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Mundo
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"Mesmo que as emissões de dióxido de carbono parassem hoje, as
alterações climáticas continuariam nas próximas décadas devido às
nossas emissões passadas." A frase surge no meio das 136 páginas do
relatório ontem apresentado pela Agência Europeia do Ambiente (AEA) em
Bruxelas, e ajuda a justificar o alerta dirigido aos países europeus -
é urgente que a Europa se adapte aos efeitos e às consequências das
alterações climáticas.
Portugal é um de 16 países europeus que já abraçou a teoria - criou em
2010 a sua Estratégia Nacional de Adaptação às Alterações Climáticas
(ENAAC) -, mas está ainda de costas voltadas para a prática. Em 2020,
o risco de nada fazer pode resultar em custos a rondar os 100 mil
milhões de euros anuais. Para 2050, a estimativa da UE sobe para os
250 mil milhões. "A sociedade tem de se adaptar, senão os custos vão
continuar a aumentar", lê-se no relatório.
O alerta não é novo. Nem recente. "Na década de 90 até se achava que
não era necessário fazer nada", lembrou Filipe Duarte Santos,
investigador da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa. O
despertador não tocou na palavra "evitar", e daí se passou ao
objectivo de reduzir as emissões de dióxido de carbono, de metano e de
outros gases nocivos para a atmosfera. "Mas reduzir já não evita que
haja alterações climáticas", reforçou ao i o investigador e um dos
responsáveis pela conferência que ontem debateu o relatório e a
subsequente Estratégia Europeia de Adaptação, no Instituto de Ciências
Sociais, em Lisboa.
A estratégia que nela se define assenta em três objectivos:
disponibilizar fundos e encorajar os estados-membros para que adoptem
medidas concretas; tornar sectores-chave (como a agricultura e as
pescas) mais resistentes às alterações climáticas; e reforçar a
transmissão de informações para melhorar a tomada de decisão. Tudo
isto concentrado no desafio de criar abordagens "coerentes, flexíveis
e participativas".
Evitar, reduzir e agora adaptar. "Consiste em acções que respondam ao
actual e futuro impacto das alterações climáticas, [...] que além de
uma protecção contra impactos negativos significa construir
resiliência e retirar quaisquer benefícios possíveis destas mudanças",
resumiu o relatório. Benefícios? "Em países do Norte da Europa, por
exemplo, um clima mais quente desloca ecossistemas e pode alargar a
área disponível para a agricultura", explicou Filipe Duarte Santos,
antes de reconhecer que em Portugal "os efeitos serão negativos".
A prioridade, contudo, lendo as palavras da comissária europeia para a
Acção Climática, ainda está na redução das emissões. "Cortar nos gases
com efeito de estufa deve continuar a ser a nossa prioridade para
manter o aquecimento global abaixo dos 2oC", sublinhou Connie
Hedegaard a 16 de Abril, quando a iniciativa foi oficialmente adoptada
pela UE. "A Europa está a aquecer mais depressa do que muitas outras
partes do mundo", alertava o organismo no mesmo comunicado. Os números
provam-no: na última década a temperatura no continente aumentou em
média 1,3oC face ao período pré- -industrial (1750-1850). A nível
global o aumento foi de 0,8oC. Mas nada disto impede que agora se
queira carregar na tecla da adaptação.
"Temos de minimizar os efeitos adversos das alterações climáticas e
aproveitar as oportunidades que elas nos trazem", apontou Filipe
Duarte Santos. Ontem um especialista da AEA deu-lhe razão, ao defender
que Portugal pode conseguir receitas a rondar os 3 mil milhões de
euros com a aplicação de taxas na área do ambiente. Mikael Skou
Andersen frisou à Lusa que o país tem "oportunidade de ir mais longe e
isso pode ser uma forma de aliviar os impostos sobre o trabalho".
ZERO NA PRÁTICA? Em 2010, o governo definiu um plano de adaptação às
mudanças climáticas. Em Abril desse ano, uma resolução do Conselho de
Ministros aprovou a criação da ENAAC e colocou-a sob a coordenação do
Comité Executivo da Comissão para as Alterações Climáticas, este
erigido em 2006 e, por sua vez, tutelado pelo Ministério da
Agricultura, do Mar e do Ordenamento do Território. A medida foi "a
resposta do governo aos desafios da adaptação", mas até hoje
traduziu--se no "muito pouco que tem sido feito", principalmente nas
áreas dos "recursos hídricos e florestas", lamentou Filipe Duarte
Santos. O investigador queixou-se da Agência Portuguesa do Ambiente,
"entidade responsável por pôr em prática medidas de adaptação", pois
"ainda não disponibilizou ao público" os dados relativos às
estratégias sectoriais - cuja elaboração terá sido requerida pela
entidade a vários organismos distintos. "Coisa importante", diz o
investigador, antes de incumbir o tempo de prestar prova disso mesmo:
"Quando já não tivermos crise económica ainda teremos durante décadas
os efeitos das alterações climáticas."
http://www.ionline.pt/artigos/mundo/alteracoes-climaticas-evitar-ja-nao-dae-preciso-adaptar
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