ANA GERSCHENFELD
06/12/2013 - 09:45
O nosso nível na cadeia alimentar, numa escala de 1 a 5 que vai das
plantas aos grandes predadores, é médio: 2,21. Mas está a aumentar – e
temos de travar essa subida para não esgotar os recursos do planeta.
PÚBLICO
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O que temos nós, os seres humanos, em comum com os porcos e com umas
anchovas que vivem ao largo do Peru e do Chile? O facto de ocuparmos
mais ou menos a mesma posição que eles na cadeia alimentar global.
Esta é a conclusão de uma equipa de cientistas franceses que, pela
primeira vez, avaliou o nosso "nível trófico" – ou seja, o nosso
ranking na grande teia mundial dos alimentos. Os seus resultados foram
publicados na edição desta semana da revistaProceedings of the
National Academy of Sciences.
O nível trófico de uma espécie resume, num único número, a composição
da sua dieta. E permite perceber as relações predador-presa, bem como
o impacto de cada espécie sobre os recursos alimentares do planeta.
Embora o nível trófico da maioria das espécies terrestres e marinhas
já fosse conhecido, nunca tinha sido calculado para os seres humanos.
Foi o que fizeram agora Sylvain Bonhommeau, do Instituto Francês de
Investigação para a Exploração do Mar, e colegas. Para isso,
utilizaram os dados relativos ao consumo alimentar humano, entre 1961
e 2009, recolhidos pela Organização das Nações Unidas para Alimentação
e Agricultura (FAO) em 176 países.
Antes de mais, um pouco de aritmética. O cálculo do nível trófico de
uma espécie faz-se da forma seguinte. Na base da cadeia alimentar, no
nível 1, estão as plantas. Por isso, explicam os autores do artigo, o
nível trófico de uma vaca, que é um herbívoro, é igual a 2: a vaca
situa-se, no ranking alimentar, um nível acima das plantas. Já uma
espécie cuja dieta é 50% ervas e 50% carne de vaca tem um nível
trófico de 2,5: é a média dos níveis tróficos de cada um dos
componentes da sua dieta (1,5) mais 1 (por se encontrar um degrau
acima de herbívoros como a vaca). Nesta escala global dos que comem e
dos que são comidos, os maiores predadores, tais como os ursos polares
e as orcas, podem ultrapassar os 5 de nível trófico, salientam os
cientistas.
Para a espécie humana, porém, esse cálculo rende uns modestos 2,21.
Dito por outras palavras, e ao contrário do que se poderia pensar, os
seres humanos não são predadores de topo. A nossa dieta é, de facto,
bastante variada – como a dos porcos e a das anchovas peruanas (que se
alimentam de fitoplâncton e de zooplâncton). Porém, isso não significa
que o nosso impacto no ecossistema seja modesto.
"O nível trófico permite descrever o lugar que uma espécie ocupa no
ecossistema a partir do seu regime alimentar – e, de facto, nós
posicionamo-nos a um nível bastante baixo na escala alimentar", disse
ao PÚBLICO Sylvain Bonhommeau. "Mas somos tantos que isso nos conduz a
uma apropriação importante dos recursos naturais, à qual é ainda
preciso acrescentar todos os nossos outros impactos (poluição,
alteração dos habitats, etc.)." No total, escrevem os investigadores,
os humanos apropriam-se, através da produção de alimentos e do uso dos
solos, de 25% da capacidade do planeta para produzir biomassa. É de
facto aí que reside o nosso lado predador…
Variações regionais
Contudo, nem todas as partes do mundo são iguais: os investigadores
identificaram cinco grandes regiões com evoluções diferentes dos
níveis tróficos ao longo das últimas cinco décadas, que reflectem a
evolução da situação socioeconómica dos países nelas incluídos. Assim,
por exemplo, a Europa do Sul, com níveis que nos anos 1960 rondavam os
2,3 e que têm vindo a aumentar, contrasta com a Europa do Norte, com
níveis que rondaram os 2,4 até 1990 e que a seguir começaram a
diminuir (na sequência de políticas destinadas a promover dietas mais
saudáveis, devido às consequências nefastas para a saúde do excessivo
consumo de carne e de gordura animal).
Diga-se que o nível trófico de Portugal passou de pouco mais de 2,3
nos anos 1960 para acima de 2,4 em 2009 (apesar de uma nítida quebra,
no final dos anos 1970, aquando do primeiro pedido de assistência
financeira ao FMI).
Seja como for, em termos globais, o nível trófico humano global
aumentou 3% em 50 anos, implicando, dizem os cientistas, um impacto
ambiental cada vez maior do consumo alimentar humano. Ora, isso
levanta, segundo eles, a questão de saber qual o nível trófico a não
ultrapassar para conseguirmos gerir os recursos alimentares de forma
sustentável – a etapa seguinte deste trabalho.
"A seguir, vamos tentar relacionar o nível trófico com a produção
primária necessária para alimentar a população humana", salienta
Bonhommeau. "Dessa forma, poderemos desenvolver vários cenários e
estimar quais os recursos, em cada um deles, necessários para
satisfazer as nossas necessidades."
Os cientistas ainda não têm números precisos, mas Bonhommeau arrisca
uma previsão: "Por enquanto, o nosso nível trófico global é de 2,2,
mas os estudos dos nutricionistas mostram que estamos a convergir para
uma dieta que contém cerca de 35% de nutrientes de origem animal
(carne, gordura, peixe). Isso traduzir-se-ia num nível trófico próximo
dos 2,4. Ora, o nosso estudo mostra que, precisamente acima deste
último valor, a esperança de vida diminui devido às doenças causadas
por uma alimentação demasiado rica em gorduras e proteínas animais."
Talvez seja esse, de facto, o limite a não ultrapassar em caso algum.
http://www.publico.pt/ciencia/noticia/cientistas-calcularam-ranking-dos-seres-humanos-na-cadeia-alimentar-1615179#/0
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