05.06.2012
Ricardo Garcia
Portugal poderá não necessitar dos créditos de CO2 que comprou, por
dezenas de milhões de euros, para compensar parte dos gases com efeito
de estufa que as suas fábricas e automóveis lançam para o ar.
Os dados mais recentes sobre as emissões mostram que o país está no
caminho para cumprir o Protocolo de Quioto com relativa facilidade.
O último inventário nacional, concluído em Abril, mostra que as
emissões em 2010 somaram o equivalente a cerca de 70 milhões de
toneladas de CO2 - o valor mais baixo desde 1996. As emissões subiram
16,8% desde 1990, quando o país pode, segundo Quioto, chegar aos 27%
de aumento.
O protocolo - assinado em 1997 e que vincula os países desenvolvidos
que o ratificaram a reduzirem as suas emissões - tem de ser cumprido
ao longo de cinco anos, entre 2008 e 2012. Na prática, a soma das
emissões nesses anos é que tem de ser comparada com cinco vezes o
valor do ano-base, que para a maior parte dos países é 1990.
Para Portugal, isto significa que, em cada um dos anos entre
2008-2012, poderiam ser lançadas para o ar cerca de 76,4 milhões de
toneladas de CO2, em média. Em 2008, o valor ficou acima da marca, com
77,6 milhões de toneladas. Mas em 2009 e 2010, as emissões caíram para
74,3 e 70,0 milhões de toneladas.
O país tem, para já, um saldo de 7,2 milhões de toneladas em relação à
média, quase o mesmo daquilo que o Fundo Português de Carbono se
comprometeu a comprar, em créditos de emissões, para o caso do
resultado ser, ao contrário, deficitário.
O fundo, criado em 2006 com esta finalidade, tem contratos assinados
no valor de 126 milhões de euros, que garantem créditos de emissões
equivalentes a 7,6 milhões de toneladas de CO2 até 2012. Até agora, já
foram entregues e já estão na conta-corrente carbónica do país 5,3
milhões de toneladas.
Com isso, não só Quioto já não é problema, como, na hora de se fazerem
as contas, podem efectivamente sobrar créditos. "De facto, hoje
estamos praticamente com o compromisso de Quioto assegurado", afirma o
presidente da Agência Portuguesa do Ambiente (APA), Nuno Lacasta,
completando que "o cenário de cumprir Quioto sem o Fundo Português de
Carbono é possível".
A situação ainda pode ser revertida, se as contas das emissões de 2011
e 2012 ficarem acima de 80 milhões de toneladas em ambos os anos -
valor que não se observa desde 2006.
Quanto a 2011, embora não haja dados definitivos, algumas indicações
sugerem que não terá sido um ano dramático. Segundo o índice E.Value -
calculado por uma empresa de consultoria para aferir o comportamento
das emissões no país -, a situação era favorável nos sectores dos
transportes e da produção de electricidade, dois dos principais
contribuintes para o balanço nacional de CO2.
No primeiro caso, as emissões caíram 12,9% em relação a Dezembro de
2010, em grande parte pelo menor consumo de combustível, devido aos
preços elevados e à crise. Na produção eléctrica, houve um aumento de
18% nas emissões em 2011, mas contra uma queda 29% no ano anterior. Ou
seja, com as renováveis em força, o saldo ainda foi mais baixo do que
quando iniciou o período de cumprimento de Quioto.
Já em 2012, os primeiros meses revelam que as emissões não estão a
subir tanto quanto seria de se esperar num ano seco - com pouca
produção hidroeléctrica. "Só não subiu mais porque a importação de
electricidade no primeiro trimestre foi muito grande", explica Rui
Dinis, da E.Value. Ao se importar electricidade, as emissões são
contabilizadas no país que a produz, e não em Portugal.
O presidente da APA chama a atenção, no entanto, para outros factores
de risco que podem complicar o caminho de Quioto, como os fogos e a
utilização da reserva de licenças do sistema de comércio de emissões,
que está guardada para eventuais novas instalações industriais.
O maior ponto de interrogação está em como será contabilizada a
contribuição das florestas e da agricultura como "sumidouro" de
carbono - algo que ainda não está definido a nível internacional.
"Nesta fase, o maior risco é o risco metodológico do cálculo dos
sumidouros", diz Nuno Lacasta. Por isso, completa Lacasta, "o Fundo
Português de Carbono continua a ser utilizado como uma garantia".
Se tudo correr bem, o país cumprirá Quioto só com o esforço interno,
mas ficará com 5,3 milhões de toneladas de CO2 em licenças nas mãos,
sem uso imediato. Segundo Nuno Lacasta, parte das licenças pode ser
guardada para um segundo período de cumprimento de Quioto, que está a
ser discutido internacionalmente. Mas o próprio Fundo Português de
Carbono deverá ser reorientado, possivelmente ampliando outras funções
que já cumpre, como a de financiar projectos de baixo carbono em
Portugal.
Uma coisa parece certa: vender as licenças - contrariando o slogan do
Fundo Português de Carbono, que é we buy - será mau negócio. As
compras até agora foram feitas a um preço médio 10,7 euros por
tonelada de CO2. A cotação tem, no entanto, caído a pique e está agora
em 6,5 euros/tonelada para as licenças transaccionadas entre países
desenvolvidos e 3,4 euros/tonelada para aquelas que provêm de
projectos em países em desenvolvimento.
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