ANA RUTE SILVA 17/01/2014 - 17:07 (actualizado às 17:45)
Inspector-geral da Autoridade de Segurança Alimentar e Económica admite que o aumento das multas por vendas com prejuízo vai ter como consequência processos de impugnação nos tribunais.
Lei proibe imposição de promoções a um determinado produto NUNO FERREIRA SANTOS
A Autoridade de Segurança Alimentar e Económica (ASAE) criou brigadas especializadas em cada unidade regional para avançar com a instrução de processos relacionados com más práticas no comércio – como as vendas abaixo do preço de custo -, até agora nas mãos da Autoridade da Concorrência (AdC). A nova lei que regula os abusos no sector entra em vigor dia 25 de Fevereiro e, entre várias alterações, aumenta em 83 vezes o valor das multas máximas a aplicar às grandes empresas que vendam produtos com um preço inferior ao seu custo (chegam aos 2,5 milhões de euros).
Pedro Portugal Gaspar, Inspector-geral da ASAE, avançou nesta sexta-feira que os inspectores desta autoridade estão a receber formação da própria AdC. Além disso, os processos pendentes na concorrência vão passar a ser analisados pela ASAE. A partir do final deste mês, todos os casos ainda em curso passam a ser instruídos por esta autoridade, a quem cabia até agora apenas a fiscalização e recolha de provas no terreno.
Antecipando uma reacção à aplicação do novo regime, Pedro Gaspar admite que os montantes das coimas são um "convite" e terão como "sequência impugnações judiciais". O responsável máximo da ASAE falava durante uma conferência organizada pela Centromarca sobre a nova lei, que nasceu no seio da PARCA, a Plataforma de Acompanhamento das Relações na Cadeia Agroalimentar, criada pelo Governo para juntar na mesma mesa a grande distribuição e os seus fornecedores. Os recursos humanos disponível na ASAE são "parcos" e um dos primeiros desafios é "tentar afectar em exclusividade" estes recursos e com "formação adequada".
Diploma controverso
Para Eduardo Diniz, director do Gabinete de Planeamento e Políticas do Ministério da Agricultura, a nova lei vem actualizar um regime desactualizado (de 1993) e torna as relações entre a produção e a distribuição "mais transparentes". Citando os relatório elaborados no âmbito da PARCA sobre o índice de preços na cadeia de abastecimento alimentar – o último data de Maio de 2013 -, Eduardo Diniz adiantou que "desde 2007 os preços dos produtos agro-alimentares cresceram abaixo da inflação", uma particularidade portuguesa. Isso "levou a uma redução dos preços implícitos no sector agrícola e a uma descida do poder de compra" dos produtores, continuou, defendendo as vantagens das novas regras.
Contudo, o diploma está longe de reunir consenso, desde logo entre os advogados. Miguel Sousa Ferro, especialista em direito da concorrência, lembrou que o regime vai regular todas as relações comerciais em Portugal (não apenas no agro-alimentar), mas é de difícil compreensão até para aquém domina a linguagem jurídica. "Passei os últimos quatro dias a analisar o diploma e ainda não o compreendo", desabafou. E defendeu que muitas das proibições impostas "não perseguem o objectivo de proteger os produtores". "O regime só terá dois vencedores: as empresas estrangeiras que concorrem em Portugal e os advogados que serão claramente os vencedores da legislação", disse, referindo-se à necessidade de pedir pareceres sobre a nova lei, tendo em conta a sua complexidade.
O advogado critica o âmbito de aplicação da lei: as empresas estrangeiras não estão obrigadas a cumprir as regras, ao contrário das organizações "estabelecidas em território nacional" ou com operações no exterior. Há dúvidas de constitucionalidade tendo em conta o intervalo da coima máxima prevista (de cinco mil euros a 2,5 milhões de euros para as grandes empresas que vendam abaixo do preço de custo). E também quanto às áreas que serão avaliadas pela ASAE, porque algumas dizem respeito ao direito de concorrência.
O tema das vendas com prejuízo – que saltou para a actualidade com a promoção inesperada do Pingo Doce no dia 1 de Maio de 2012 – "vai dar muitas teses de mestrado e doutoramento", disse, em jeito de provocação. "Como se calcula o preço de venda?", questionou.
Por seu lado, o advogado Gonçalo Anastácio defendeu que a auto-regulação entre distribuição e fornecedores, defendida pelo Governo, deve avançar. "É a chave para uma boa aplicação do diploma", disse.
Código de boas práticas em discussão
Diogo Albuquerque, secretário de Estado da Agricultura, revelou que nas próximas reuniões da PARCA - ainda não agendadas – vai estar em cima da mesa a discussão sobre o Código de Boas Práticas, um documento que deverá ser subscrito por todos os intervenientes nesta cadeia de abastecimento (agricultor, indústria e comércio). A nível Europeu, o tema já avançou com a entrada em vigor, em Setembro do ano passado, da "Supply Chain Iniciative", subscrita por 457 empresas, cinco das quais portuguesas (Sonae, Jerónimo Martins, Auchan Portugal Hipermercados, Aldi Portugal e Lidl Portugal).
No encerramento da conferência, Leonardo Mathias, secretário de Estado da Economia, sublinhou que o "esforço para alcançar equilíbrio não depende apenas da regulação". "Devem ser privilegiadas as relações consensuais", disse, acrescentando que a "auto-regulação é voluntária e tem um conjunto de vantagens".
Questionado pelos jornalistas, Leonardo Mathias disse que até ao momento não chegaram ao seu gabinete, críticas ou dúvidas quanto ao diploma. Sobre possível ajustamentos no diploma, mostrou-se disponível "se se chegar à conclusão que há algum erro". "O que não nos parece e ninguém nos chamou a atenção", sublinhou.
Ao PÚBLICO, Pedro Queirós, director-geral da FIPA (Federação das Indústrias Portuguesas Agro-Alimentares), defendeu que o código de boas práticas "não pode existir sem um mecanismo de monitorização", seja na forma de um provedor ou um tribunal arbitral. "A nossa preocupação é que seja eficaz, que não seja uma figura de fachada", disse.
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