Opinião | 01-05-2013
Por Jorge Almeida
Nos últimos tempos têm-se ouvido repetidas vezes por parte de
políticos no poder, apelos ao regresso à agricultura, apelos para que
esta atividade seja redinamizada, rejuvenescida, e que constitua uma
solução alternativa para muitos jovens, e não só.
A começar pelo sr. Presidente da República, provavelmente sentindo a
consciência pesada pela sua política anti-agrícola durante a década em
que governou o país, e terminando na atual responsável pela pasta da
agricultura, o discurso tem sido o mesmo. A valorização desta
atividade, como fundamental para o país evoluir para o equilíbrio da
balança de pagamentos, e para a produção de bens alimentares de que o
país tem deficit.
Ainda bem que alguma luz começa a orientar, pelo menos no discurso, a
cabeça dos atuais responsáveis.
Mas será que a realidade das políticas está sintonizada com o conteúdo
desses mesmos discursos ? Será que o setor tem sentido positivamente o
efeito de novas políticas ? E será que os agricultores se governam
apenas com mediatização ?
Uma política orientada para a modernização da agricultura, para a
instalação de novos agricultores, para o aumento do produto, para a
melhoria do rendimento de quem trabalha a terra, pressupõe o
conhecimento profundo do nosso tecido social agrícola, da cultura que
lhe está subjacente, da sua história, do potencial endógeno dos nossos
territórios, do nosso saber fazer, das fileiras estratégicas em que
podemos ser competitivos em qualquer parte do mundo, mas também um
conhecimento da malha fina do sistema, do microprodutor, do agricultor
de subsistência.
Há dois mundos na agricultura, que se complementam, mas que têm um
registo social e económico completamente distintos.
Um, tem a ver com uma agricultura empresarial, virada para os mercados
internos e externos, que assenta numa competitividade interna e
externa, e que tenta produzir bens alimentares de forma competitiva,
tanto no preço, como na qualidade, sobretudo de apresentação, e que
tem no seu horizonte, o crescimento da organização, o atingimento duma
boa escala de produção, o que lhe pode trazer cada vez mais
competitividade e internacionalização.
Outro, tem a ver com a microprodução, com a agricultura de
subsistência, com a agricultura familiar, para a produção de bens
consumidos na família, vendidos a vizinhos, a cooperativas, e ainda
nos pequenos mercados locais. Esta agricultura, ocupa, nas regiões do
interior como a nossa, muitos milhares de pessoas e famílias.
Contribui para a ocupação do território, a manutenção de áreas
agricultadas, obstáculos decisivos à propagação de incêndios, e
constitui ainda um fator importantíssimo na economia local.
Não entender esta agricultura, e sobretudo, não a proteger, constitui
quanto a mim, um atentado ao mundo rural, às economias locais, e um
fator conducente ao abandono das terras, e a todas as consequências
daí decorrentes.
A recente publicação de legislação que obriga todos estes
microprodutores a coletarem-se, a terem registos contabilísticos, e a
terem que passar faturas, é um atentado contra esta agricultura de
subsistência. Obrigar a estar inscrito nas finanças, e ter o fisco à
perna, um produtor que vende umas centenas de quilos de batata, umas
tronchas, umas ervilhas e outros renovos, assim como aquele que
entrega na cooperativa meia dúzia de pipas de vinho, é não perceber
nada do que se passa nos territórios, é não entender nada do nosso
mundo rural.
A coleta para o dr. Gaspar, será ridícula. Mas o abandono da atividade
por parte de muitos agricultores, será uma coisa muito séria e de
consequências bem nefastas. Sr. Presidente da República, depois de
tanto discurso, o que pode fazer por esta gente?
http://www.noticiasdevilareal.com/noticias/index.php?action=getDetalhe&id=15783
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