segunda-feira, 4 de junho de 2012

Em busca de água potável

Geopolítica

04 Junho 2012 | 09:00
José Miguel Dentinho

Abundante em alguns países e escasso noutros, o uso da água ainda é
insustentável
Agricultura | A actividade agrícola absorve 70% da água doce usada e o
consumo deverá aumentar 19% até 2050


Embora haja um elevado grau de incerteza em relação aos efeitos das
alterações climáticas, os modelos actuais apontam para o aumento
generalizado da temperatura atmosférica. Devido à ocorrência de ondas
de calor, são esperados fenómenos hidrológicos extremos, as cheias e
secas. Em paralelo, as ondas de calor irão aumentar a
evapo-transpiração das planta, e, por consequência, as necessidades de
água para a rega e a produção agrícola. A perspectiva não é brilhante.

Mas não é de certeza por falta de água. Qualquer fotografia espacial
mostra que cobre a maior parte do nosso planeta. O problema é que
apenas 3% dela é água doce disponível para ser consumida pelos actuais
7 mil milhões de seres humanos.


Abundante em alguns países e escasso noutros, este recurso natural,
essencial para a sobrevivência humana, é usado intensamente pela
agricultura, indústria e actividades domésticas - só que de forma cada
vez mais insustentável. É o principal alerta contido num relatório da
consultora britânica Maplecroft, que avalia a pressão sobre a procura
de água em mais de 160 países.

Mas a população mundial vai aumentar ainda mais. Em 2050 iremos ser 9
mi milhões o que, de acordo com o 4º Relatório da ONU sobre a água no
mundo, e em conjunto com as inundações e secas devido às alterações
climáticas, irá ameaçar fortemente as recursos hídricos se nada for
feito.

"A água doce não está a ser usada de forma sustentável", disse a
directora-geral da Unesco, Irina Bokova, em comunicado. "As
informações rigorosas ainda não são a regra e a gestão está
fragmentada... O futuro é cada vez mais incerto e os riscos vão
agravar-se", acrescentou.

Segundo Irina Bokova, o consumo pela agricultura já representa cerca
de 70% da água doce usada no mundo e deverá aumentar pelo menos 19%
até 2050, quando a população mundial chegar aos nove mil milhões de
pessoas.

Uma "revolução silenciosa" decorreu no subsolo, à medida que a
quantidade de água extraída dos aquíferos triplicou nos últimos 50
anos, fazendo desaparecer uma barreira contra a seca, diz o relatório
da ONU. "As alterações climáticas vão afectar drasticamente a produção
de alimentos no Sul da Ásia e no Sul de África, entre hoje e 2030. Em
2070, o stress hídrico também vai afectar a Europa Central e do Sul",
acrescenta. Outro relatório, da Organização para a Cooperação
Económica e Desenvolvimento (OCDE), estima que a procura mundial de
água vai aumentar 55% em 2050, numa altura em que mais de 40% da
população mundial viverá em bacias hidrográficas ameaçadas pelo stress
hídrico.

Este documento alerta que, com uma reserva de água limitada, os
gestores políticos serão obrigados a fazer uma melhor gestão entre a
procura para a agricultura, energia, consumo humano e saneamento
básico.

Em várias regiões de economias em crescimento como China e Índia, a
procura de água supera a oferta. É uma situação que poderá restringir
as actividades agrícolas e de outras áreas, limitando potencialmente o
crescimento económico. Também está a crescer o receio em relação à
capacidade de produzir alimentos suficientes para sustentar a
humanidade.

Atenta ao problema, a China está a desenvolver medidas para minimizar
os riscos de escassez de água. Uma delas é o desvio da água do rio
Iansequião para Pequim através de uma série de canais, para garantir o
abastecimento de um quarto das necessidades da cidade até 2014. A
Índia, por sua vez, extrai mais água subterrânea do que qualquer outro
país do mundo. Em média, 56% dela é usada na agricultura. Mas esse
valor pode subir para 90%, devido às alterações climáticas. Como um
dos maiores produtores de arroz, trigo, batata e cana-de-açúcar em
todo o mundo, o uso continuado insustentável de fornecimento de água
subterrânea pode contribuir para a redução das colheitas agrícolas,
com implicações desastrosas para o preço dos alimentos.

Em algumas zonas do país, já há iniciativas para melhorar o acesso à
água e garantir a sua disponibilidade às populações, como acontece com
o exemplo de Bangalore, que pode ser lido na página 8. Mas tudo o que
for feito será positivo, até porque ainda há muito caminho a
percorrer.






Em números

O ponto da situação

1. Em 2025 as necessidades de água irão crescer 50% nos países em
desenvolvimento e 18% nos países desenvolvidos.

2. A Organização Mundial de Saúde anunciou recentemente que 89% da
população mundial já tem acesso a água potável, cumprindo, em 2010,
uma das metas dos Objectivos do Milénio, para 2015.

3. Mas mais de um sexto da população mundial ainda não tem acesso
suficiente a água potável para suprir todas as suas necessidades de
beber, cozinhar e lavar.

4. O Objectivo de Desenvolvimento do Milénio (ODM) relativo ao
saneamento básico não será cumprido até 2015. As projecções indicam
que, em 2050, 1,4 mil milhões de pessoas não terão ainda acesso a
saneamento básico.

5. Uma criança morre a cada 20 segundos devido a más condições
sanitárias. Há 1,5 milhões de mortes anuais que podem ser evitadas.

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