05 Junho 2012 | 09:00
José Miguel Dentinho
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Para a professora Maria Helena Almeida, as nossas matas seriam muito
mais produtivas se fossem bem geridas
Maria Helena Almeida, Professora Associada do Instituto Superior de Agronomia
É preciso que os produtos e serviços das florestas sejam valorizados,
até porque, em Portugal, a floresta é essencialmente privada. E os
seus proprietários necessitam de tirar rendimento a partir dela.
Segundo Maria Helena Almeida, professora Associada do Instituto
Superior de Agronomia, uma boa gestão da floresta é essencial e começa
na escolha das melhores origens genéticas das espécies. Só assim serão
seleccionadas as plantas que melhor se adaptam às condições locais.
Depois, é preciso desmatar, desbastar, de acordo com os objectivos,
observando sempre. E como a maior parte da nossa floresta é privada e
cada proprietário tem pequena dimensão, aponta pelo menos um caso de
sucesso de associativismo nesta área.
Quais têm sido as soluções encontradas para limitar a desflorestação?
A nível internacional têm sido estabelecidas regras de utilização da
madeira. O reconhecimento das madeiras e a sua certificação é muito
importante. Por vezes pertencem a lotes de floresta que não podem ser
exploradas. Este trabalho é efectuado, por vezes, no Laboratório de
Tecnologia Florestal dos Instituto Superior de Agronomia (ISA), que é
chamado para as identificar.
As sociedades devem ser cada vez mais esclarecidas para esse aspecto.
É preciso estabelecer, por exemplo, que o mobiliário pode apenas ser
produzido a partir de florestas certificadas para esse fim. Se a
sociedade estiver educada para isso, as florestas naturais irão
existir durante mais tempo.
Na zona mediterrânica, tentou-se proteger as plantações de azinheiras
e sobreiros, através de um programa da Comunidade Europeia que
restringia o uso da terra, em que cada estado pagava aos agricultores
para não produzirem. Isso contribuiu para o estabelecimento de algumas
áreas de floresta. Esta tem valor para a nossa economia e não é crime
plantar árvores destinadas à produção de madeira para pasta de papel
ou outro destino. Tem é de se ver em que zonas é que essas plantações
e de que forma são feitas.
E para assegurar a biodiversidade das florestas?
Um dos primeiros aspectos passa pela escolha das espécies. Mas não nos
podemos esquecer que dentro de cada uma há variedade genética. Por
isso, é necessário escolher as plantas que melhor se adaptam às
condições de cada local, o que é um grande passo para o sucesso das
reflorestações.
Se fizermos culturas intensivas, seja de eucaliptal, pinheiro ou
carvalhos, bem gerida para produção, podemos aproveitar outras menos
produtivas noutros sentidos, como o aproveitamento para a caça ou
actividades de lazer, que também são importantes para se obterem
créditos de carbono.
É preciso que os produtos e serviços das florestas sejam valorizados,
até porque, em Portugal, a floresta é essencialmente privada. E os
seus proprietários necessitam de tirar rendimento a partir dela.
Nestas áreas, o que é que acha que vai acontecer na próxima Conferência Rio 20+?
Será que alguém acredita que vá acontecer muita coisa? Acho que os
países do norte vão tentar controlar a exploração desregrada e
excessiva da floresta. Mas estas nações têm modelos de silvicultura
que não se aplicam ao sul. Por isso, quando falam em termos de
biodiversidade, têm por base um tipo de floresta que se desenvolve por
dezenas de hectares sempre iguais, bétulas, aceres, etc.
Nós, para além dos montados de azinho e sobreiro, temos os pinhais e
eucaliptais. A nossa diversidade biológica é muito maior, do que a do
norte da Europa, por termos muitos ecossistemas em mosaico onde há
vida. Há espécies arbustivas, há animais.
Há certos modelos de silvicultura que podem ser problemáticos em
termos de fogos. Mas estes existem tradicionalmente no sistema
mediterrânico. Por vezes, a sua boa gestão até permite controlar
incêndios. Mas, para isso, também é necessária uma boa gestão da
floresta e dos matos, vertical e horizontal. Em certos períodos do
ano, em zonas florestais onde não há continuidade vertical entre o
mato e as copas das árvores, podem fazer-se queimadas. É um método
utilizado nos Estados Unidos e outros países.
Não é que esteja a advogar o uso de fogo controlado. O que estou a
dizer é que a gestão das nossas matas tem de ser feita com a
consciência que o fogo faz parte do sistema. A existência de aceiros,
caminhos e as limpezas são importantes.
Antigamente as populações faziam o rapão, em que tiravam o mato para
fornecer os fornos de padarias e outros. Mas essa operação não deve
tirar todo o mato, pois é preciso pensar no ciclo dos nutrientes e
tentar manter o fundo de fertilidade.
Tudo tem de ser feito de forma equilibrada. Em termos de doenças ou
pragas ou de fogos, não podemos ter o mesmo modelo de silvicultura dos
países do norte.
Em Portugal a maior parte da floresta é privada. Mas muitos dos
proprietários têm meia dúzia de árvores, porque a nossa área média de
propriedade é muito pequena. Por isso a boa gestão da floresta também
passa pela resolução do problema do associativismo em Portugal.
Qual é a área florestal em Portugal?
A área da floresta abrange uma parcela de 38% da área total do país. É
muito alta em relação ao resto das nações. Mas a maior parte dela não
é natural. Foi plantada e resultou de florestações feitas
recentemente, porque a exploração da terra reduziu-a quase ao nada em
Portugal.
Existia essencialmente no sul, devido à baixa densidade urbana da
região, e destinava-se sobretudo à caça.
Foram os problemas com as cheias e a erosão de terras devido ao solo
não estar coberto por vegetação, que foram criados os serviços
florestais, no final do século XIX, para reflorestar o país. Foi nessa
altura que começou a replantação, que foi feita essencialmente pelos
proprietários das terras.
Quais são os principais problemas que afectam as nossas florestas?
Temos os problemas de gestão das nossas matas. Se fossem bem geridas
seriam de certeza muito mais produtivas. Aquelas que o são pertencem a
empresas, porque o fazem com o sentido de obter o produto que
necessitam para transformar.
Uma boa gestão das matas implica o uso de plantas geneticamente
adequadas ao local. Para isso é necessário ter em conta as origens do
material mais apropriado. Não é indiferente que a sua origem seja uma
zona árida ou húmida. É algo que é válido para a agricultura, mas que
é esquecido no que toca às florestas. Muitas vezes esquece-se que a
qualidade e características das plantas e sementes empregues na
florestação pode condicionar o futuro da floresta.
No nosso país, até por falta de esclarecimento, olha-se somente para o
aspecto morfológico das plantas, o aspecto exterior, e não para a
origem genética. Não há esforços para usar o material mais correcto e
adaptado.
Se se usar material da mesma zona que se vai reflorestar, por exemplo,
ele deverá estar mais adaptado às condições locais do que outro que
venha da Holanda ou de outro sítio qualquer, de que não se saiba a
origem e características.
Também é necessário fazer o melhoramento de espécies e estudar mais
profundamente a gestão da floresta. Há muito mais feito nesse sentido
para o eucalipto do que outras espécies, porque as empresas
transformadoras gerem as suas matas de forma a garantir o fornecimento
das suas unidades industriais. Mas pouco tem sido feito em relação ao
sobreiro. E há um programa de melhoramento do pinheiro bravo, que está
a avançar aos solavancos, e depende muito de tenacidade dos técnicos.
Se pensarmos nos efeitos das alterações climáticas na agricultura e na
necessidade de usar as plantas mais adequadas para determinadas
situações, o mesmo deve ser feito com a floresta.
Quais são as soluções que aponta, que contribuem para a
sustentabilidade ambiental do nosso país?
A nossa floresta tem sido feita, nos últimos anos, essencialmente de
espécies não autóctones, com o fito de suprir as necessidades da
indústria papeleira nacional. A diversidade de plantação, bem gerida,
não poderia ser um dos pilares da solução para a nossa floresta,
principalmente tendo em conta o risco de incêndios que existem todos
os anos e os custos envolvidos?
Uma das soluções mais adequadas, até do ponto de vista paisagístico, é
haver um mosaico com diferentes espécies. Todas ardem, mas um
descontinuado vertical, como referi há pouco, com árvores de idades
diferentes, em áreas menos contínuas, em conjunto com a limpeza e
desbaste, representa uma boa gestão da mata. Ou seja, a floresta tem
direito a uma silvicultura. Não podemos somente criar florestas, é
preciso também geri-las. Como as das empresas o estão, estão sujeitas
ao risco de incêndio, como se pode observar em passeio.
Neste campo, as associações de produtores florestais têm um papel
importante. Há algumas com muita qualidade, a fazer silvicultura. É o
caso da Associação dos Produtores Florestais de Coruche, que trabalha
bem.
Quais são os pontos principais de uma boa gestão do coberto vegetal do País?
Começa na preparação do terreno na área descoberta que se destina à
florestação. Hoje sabe-se que não é necessário usar técnicas
agressivas, até porque estas e o uso de máquinas demasiado pesadas
para esta operação contribuem para a erosão solo. E nós temos de o
conservar. E quando este não existe, temos de criar condições para ele
se formar.
Depois temos de usar as espécies e variedades mais adequadas e
adaptadas às condições locais. Também é necessário usar, na condução
das florestas, os modelos silvícolas mais adequados, que dependem de
espécie para espécie. Podemos empregar compassos mais alargados,
porque queremos ter copas mais desenvolvidas para a produção de fruto,
ou mais apertados.
E temos de pensar se queremos usar a enxertia para produção de fruto,
no caso de pinheiro manso, por exemplo.
O modelo de gestão da floresta, depois de implantada, é de longo
prazo, e tem de ser sustentável do ponto de vista económico, social e
ambiental.
Temos de pensar na conservação dos recursos genéticos, pois a
exploração de cada área não pode pôr em causa o seu futuro. É preciso
não esquecer que os serviços prestados pela floresta podem ser tão
importantes como os produtos que podemos obter a partir dela. E estes
têm de ser qualidade para que a indústria e mercados se interessem por
eles.
Há alguma coisa a ser feita em Portugal termos da conservação dos
recursos genéticos?
Há na Europa. Portugal pertencia ao Euforgen, organização com grandes
preocupações do ponto de vista da conservação dos recursos genéticos.
Fui representante para os carvalhos e gestão da floresta nessa
organização. Mas o nosso país deixou de pagar a quota.
Se não tivéssemos pertencido ao Euforgen, provavelmente os ensaios de
proveniência do sobreiro, em campos instalados em Portugal, Espanha,
Itália, França e Tunísia, não teriam sido feitos. Todo o processo de
recolha de semente, estabelecimento de regras, foi possível devido a
pertencermos a essa organização. Isso permite-nos que tenhamos
instalado os ensaios há 14 anos. Mas a sua gestão tem sido feita
através de projectos que vamos arranjando. Não tem sido fácil, mas já
conseguimos alguma informação. Temos ensaios a decorrer com populações
distintas para saber como se comportam em relação à secura, que é um
dos problemas graves a que a floresta portuguesa vai ter de responder,
devido às alterações climáticas e à falta de água consequente.
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