terça-feira, 1 de maio de 2012

Proposta de medidas extraordinárias para o sector pecuário

OPINIÃO


M. Chaveiro Soares




1. A actual situação de emergência financeira, devida sobretudo ao
excessivo défice público e elevada dívida externa (pública e privada),
levou os nossos credores a imporem-nos um ajustamento abrupto, com
consequências dramáticas para os Portugueses: mais de um milhão de
desempregados, acompanhados por uma corrente emigratória antes
inimaginável e talvez já superior à registada na década de 1960, e
penalizações salariais severas para funcionários públicos e reformados
- tudo reflexos de um País à beira da bancarrota, com falências em
cascata e retracção do investimento.

Como cidadão comum, partilho a frustração dos nossos actores
políticos, ao observarem esta inesperada (para a generalidade dos
Portugueses) e súbita quebra pronunciada do bem-estar e felicidade dos
nossos concidadãos. Resta agora aos decisores políticos empenharem-se
na criação de um ambiente que permita remediar a presente situação.


2. Todos reconhecemos que para se superar a crise é imperioso relançar
o investimento produtivo, gerador de riqueza e emprego. Para isso
importa criar condições atractivas, o que passa pela implementação de
reformas estruturais, com destaque, a meu ver, para alterações no
âmbito do licenciamento das actividades económicas.

Com efeito, num quadro de competitividade global, cada País tem de se
esforçar para proporcionar um ambiente apelativo ao investimento, a
começar pela remoção de barreiras legislativas e burocráticas
complexas ou mesmo impraticáveis ou inúteis. No mundo global em que
vivemos, torna-se cada vez mais difícil atrair um investidor, nacional
ou estrangeiro, se o licenciamento demorar vários anos, implicar
exigências inúteis e custos elevados. No meu modesto entendimento,
este tipo de obstáculos é mais inibitório do que o eventual acesso ao
financiamento, pois até temos bancos com rácio de transformação, de
depósitos em crédito, inferior a 120 por cento.

3. No Sector Agrícola, que conheço mais de perto, todos reconhecemos a
possibilidade de reduzir o défice da balança agro-alimentar (em 2011
rondou quatro mil milhões de euros), sendo que um dos entraves mais
relevantes reside no licenciamento das explorações pecuárias. Esta
dificuldade inibe novos investimentos e desincentiva a modernização
das actuais explorações, o que está em parte na base da presente crise
do sector dos ovos de consumo e, dentro de alguns meses, afectará a
suinicultura - onde cumpre também investir na adaptação das
instalações às novas regras do bem-estar animal, o que só será
efectuado na certeza que o licenciamento será concedido ou renovado.

Ora, a legislação aplicável ao licenciamento das explorações pecuárias
é reconhecidamente desadequada, quando não mesmo inexequível. Esta
situação tem conduzido os governantes a tomarem dois tipos de
decisões: sucessivos adiamentos dos prazos de licenciamento e nomeação
de sucessivos grupos de trabalho para melhorarem os diplomas legais.
Isto significa que a problemática mantém-se, não obstante virem sendo
concedidas algumas licenças, por regra acompanhadas por múltiplas
condicionantes, cuja observância é mais ou menos dispendiosa e não
raras vezes desajustada.

4. A presente situação de emergência financeira tem conduzido à
adopção de medidas extraordinárias, que arrastam consigo um cortejo de
consequências dramáticas: desemprego, emigração, empobrecimento das
famílias, do estado social e das empresas.

Na minha humilde opinião, conviria também tomar medidas
extraordinárias, sem dispêndio para os cofres públicos, em ordem a
facilitar o investimento, nomeadamente no âmbito do licenciamento das
actividades económicas.

Relativamente ao licenciamento das explorações pecuárias e com base na
minha experiência nesta matéria, sugiro a adopção das seguintes
medidas:

i) isenção de licença de utilização, para as explorações pecuárias em
funcionamento antes da publicação do correspondente Plano Director
Municipal (PDM);

ii) reconhecimento dos projectos agro-pecuários como Projectos de
Potencial Interesse Nacional (PIN);

iii) implementação do licenciamento zero, conforme preconizado pelo
Senhor Ministro da Economia e do Emprego;

iv) melhoria imediata da legislação aplicável ao licenciamento das
explorações pecuárias, considerando nomeadamente:

- prazos para todas as entidades oficiais se pronunciarem,
estabelecendo a figura do despacho tácito (extensível à renovação das
licenças, onde se chega a esperar mais de 6 anos sem que o organismo
oficial responsável se digne dar qualquer satisfação, sujeitando o
empresário ao risco de sofrer pesadas coimas e desincentivando
qualquer investimento com vista à modernização ou à expansão das
instalações pecuárias);

- no que respeita ao Plano de Gestão de Efluentes Pecuários (PGEP),
adoptar a interpretação dado pelo Gabinete de Planeamento e Políticas
(vidé Perguntas mais Frequentes) ao estabelecido no artigo 4º da
Portaria nº 631/2009, de 9 de Junho, a saber: a elaboração do PGEP é
exigida apenas aos agentes que procedam à valorização agrícola de
quantidades de efluentes pecuários (chorumes e estrumes) superiores a
200m3 ou 200 t por ano;

- ainda no que ao PGEP diz respeito, rever o artigo 3º da aludida
Portaria nº 631/2009, designadamente no que concerne ao armazenamento
de efluentes pecuários junto das explorações pecuárias, porque
nalgumas situações (e.g. galinhas reprodutoras pesadas e frangos de
carne) tal prática viola as regras de biosegurança e prejudica o Plano
Nacional de Controlo de Salmonelas (que, por sinal, tem constituído um
êxito em Portugal);

- não abrangência de procedimento de avaliação de impacte ambiental
(AIA), para as explorações pecuárias existentes antes da publicação do
Decreto-Lei nº 69/2000, de 3 de Maio, que pela primeira vez consagrou
tal obrigatoriedade.

Adicionalmente, importa motivar os agentes da Administração Pública -
que também são pesadamente penalizados até a economia animar - para
assumirem uma atitude facilitadora, sem exigências burocráticas que
Portugal, ainda em crescente endividamento externo, deve minimizar.

A actual situação do nosso País tem exigido medidas extraordinárias
que muito têm penalizado os Portugueses, não havendo razão, a meu ver,
para não se tomarem medidas também extraordinárias que tragam
esperança aos que ainda cá estão e se mostram entusiasmados para
alcançar a meta proposta pelo Governo para 2020: a auto-suficiência
(em valor) de produtos agrícolas e alimentares.

Manuel Chaveiro Soares
Engenheiro Agrónomo, Doutorado e Agregado pela Universidade Técnica de
Lisboa, Gestor (Grupo Valouro, Crédito Agrícola), Empresário Agrícola.

Publicado em 30/04/2012

http://www.agroportal.pt/a/2012/csoares.htm

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