Com aposta no conhecimento, tecnologia e marketing
Painel de oradores
O colóquio "Vinhos de Cister - dos Coutos de Alcobaça ao século XXI",
realizado no dia 28 de julho, no Parque de Negócios, foi claro nas
conclusões: a região tem condições para produzir bons vinhos,
sobretudo, vinhos brancos, devido à proximidade do mar, mas tem de
apostar no conhecimento, na tecnologia e no marketing. Os oradores
reconheceram ser injusta a má fama criada pelos vinhos de Alcobaça nas
últimas décadas, dado que os solos e o clima são os mesmos do tempo
dos monges de Cister, quando se produzia vinho de qualidade, embora
admitam ser necessário profissionalizar todo o ciclo do vinho, da
produção à comercialização. A Quinta dos Capuchos é uma das primeiras
empresas do concelho a atingir a excelência neste setor.
O engenheiro Gomes Freire, da Quinta dos Capuchos, deu o mote no
início do colóquio, lembrando que durante seis séculos (XIII-XIX) os
monges da Ordem de Cister plantaram vinhas e produziram vinhos de
qualidade, mas que após a sua saída do Mosteiro de Alcobaça, em 1833,
os métodos de produção perderam-se e a qualidade dos vinhos diminuiu
significativamente. O empresário apelou ao regresso às origens, mas
alertou que o caminho não é fácil: produzir vinhos de qualidade é
caro, as vinhas são afetadas regularmente por pragas e a legislação do
setor é muitas vezes contraditória. Contudo, garante que a felicidade
de um vitivinicultor existe e consegue-se associando agricultura e
comércio, juntando quem produz e quem vende.
Engenheiro Luís Carvalho
Por sua vez, António Maduro traçou um perspetiva histórica da
produção de vinho nos Coutos de Alcobaça. As vinhas repartiam-se então
pela Quinta da Gafa, em Alcobaça, pelas terras ladeirosas de
Aljubarrota (o melhor vinho da região), Maiorga, Évora de Alcobaça e
ainda a planície de Valado dos Frades.
A política da autossustentabilidade dos Coutos, defendida pela
Ordem de Cister, levou a que se plantasse vinha em solos nobres e
menos nobres, estando esta muitas vezes junta com outras espécies
vegetais. Os cistercienses vedavam as vinhas, para que o gado não
entrasse nos terrenos, e não os adubavam, de forma a não perderem
grau. As castas principais eram a Castelã e a Galega, embora
pontificassem outras castas menos relevantes, como a Mourisca e a
Arinta.
Segundo António Maduro, predominavam os vinhos claros - brancos,
rosés e palhetos - pois os monges não queriam nem sujar os paramentos,
nem que a associação popular entre o vinho tinto e o sangue de Cristo
perturbasse a concentração dos fiéis nas cerimónias litúrgicas.
Contudo, na Idade Média, os vinhos eram diferentes, tinham pouco grau
e eram adocicados.
O historiador, doutorado pela Universidade de Coimbra, sublinhou
ainda a grandiosidade da adega do Mosteiro, que possuía capacidade
para 700 pipas de vinho. O Mosteiro era então o grande cobrador de
impostos em todas as atividades agrícolas, cobrando pelo arrendamento
das terras, pela utilização do moinho, do lagar, etc.. Aos camponeses
estava reservado apenas um período muito restrito, de 24 horas, para a
produção de vinho, nada mais lhes restando senão fazer vinho de "bica
aberta".
Engenheiro Rodrigo Martins
O declínio da vinha em Alcobaça começou no século XIX, com a chegada
do oídio e da filoxera. Esta foi a grande responsável pela morte da
vinha europeia, tendo a doença alastrado progressi-vamente a toda a
Península Ibérica, chegando a Alcobaça em 1857. A recuperação da vinha
chegou apenas no pós-filoxera, na década de 90 do século XIX,
alcançando também alguma pujança na década de 20, do século XX.
Coube depois ao engenheiro Luís Carvalho, consultor com larga
experiência na vitivinicultura nacional, dar uma aula sobre o cultivo
da vinha, começando por explicar que as castas são o fator
determinante no vinho, havendo mesmo autores que lhe atribuem uma
importância de 80% na qualidade do vinho. Outro fator muito importante
é a aptidão particular e única da ecologia local- o terroir.
Relativamente às alterações climáticas anuais, o enólogo garante que
para produzir um vinho excecional, as alterações importantes são as
que ocorrem entre julho e setembro. Folhas bem expostas ao sol, um
bardo estreito e paliçada alta foram alguns dos conselhos deixados aos
vitivinicultores presentes pelo proprietário da Quinta do Lagar Novo,
em Alenquer.
Já Tiago Carvalho sublinhou que o mercado atualmente prefere vinhos
mais claros, possuindo Alcobaça as condições necessárias para produzir
também vinhos claros, dada a sua proximidade ao mar e as elevadas
amplitudes térmicas a que está sujeita. Numa terra que possui um Museu
Nacional do Vinho fechado e dezenas de autocarros com turistas a
chegarem diariamente, o enólogo de Alenquer deixou também alguns
conselhos aos responsáveis pelo turismo local: "Os turistas não podem
ir de Alcobaça de mãos a abanar e de memórias vazias", devendo o bom
vinho da região ser assim prova obrigatória para os visitantes.
Por seu turno, Rodrigo Martins, que tem trabalhado nos últimos anos
as vinhas de Alcobaça, admitiu que, até há pouco tempo, as vinhas do
concelho eram de má qualidade e a produção de vinho deficiente. O
enólogo sublinhou que, sendo uma zona de minifúndio, Alcobaça não tem
capacidade para realizar grandes produções, pelo que deverá centrar-se
na diferenciação dos vinhos. O consultor da Quinta dos Capuchos e da
Adega Cooperativa de Alcobaça garante que o mercado prefere vinhos
rosé bem corados, que a região pode produzir, mas que ainda falta
imagem, marca e comunicação aos vinhos de Alcobaça.
Vasco d'Avillez
Daniel Pinto, diretor da Escola de Turismo do Oeste e professor da
Escola Superior de Turismo e Tecnologia do Mar de Peniche, explicou
aos presentes que a integração do Turismo do Oeste no Turismo de
Lisboa tem prós e contras: por um lado, pode potenciar o turismo na
região por via da maior capacidade de atração da marca Lisboa no
estrangeiro, mas também pode colocar a região na penumbra, por via da
capacidade polarizadora da Capital sobre os fluxos turísticos. O
orador considerou que o marketing deve ser trabalhado de forma
profissional, de forma a que se conheçam os mercados e os gostos dos
turistas, para que o produto turístico seja ajustado à procura.
Luís Castelhano, presidente da direção da Cooperativa Agrícola de
Alcobaça, que moderou o colóquio, aproveitou para esclarecer que, nos
últimos anos, a Adega Cooperativa de Alcobaça deu um salto muito
grande em termos da qualidade dos seus vinhos, devido à colaboração do
engenheiro Rodrigo Martins, mas admitiu que a instituição tem tido
dificuldade em escoá-los, devido à degradação da marca Alcobaça, a
partir dos anos 70, havendo, portanto, ainda um longo caminho a
percorrer para reconquistar o prestígio junto dos consumidores.
A encerrar o colóquio, o presidente da Comissão Vitivinícola da
Região de Lisboa lembrou que a região de Lisboa é a única do País a
produzir vinho leve (com grau alcoólico inferior a 9º), tendo Alcobaça
também condições para o produzir (atualmente, restringe-se à região do
Cadaval) e substituir assim a cerveja, já que o vinho é a bebida
portuguesa com forte tradição popular.
Vasco d'Avillez garantiu que os vinhos da Argentina, Chile e
Austrália são repetitivos, enquanto os vinhos portugueses são muito
diferentes entre si, nunca cansando quem os bebe. A variedade de
castas resulta da predominância do minifúndio em Portugal, não tendo a
maior parte das vinhas nacionais um tamanho superior a 5 hectares. A
Herdade do Esporão, com os seus 400 hectares, é uma exceção à regra. A
existência de mais de 360 castas e um terroir único fazem de Portugal
um dos melhores países do mundo para produzir vinho.
Público esteve presente em grande número
O presidente da Comissão Vitivinícola da Região de Lisboa, que
deliciou os presentes, com histórias do vinho e da gastronomia na
História de Portugal, lembrou que o vinho foi outrora uma das três
formas de pagamento de salário, a par do sal, para a conservação dos
alimentos, e as moedas de soldo, contribuindo mesmo para eliminar o
escorbuto, doença que dizimou muitos navegadores portugueses durante
os Descobrimentos. Vasco d'Avillez explicou ainda que a organização a
que preside atribuiu classificações aos vinhos de Denominação Regional
ou de Denominação de Origem Demarcada (DOC), podendo os agricultores
candidatar-se a receber estes selos de garantia.
Na sessão de encerramento, que contou com a presença do presidente
da Câmara Municipal de Alcobaça, o autarca recordou que o Parque de
Negócios foi construído para servir a comunidade e congratulou-se este
por estar a cumprir o seu papel. Paulo Inácio recordou também que
Alcobaça tem tradição agrícola, defendendo que o concelho reúne todas
as condições para se constituir como um cluster no setor do vinho.
Relativamente ao Museu Nacional do Vinho, que deverá transitar
brevemente da tutela do Estado para a tutela municipal, o edil
anunciou que não será o município a gerir o espaço, por falta de
vocação, devendo o mesmo ser concessionado a uma associação local ou a
uma empresa, estando esta possibilidade já assegurada pela Direção
Geral do Tesouro.
Paulo Inácio anunciou ainda que o parque de estacionamento junto ao
Mercado Municipal e aos Paços do Concelho irá ser requalificado no
âmbito do projeto de regeneração urbana da cidade, estando previsto o
funcionamento do mesmo como mercado tradicional de produtos locais, às
segundas e quintas-feiras, em estruturas amovíveis. A instalação de um
ponto de venda de Ginja de Alcobaça é uma das propostas em cima da
mesa, para que a oferta de um dos ícones da gastronomia local passe a
estar acessível a todos.
Mário Lopes
http://www.tintafresca.net/News/newsdetail.aspx?news=7b624334-554c-4b90-829c-cd2587f1996e
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