Na ponta da língua
Por Miguel Esteves Cardoso
10.01.2014 Miguel Esteves Cardoso
O mundo dos picantes é imenso e interessantíssimo: não deve haver um único indivíduo que conheça todas as variedades de malagueta nem tão-pouco provado mais do que um décimo dos molhos picantes comercializados por este mundo fora, para não falar nos caseiros.
Seja como for, presta-se pouca atenção aos piri-piris portugueses. Não sou fã das versões de restaurante, feitas um pouco ao acaso e geralmente picantes de mais, sem grande contrapartida gustativa.
As malaguetas são veículos de sabores diferentes mais do que de poder Scoville. No último livro de recordes da Guinness, saído antes do Natal de 2013, a malagueta mais picante era a Carolina Reaper, com uma média de 1.569.300 unidades Scoville e uma malagueta individual que passou os 2 milhões.
Um site preocupado mais com a potência do que com o sabor é o de Scott Roberts. Embora seja quase exclusivamente americano, dá uma boa ideia da variedade estonteante de picantes.
A Fábrica Mendes Gonçalves, da Golegã, produtora das excelentes mostardas Paladim, lançou há pouco tempo um piri-piri extra picante chamado Sacana. Experimentei-a em vários pratos com um amigo conhecedor, o Manuel Serrão. É picante mas tem imenso sabor. Tem um sabor fresco e limpo, como é característico dos produtos da Mendes Gonçalves. Uma bisnaga bem concebida e prática com 75 centilitros custa à volta de um euro e meio e, como o piri-piri é concentrado, dura muito tempo.
O meu picante favorito — a massa fresca de piri-piri da Margão, em frasco — parece ter desaparecido da face da Terra. Era delicioso só por si e acompanhava bem os queijinhos frescos, à maneira açoriana, com a maravilhosa pimenta da terra que por lá fazem. Aquela que chega ao continente, por força das necessidades de conservação, é muito boa mas é salgada de mais.
A Quinta d'Avó é outra empresa louvável. Serão apenas quinze trabalhadores a tempo inteiro mas produzem uma grande variedade de piri-piris apetitosos. São muito inovadores e têm-se dedicado a produzir versões actuais e absolutamente higiénicas e não-tóxicas dos grandes molhos picantes do mundo. O molho piri-piri normal é sublime. É através dele que se conhece a qualidade dos ingredientes e o bom gosto da receita. A versão extra-picante consegue ser mais picante sem perder sabor nem textura.
Há também uma versão orgânica, que ainda não provei, e uma lista cada vez mais longa de especialidades: o preparado Criolo (timorense, com alho; uma versão do famoso sambal da
Indonésia); o Habanero (feito com malaguetas habanero plantadas por eles, ao estilo mexicano); o Quitango (alimonado e pouco picante); o BBQ (doce, sem piripiri); um piri-piri com muito alho; um Jindungo em azeite e outro em aguardente; um Jindungo em gin e outro em whisky. Há também piri-piris para frango assado, África Pura, o Preparado Timorense , o Preparado Angolano e, finalmente, o piri-piri com Chutney.
Dá gosto ir aos sites da Mendes Gonçalves/Paladim e da Quinta d'Avó e ver a luta que estão a dar à concorrência estrangeira. Se tivesse de escolher só três piripiris seriam o Sacana e o piri-piri normal e extra-picante da Quinta d'Avó.
Qualquer pessoa pode fazer piri-piri (ou mostardas) em casa mas isso é coisa para cada um. Não há nada como os piri-piris profissionais, dos quais estes dois são os melhores portugueses que conheço.
Experimente sempre o piri-piri a frio, num pires, com o dedo. Tem a obrigação de ser delicioso antes (ou em vez) de picar muito. A textura é importante: o da Quinta d'Avó é agradavelmente pastoso, enquanto o Sacana é mais fluido.
Há dezenas de piri-piris portugueses — alguns bastante antigos — e todos eles custam pouco mais de um euro. Vou começar a estudá-los — é um passatempo pouco custoso e divertido — e aqui revelarei os meus achados.
Cheira-me que é uma área em que somos bons e pouco cantados, como é costume.
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