VISÃO 1000 - Douro
O maior produtor de vinho do Porto não esconde o desencanto pela forma
pouco planeada como tem sido gerida a região duriense. E avisa que
ganhar prémios não garante a sustentabilidade do Douro, nem a das
empresas. Uma entrevista para ler aqui
Cesaltina Pinto
20:37 Sábado, 5 de Mai de 2012
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Lucília Monteiro
É o "Homem do ano 2012" para uma das mais credenciadas revistas de
vinhos do mundo: a Decanter. Paul Symington assegura - ao lado dos
seus primos Johny, Rupert, Dominic e Charles - a continuidade da
quinta geração à frente da Symington Family Estates, a mais antiga das
famílias inglesas presentes no Douro. Nasceu em Massarelos, mas diz-se
"uma mistura de escocês, português e inglês". Estudou economia na
universidade londrina de Westminster e acabou produtor de vinho do
Porto. É no Douro que gosta de estar, na Quinta das Netas, em
Provesende, onde tem o seu barco e a sua mota. A Malvedos ou ao
Vesúvio, costuma levar chefes de Estado. O da Polónia, esteve lá na
semana passada, depois da visita oficial a Portugal.
Paul receia pelo Douro. Encontrámos um homem preocupado, agarrado ao
telefone, em desabafos com o presidente do Instituto de Vinho do Douro
e Porto (IVDP). Desliga e atira: "Problemas, só problemas."
Quais os problemas de um produtor de vinho do Porto?
O caso que tratava é o das grandes cadeias europeias a vender vinho do
Porto abaixo do custo. É muito grave. Estão a utilizar Porto da região
demarcada e com selo de garantia para atrair clientes e conquistar
quota de mercado. É dramático e tem uma influência muitíssimo negativa
na imagem do produto. Um Porto a 3,24 euros, como é o caso, é um
desastre.
Devia custar pelo menos quanto?
Cinco euros! Para ficar uma margem mínima para o produtor. É
dramático. O consumidor pensará que 3,24 euros, com IVA a 21% e
imposto de álcool a 77 cêntimos, o produto não valerá muito. Marcas a
preços superiores ficam sem comprador e reduzem as vendas.
Também se queixa das cadeias de distribuição portuguesas?
Não. Só chamo a atenção para o facto de o grande poder negocial estar
nas mãos das grandes cadeias. Sei que estão a fazer o seu trabalho,
têm acionistas, seguem a sua estratégia. Somos nós todos que, fazendo
compras nessas cadeias, lhes damos o poder negocial. Todo o setor
agrícola sofre muito com isso. É a realidade em toda a Europa.
Desse poder decorre um esmagamento do preço no produtor?
Sobretudo se há excesso de produção, como é o caso. Temos lutado,
sistematicamente, perante as autoridades, para que não se produza
mais. Se a produção continuar a aumentar, não há volta a dar. Se há
vinho do Porto a mais, o preço baixa, desvalorizamos o vinho e sofre
toda a gente. Mas ninguém quer saber disso.
O motivo está no excesso de produção?
Se há stock a mais, as cadeias aproveitam. Há sempre empresas com
stoks a mais e com a banca a dizer para pagarem os empréstimos. Qual é
a solução? Vender mais vinho. Mas o mercado não está em crescimento e
com esta crise... Vamos lá ver, estou farto de ouvir que tem de haver
mais promoção. O meu irmão está no Brasil, um primo meu está em
Inglaterra, o nosso diretor de vendas está na Holanda. Estamos
constantemente nos mercados. A Symington abre um escritório em Hong
Kong, em junho. Um dos nossos vendedores está quatro meses por ano na
Ásia e passará a viver lá a partir de junho. Em São Paulo, Moscovo,
Vancouver, Nova Iorque, Tóquio estamos a fazer provas. E vêm supostos
peritos dizer que tem de haver mais promoção! Então, venham fazê-la.
Venham. Se têm ideias melhores do que as nossas...
Não há falta de promoção?
Não. Há é novos desafios, no mercado mundial. A maneira de viver
alterou-se. O vinho do Porto está muito associado à formalidade. Quem
é que hoje come numa sala de jantar formal? Não é um vinho que seja
bebido pelos jovens. Alterar estes hábitos implica enormes
investimentos, de muitos milhões de euros. Os mais jovens querem
aperitivos com gelo, Coca-Cola, água tónica ou vodka. Temos de tornar
os nossos vinhos relevantes no dia a dia. O formalismo de decantar um
vintage é lindo. Mas um casal jovem que vive num apartamento sem cave,
onde vai guardar um vintage?
Esses milhões de investimento seriam aplicados em quê?
Publicidade. A experiência diz-me que alterar hábitos de consumo
precisa de milhões e milhões investidos sustentadamente entre três e
quatro anos. Mas não temos margens para campanhas de publicidade.
Resta-nos trabalhar o mercado de nicho, de qualidade.
O esmagamento das margens também motivou, no ano passado, revoltas dos
pequenos viticultores, por causa do baixo preço a que os grandes
produtores lhes compravam as uvas. Os grandes produtores concentram,
também, cada vez mais quintas e terras e compram cada vez mais barato.
Como recebeu esses protestos?
Entendo-os perfeitamente. Sou lavrador, também tenho uma pequena
quinta, vendo as uvas à empresa e esta ainda compra a terceiros. Sei o
preço a que compramos. Mas é preciso ver o assunto na globalidade. A
sobrevivência das empresas passa por terem uma dimensão
suficientemente grande para aguentar as pressões do mercado.
O pequeno viticultor está na base dessa cadeia de pressão?
Claramente. Não podia ser de outra maneira. Uma negociação muito
difícil com uma cadeia tem um impacto muito grande e imediato sobre o
lavrador. Se sou pressionado aí, como é que posso pagar mais ao
lavrador? Ou a empresa desaparece. Isto não são palavras vãs. Quem
estava neste setor há 30 anos? Quantas famílias? Mais de metade das
empresas de vinho do Porto mudou de mãos, nos últimos 25 anos. Mais de
metade! Havia muitas empresas familiares que desapareceram
completamente!
Foram compradas por empresas como a vossa.
E porque é que venderam? Se isto fosse fácil e desse ótimas margens,
os donos ainda estavam aqui.
E porque é que vocês compraram? Porque é que uns aguentam e outros não?
Porque há uma mão familiar. Nesta família, nunca calculamos o valor
das vinhas, dos armazéns, dos stocks para saber qual o retorno do
capital investido. Se fosse o caso, também abandonávamos isto.
Mas empresas que venderam também eram familiares.
Tivemos mais coragem. Quando comprámos a Cockburn's fomos à banca
pedir empréstimos enormes. Fizemos isto porque a sobrevivência e a
sustentabilidade passa por termos dimensão suficiente.
Caso contrário, seriam "espremidos pelo mercado", como justificou?
Sem tirar nem pôr. Foi um trabalhão medonho absorver a Cokburn's.
Despedimos na nossa empresa e na deles, para integrar. No futuro, o
vinho do Porto vai passar por três, quatro, cinco grandes empresas e
muitos pequenos produtores de nicho de grande qualidade. As médias têm
um problema grande.
E os pequenos viticultores?
Têm mais possibilidades de sobreviver do que o médio. A grande
maioria, tem uma tasca, restaurante, oficina... tem outro emprego.
Quem está realmente com grandes dificuldades é o que tem de contratar
pessoal, ter tratores e equipamento para gerir uma quinta de 10 a 20
hectares. Dependemos desses e queremos que tenham viabilidade. A
Symington é a que tem mais vinha no Douro e, no entanto, isso
corresponde apenas a 20% das nossas necessidades.
Tenho um enorme problema com a falta de planeamento por parte das
autoridades. Ninguém planeou nada, foram emitidas demasiadas licenças
de plantação...
A Casa do Douro e os benefícios atribuídos já não fazem sentido?
Não. As vendas de vinho do Porto cresceram nas décadas de 70, 80 e 90
de uma maneira sustentada. O crescimento parou em 2000. Daí para cá,
estabilizou ou diminuiu ligeiramente. Mas nunca nenhuma autoridade
veio às empresas pedir estatísticas. O IVV, o IVDP, o Ministério da
Agricultura deviam ter o bom senso de pedir uma previsão das vendas
nos próximos anos. Era o mínimo.
Isso nunca foi feito?
Nunca. Tem sido feito um trabalho fantástico nos vinhos doc, nos
últimos dez anos. Mas, em Lisboa, parece que se limitam a ler no
jornal que marcas como Vale Meão, Quinta de Vesúvio ou Quinta do
Crasto têm boas notas na Wine Spectator! Porque não perguntar quanto
vinho será necessário, nos próximos cinco anos? Nunca se fez isso.
Portanto, passamos de 40 para 45 mil hectares. Porque é que nunca
houve um planeamento? É um escândalo.
Isso não aconteceu porquê?
O controlo da região passa por várias entidades: IVV, IVDP, Casa do
Douro. É demasiado. Mesmo entre elas observa-se uma confusão de
responsabilidades. Ninguém sabe quem é o dono do cadastro, se a Casa
do Douro, se o IVDP, se o Estado. Isto não ajuda nada.
O turismo é uma alternativa para o Douro?
O Douro estava no limiar de uma grande mudança para o turismo. Mas
esta recessão parou muita coisa. Há um boom de turismo no Porto e,
quando a A4 estiver pronta, o turismo terá sucesso. Neste momento, não
tem grande peso na economia da região. Há vários hotéis, mas com
enormes dificuldades no inverno. O Aquapura fecha no inverno, o Solar
da Rede fechou completamente. O Vintage House Hotel, que a Taylor's
construiu e abriu em 2000, está agora nas mãos da banca - o quarto
dono, em dez anos!
Mas depois temos a Quinta Nova ou a Quinta do Valado, que têm apostado
no turismo.
Esse modelo é o adequado para a região. Não os hotéis com golfe, isso
é uma asneira grande. Ninguém vai para o Douro duas semanas. O turista
vai lá passar três a quatro dias. Os grandes hotéis não terão
sustentabilidade. Só hotéis de charme ou palacetes que fazem parte da
história da região.
No turismo, também é preciso planeamento?
É. Está a fazer-se cada asneira no Douro! Toda a câmara ou junta de
freguesia, para ser eleita, avisa que vai pôr postos de iluminação nas
ruas. E cada ano há mais luz no Douro, à noite. Os senhores do turismo
deviam avisar que não é aconselhável pôr luz em caminhos onde não
passa nenhum carro. Mas o povo elege o presidente da junta que põe
luz. É um custo enorme, sem benefícios para as pessoas.
Se for num povoamento...
Não é o caso. Em frente dos Malvedos, onde o primeiro-ministro
britânico passa as suas férias, há um sítio lindíssimo. E apareceram
lá, num caminho de terra batida, postos de iluminação! Ligámos para a
Câmara e disseram: "aaah, havia fundos". "Ninguém vai lá!",
respondemos. E eles: "Depois da inspeção dos fundos, vamos desligar."
Assim foi. Portanto, temos à nossa frente postos de iluminação porque
havia fundos e estão desligados! Bem... é melhor não continuar.
O prémio Decanter era o que esperava há muito tempo?
É um prémio de toda a equipa. Não só meu. No dia 17, tenho o jantar em
Londres para receber o prémio. Vão o embaixador de Portugal, muitos
dos meus amigos, os meus filhos... até o meu pai que não vai a
Inglaterra há cinco anos e disse que não voltava. Vou servir um vinho
do Porto Graham's de 1945, um dos melhores da história do vinho do
Porto. Dá notoriedade ao Douro, fiz questão que as fotos fossem
tiradas lá. Se isso ajudar o Douro e o vinho do Porto, fico contente.
http://visao.sapo.pt/paul-symington-esta-a-fazer-se-cada-asneira-no-douro=f662704#ixzz1u4nOng57
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