22.06.2012
Ricardo Garcia, no Rio de Janeiro
Um roteiro sem metas para um crescimento limpo, um programa-quadro
contra o consumo insustentável e um misto antagónico de desalento e de
missão cumprida marcaram esta sexta-feira o fim da conferência Rio+20
sobre desenvolvimento sustentável.
Depois de três dias reunidos no Rio de Janeiro, chefes de Estado e
ministros adoptaram, às 19h15 no Rio de Janeiro (23h15 em Lisboa), um
vasto documento para dar impulso a um mundo que cresça sem destruir o
planeta. Intitulado "O futuro que queremos" e acordado já desde
terça-feira, o texto é criticado por uns por falta ambição e saudado
por outros como um passo em frente.
Também foi aprovado um programa-quadro, para os próximos dez anos,
para estimular padrões de produção e de consumo sustentáveis.
"O futuro que queremos" reafirma compromissos anteriores, mas traz
algumas novidades, lançando, a partir de agora, novos processos
negociais em temas como a protecção dos oceanos, a criação de
objectivos globais para a sustentabilidade ou o reforço do
financiamento aos países em desenvolvimento. Não há novas metas
internacionais vinculativas.
A Presidente brasileira, Dilma Rousseff, considerou que na Rio+20 "foi
dado um passo histórico rumo a um mundo mais justo, para que a pobreza
seja erradicada e o ambiente seja protegido".
"A Rio+20 traz avanços na agenda do desenvolvimento sustentável",
disse também a ministra brasileira do Meio Ambiente, Izabella
Teixeira, salientando que o multilateralismo saiu a ganhar. "O
consenso é global, mas isto não significa que cada país não possa
fazer mais do que ficou aqui decidido", acrescentou.
"Para isto não era preciso esta conferência", reage Francisco
Ferreira, um dos representantes da associação ambientalista Quercus à
Rio+20, dizendo que o evento "ficou aquém das expectativas, por falta
de compromissos".
O secretário-geral da ONU, Ban Ki-moon, também disse, numa reunião com
representantes da Cúpula dos Povos – um evento paralelo da sociedade
civil – que, agora, os governos deverão construir novos passos a
partir do documento acordado na Rio+20.
Mas foi com grande desalento que os representantes da Cúpula saíram da
reunião com Ban Ki-moon. "Dissemos-lhe que a Rio+20 foi amargamente
decepcionante. Sentimos uma profunda raiva e frustração", afirmou
Sharon Burrow, da Confederação Internacional de Sindicatos. "Não há
empregos verdes num planeta morto".
O Brasil, anfitrião da conferência, sempre disse que a Rio+20 deveria
lançar processos, ao invés de concluí-los. E os negociadores
brasileiros fizeram tudo – "jogando duro", como disse ao PÚBLICO um
delegado nas negociações – para que houvesse um documento acordado
antes da chegada dos chefes de Estado e ministros, a quem coube, desde
quarta-feira, apenas fazer discursos no plenário e participar de mesas
redondas.
"Não gastaram uma hora a negociar. Usaram a oportunidade para anunciar
projectos e iniciativas. Não era preciso vir a uma cimeira da ONU para
isso", disse Kumi Naidoo, director-geral da Greenpeace. "Vieram só
para a foto de família", completou Sharon Burrow.
Os próprios governantes sentiram que não tinham muito o que fazer.
"Sabemos de outras conferências em que até à última hora se está a
procurar fechar um texto. Isto não aconteceu", disse ao PÚBLICO
Assunção Cristas, ministra da Agricultura, Mar, Ambiente e Ordenamento
do Território. "Houve um bocadinho a sensação de que viemos para a
parte mais da festa, mais do 'a seguir', e não para pôr a mão na
massa".
Para Assunção Cristas, houve resultados positivos na Rio+20. "Não foi
um passo de gigante, mas também é verdade que ninguém achava que se
conseguisse fazer este passo de gigante nessa altura", afirmou.
A União Europeia sai da Rio+20 sem ter conseguido o nível de ambição
que desejava, tendo cedido nalguns pontos do documento, de modo a não
inviabilizar um acordo. "Costuma-se dizer que para o tango é preciso
dois. Aqui precisamos de todos, para dançar ao mesmo compasso", disse
Cristas.
A Rio+20 encerra com a sensação de que os vários eventos paralelos da
sociedade civil – como a Cúpula dos Povos ou os Diálogos para o
Desenvolvimento Sustentável – tiveram pouca influência nas decisões
oficiais. "Há demasiado divórcio. Devia haver muito mais ligação entre
uma cimeira e os outros eventos", opina a socióloga Luísa Schmidt, que
representou no Rio de Janeiro o Conselho Nacional para o Ambiente e
Desenvolvimento Sustentável. "É mais importante a vivacidade e a
criatividade que a sociedade civil está a manifestar, do que um
documento".
Para Graciela Rodrigues, da organização feminista Articulação das
Mulheres Brasileiras, não foi em vão a participação da sociedade
civil. "Os governos sabem que cada vez mais as inquietações e a
revolta estão a acontecer", afirma.
À entrada do Riocentro – a sede da parte oficial da Rio+20 –, as
crianças do Coro Infantil de Santo Amaro de Oeiras cantavam
sexta-feira, mais uma vez, a música com que venceram um concurso
lançado pela ONU e que as levou ao Rio de Janeiro. Madalena, 13 anos,
resume o seu entendimento do que é a Rio+20: "Junta toda a agente que
quer ajudar a Terra".
Noutro ponto da cidade, a Rio+20 acaba de forma prematura e triste na
Kari-oca, uma concentração de povos indígenas à margem da conferência
da ONU. Um índio de 48 anos morreu durante a madrugada de sexta-feira
e todos resolveram voltar mais cedo para casa.
http://ecosfera.publico.pt/noticia.aspx?id=1551628
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