segunda-feira, 30 de julho de 2012

Vinho português capaz de passar além da Taprobana

por LEONÍDIO PAULO FERREIRAHoje5 comentários

Não se pense que serão os portugueses a fazer o Sri Lanka trocar o chá
pelo vinho. Mas está lá um enólogo português a ensinar como cultivar
vinhas e que espera produzir já no próximo ano 150 mil garrafas de
tinto e também de rosé. Brindemos à primeira colheita.
O desafio foi feito pelos cingaleses a uma quinta da Vidigueira com
donos holandeses, esse povo que no século XVII expulsou os portugueses
da ilha então chamada Ceilão. Aliança contranatura? Não. Depois da
guerra entre colonizadores, os portugueses que restaram e os
holandeses misturaram-se para criar a minoria cristã do Sri Lanka, os
burghers, de apelidos Fonseka, Silva, Vandort ou Bhartolomeusz.
Brindemos aos "burgueses".

Os burghers pertencem à elite cingalesa. Dão generais, juízes,
jogadores de críquete. E é essa elite (num país de maioria budista)
que anseia por vinhos de qualidade. Ainda há tempos Jancis Robinson, a
enóloga de serviço do Financial Times, elogiava o Sri Lanka como
destino, mas lamentava, como turista, que os restaurantes tivessem uma
escassa garrafeira. E a preços proibitivos por causa dos impostos.
Produzir para os visitantes é a aposta da parceria luso-holandesa-
-cingalesa. Brindemos ao seu sucesso.
Itália, França e Espanha continuam a ser os grandes exportadores de
vinho neste mundo em crise mas cada vez mais seduzido pelo glamour
associado a um cálice de tinto. É a vantagem de serem mediterrânicos,
com terrenos e clima de excelência para a vinha como já os gregos e os
romanos bem sabiam. Brindemos ao seu legado.
Mas a concorrência aos europeus é tremenda. Sobretudo dos Estados
Unidos (vinhos da Califórnia), da Argentina, da Austrália, da África
do Sul e do Chile. Até a China investe cada vez mais na produção,
mesmo que os seus milionários prefiram os Bordéus ou os vinhos da
Toscânia e comecem a descobrir os do Douro ou os alentejanos.
Brindemos a que as exportações portuguesas de vinho para a China
voltem a duplicar como em 2011.
Este projeto no Sri Lanka não é o único caso de aventura no mundo do
vinho. Há franceses a investir nos planaltos da Etiópia, depois de
alguém se ter lembrado de que os italianos, efémeros colonizadores,
chegaram a produzir vinho por lá até 1945. Mais antigo, o português
Francisco Álvares relatou no século XVI que na Terra do Preste João o
álcool era habitual nas cerimónias dos coptas. Mas foi preciso escavar
uma vala para impedir que as vinhas que darão o tinto etíope fossem
esmagadas pelos hipopótamos. Brindemos a que ninguém tenha pensado em
abater os animais.
Tão mítica como a Terra do Preste João era a Taprobana, nome que os
gregos davam à ilha que servia de limite do mundo conhecido e que não
é outra que o Sri Lanka. Camões invoca-a na estrofe de abertura de Os
Lusíadas. Brindemos a que existam hoje portugueses capaz de passar
"ainda além da Taprobana". Tchim, Tchim.

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