrífugo. É o método mais fácil porque podemos usar
qualquer trator pequeno, com rodas de pneu. Em molhado a sementeira é
feita com rodas de bico duplas, em ferro. Quando se faz a sementeira
molhada tem de se pôr o arroz 24 horas dentro de água, depois tira-se
e fica outras 24 horas a enxugar. Isto faz-se essencialmente para o
arroz ficar pesado e ir ao fundo. Na sementeira em seco o arroz é
envolvido num detergente próprio que tem uma função idêntica; evita
que a semente suba à tona de água quando inundamos os canteiros. São
duas técnicas diferentes que servem o mesmo fim: manter a semente
debaixo de água.
Feita a sementeira temos de baixar as águas para que o arroz nasça.
Depois, por volta dos 20 dias faz-se a primeira monda, para eliminar
essencialmente as ervas de folha fina, como as milhãs. Há quem faça
aos 30 dias e monda logo tudo, mas por vezes não resulta. A técnica
que eu estou a usar é mondar aos 20 dias, que mata um tipo de ervas,
não se faz mistura de químicos, e depois ao fim de mais 15 dias, com
outras infestantes nascidas, faço uma segunda monda para matar as
ervas de folha larga.
abolsamia: Quais são as principais infestantes?
JMC: A mais determinante para a cultura é a milhã, e é a monda que se
faz primeiro. Há a milhã digitada e a milhã pé-de-galo. Se não
fizermos a monda da milhã o arroz fica fraco e tem dificuldade em
desenvolver-se. E depois há as orelhas-de-mula e as ciperáceas (junca
e junquilho), cuja monda se faz mais tarde.
abolsamia: E quanto ao arroz bravo?
JMC: O arroz bravo não é propriamente uma infestante. É uma semente de
arroz que tem um ciclo de maturação deslocado em relação ao arroz
normal. Acontece que quando ceifamos já este arroz tem degranado, ou
seja, os grãos já têm caído para o solo, e acaba por ficar semeado.
Quando numa seara aparece uma espiga desta semente, faz com que no ano
seguinte apareçam 20 ou 30 filhos. Em 3 ou 4 anos isto disseminou-se e
tem sido difícil de controlar.
abolsamia: Mas trata-se apenas de uma diferença de ciclo ou a semente
também é imprópria?
JMC: A própria semente é diferente. Tem pouca qualidade, é mais
pequena, tem um grão avermelhado, e é uma coisa que desagrada à
indústria. Além disso, compete com o arroz normal na própria cultura e
indiretamente acaba por ser como uma infestante.
abolsamia: E como tem lidado com este problema?
JMC: Temos usado semente resistente a alguns herbicidas e com essa
técnica temos conseguido eliminar o arroz bravo.
abolsamia: Portugal está muito dependente da compra de semente…
JMC: É praticamente tudo importado. A semente certificada que nós
compramos vem ou de Itália ou de França. O COTARROZ (Centro Operativo
e Tecnológico do Arroz) tem trabalhado bem em investigação, embora
venha tendo poucos apoios. Mas agora, juntamente com a AOP e com a
Casa do Arroz, que é outra entidade que se criou há pouco tempo, e que
junta a indústria e a produção, conseguiram-se reunir algumas
condições que deverão permitir pôr cá fora, talvez daqui a 3 ou 4
anos, uma nova variedade de semente. Embora a investigação já leve
cerca de 10 anos, é normal que seja um processo demorado e que só ao
fim de 14 ou 15 anos é que se chegue a um resultado com aplicabilidade
no campo. Penso que vai funcionar e que vai ser positivo para o
sector.
abolsamia: Que condições são necessárias para que o arroz germine bem
e se desenvolva?
JMC: Para nascer bem o arroz tem de ter temperaturas de preferência
altas, e com mínimas acima de 12°. E os canteiros devem ser mantidos
com pouca água. Podemos ter muita água nos canteiros quando semeamos
mas depois devemos passar a ter águas baixas para o arroz germinar. É
bom para que comece a apanhar sol e para que não seja arrancado. Em
dias de vento, se o canteiro tiver muita água, o arroz tem tendência a
arrancar pela raiz.
abolsamia: Isso implica muito trabalho ao nível do controlo da água…
JMC: Sim. Essencialmente o que se tem de fazer a partir da sementeira
é controlar todos os dias os níveis de água. Temos de os fazer oscilar
ao longo do ciclo.
abolsamia: E como é que avalia quando deve pôr e tirar água?
JMC: Analisamos o aspeto do arroz, vemos em que fase vegetativa está,
e consoante esses fatores encaminhamo-lo. A forma de controlarmos o
crescimento do arroz é com água. Se pusermos mais água cresce para
cima, se mantivermos o canteiro com pouca água ele agarra-se melhor.
E quando se faz as mondas tem de se baixar muito a água para que as
infestantes tenham o máximo possível da sua superfície fora de água,
de modo absorverem o herbicida.
abolsamia: Se o arroz não germinar bem, pode ter de fazer uma segunda
sementeira?
JMC: Sim, já aconteceu. Nós temos aqui dois problemas que às vezes
impedem que o arroz nasça ou que a cultura tenha sucesso. Um é a falta
de temperatura mínima acima de 12°, que impede o arroz de germinar bem
e por vezes obriga a fazer reposições. O outro são os patos. Quando
pendem para um canteiro vão todos para lá, na fase de germinação
começam a remexer, e o arroz desenraíza. Quando vemos canteiros com
manchas, onde o arroz falha, normalmente foram os patos. Há muitas
outras aves aqui na várzea mas não notamos que façam estragos.
abolsamia: O que tem de fazer mais até à ceifa?
JMC: Há uma adubação de cobertura que se faz a seguir às mondas. Com
adubos azotados, essencialmente. No início ou em meados de Setembro,
se a cultura estiver normal, faz-se a colheita com a ceifeira,
equipada com rastos.
abolsamia: Uma vez feita a ceifa, os produtores têm capacidade de
acondicionamento do arroz ou têm de escoar logo a produção?
JMC: Aqui na Várzea de Melides os produtores têm armazenagem própria.
Na zona de Alcácer cerca de 60% terá armazenagem e os restantes terão
de canalizar logo para a indústria. Em Campilhas e Alto Sado nem todos
os agricultores têm capacidade de armazenamento.
abolsamia: Então a secagem é feita logo pelo produtor…
JMC: Sim, depois da colheita faz-se logo a secagem. E só depois é que
o cereal pode ser armazenado. Normalmente o arroz é colhido com cerca
de 22-23% de humidade, e tem de ser secado até ficar com 13-14%, para
se poder conservar. O arroz é colocado em tulhas, e é ventilado. Com a
ventilação, que pode ser a ar frio ou quente, vai perdendo humidade.
abolsamia: Há sempre escoamento para a produção?
JMC: Há sempre bom escoamento, já que o mercado nacional é deficitário.
abolsamia: Os custos de produção têm aumentado na agricultura. O que é
possível fazer para amenizar o impacto desses aumentos?
JMC: Nós temos poupado muito ao alterarmos as técnicas de cultura.
Quanto aos herbicidas e aos fertilizantes, pode-se retirar vantagens
do associativismo. Ao comprar maiores quantidades por vezes obtém-se
um melhor preço.
abolsamia: A palha do arroz costuma ser aproveitada?
JMC: Costuma ser aproveitada para dar aos animais. Mas há anos em que
isso não é possível. Se começar a chover cedo já não se consegue
entrar com as enfardadeiras dentro dos canteiros, e nessa situação tem
de se queimar a palha.
abolsamia: Este sector é muito mecanizado. Quais é que são os fatores
que tem mais em consideração quando compra novos equipamentos? É o
preço? A fiabilidade? Ter assistência na sua zona?
JMC: Todos os que referiu são importantes. Mas especialmente o preço.
Vejo o mercado e comparo preços.
abolsamia: O trabalho no arroz passa por várias etapas, e algumas
delas requerem máquinas de diferente tipo. Para o arroz, há alguma
característica especial que um trator deva possuir? Para fazer a monda
é conveniente um trator mais leve?
JMC: Sim, especialmente para essa tarefa porque o resto dos trabalhos
são praticamente iguais ao sequeiro. Para os trabalhos com rodas de
bicos não convém ser um trator muito grande, e deve ser leve, porque
passa mais facilmente as terras alagadas.
abolsamia: O que é que antevê para o futuro do sector?
JMC: O arroz tem sido uma cultura bem apoiada, embora ainda não se
saiba o que vem aí para 2014 com a reforma da PAC. Se deixar de haver
apoios à produção, e passar a haver um apoio concedido por hectare,
pode ser prejudicial porque o arroz é uma cultura com muitas despesas.
Estamos um bocado nas mãos do se decide em Bruxelas. A vontade para
fazer arroz existe, e temos bons terrenos para esta cultura. Noutros
cereais, e não só cereais, tem havido grandes oscilações nas áreas de
cultivo, que depois de aumentarem muito, em certos períodos também
diminuem muito. O arroz em Portugal tem sido um cereal histórico, que
ao longo dos anos se tem mantido estável. Anos de menor produção
costumam dever-se apenas a falta de água ou a alguma intempérie muito
ocasional. O agricultor tradicional de arroz tem por tradição de
família semear arroz. Já os pais e os avós semeavam, e este fator faz
com que haja uma grande estabilidade na área que é cultivada. Se não
vier alguma política impeditiva, vamos continuar a produzir e apurar
as técnicas de cultivo do arroz em Portugal.
abolsamia: Já visitou a produção de arroz noutros países? Que
comparação faz com Portugal?
JMC: Já vi produção de arroz em vários países, mas em pormenor, vi na
Tailândia e em Espanha. Na Tailândia o trabalho é manual, e com
recurso a animais, como se fazia cá há 40 anos. Embora já existam
também algumas máquinas, são completamente arcaicas e não têm nada a
ver com o nosso nível de desenvolvimento. Em Espanha conheço a
produção de arroz que se faz a zona de Doñana, na Andaluzia. Vou lá
com regularidade ver novas sementes, herbicidas, e outras técnicas de
cultivo.
Por: João Sobral
http://www.abolsamia.pt/news.php?article_id=2684
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