Presidente da CAP não alinha com Portas no corte nas pensões do
Estado. Se não houver consumo interno, fecha tudo e não há exportações
João Machado, presidente da Confederação dos Agricultores de Portugal,
tem uma posição radicalmente diferente da de António Saraiva,
presidente da Confederação da Indústria: não quer entrar num novo
processo de Concertação Social enquanto o anterior acordo, que vem do
tempo do governo de José Sócrates, com alguns retoques já introduzidos
pelo actual governo, não estiver integralmente executado. Mais: diz
que a fuga em frente não deixaria bem a confederação, nem perante os
portugueses nem, sobretudo, perante os seus associados. Pensa que este
governo deve aguentar até ao fim, com uma substituição de pessoas e
mesmo de orgânica, sobretudo nos Ministérios da Economia, das Finanças
e da Agricultura. E espera de António José Seguro, secretário-geral do
PS, menos demagogia e mais pragmatismo. Quanto à saída da crise, a
solução, defende, passa sobretudo pela reanimação do consumo interno e
não por uma reforma do IRC que pode beneficiar empresas em situação de
quase monopólio no mercado. O discurso sobre o universo dos reformados
também difere ligeiramente do de Paulo Portas, líder do CDS/PP, águas
em que se move como peixe na água. É contra qualquer corte, quer no
público quer no privado, porque uns euros a menos no rendimento
disponível de qualquer português ainda vão estrangular mais a procura
interna.
Concorda com um novo processo de Concertação?
Não acho que haja condições neste momento para se iniciar um novo
processo desse tipo e também não acho que haja matéria. Até porque
muito do conteúdo do acordo do ano passado cobre largamente o que
temos de fazer na economia nacional. O que há a fazer é justamente pôr
em prática o que não está implementado. Deixar o acordo a meio e
recomeçar outro não é o melhor sinal que podemos dar nem ao país nem
aos nossos associados.
O que é mais importante resolver?
Havia muitas medidas da área da economia e algumas reformas
estruturais que não estão em vigor. Por exemplo, a da justiça. Ainda
nada foi discutido connosco sobre essa área, que é profundamente
importante, quer para as empresas quer para o sector agrícola. É
urgente alterar o calvário que passam os empresários, os produtores e
os cidadãos cada vez que têm de lidar com ela. Depois temos um
conjunto de medidas na área económica que têm a ver com o acordo que
está em vigor e que não estão de maneira nenhuma cumpridas. Como os
custos dos factores de produção, como as taxas camarárias, a energia…
Há todo um conjunto de medidas já negociadas que não estão no terreno,
pelo que a única coisa a fazer neste momento é dar cumprimento ao que
já foi negociado.
A questão da reforma da Justiça nunca foi discutida na CPCS?
É um tema que não foi à Concertação até ao momento. Não está em nenhum
documento do governo e não está para discussão, apesar de já termos
mencionado a falta de propostas nesta área.
Mas a ministra da Justiça nunca foi sequer à Concertação?
Não. De facto, nunca foi.
Com que sensação costuma sair das reuniões de Concertação Social?
A da semana passada foi para analisar o documento do Ministério da
Economia. Apesar de acharmos que é um documento que aponta alguns
caminhos interessantes, consideramos que tem por base indicadores de
crescimento da economia, das exportações e da investigação e
desenvolvimento que não têm nenhuma fundamentação e que são, a nosso
ver, desligados da realidade. Da mesma maneira que se prevê um aumento
do emprego e do investimento que nos parecem irrealistas. Ao mesmo
tempo, verificamos que muitas das medidas agora incluídas no documento
já tinham sido faladas e dão resposta ao acordo de Concertação. Mas
tudo o que está lá precisa de ser fundamentado e precisa sobretudo de
ser discutido no âmbito do acordo já assinado pelos parceiros.
Como viu a actuação do novo secretário-geral da UGT na Concertação?
A UGT tem dado sempre sinais, e está na sua matriz genética, de que é
uma central sindical com capacidade para a negociação e para o
consenso e não deu mostras do contrário. Portanto, acredito que não
haverá nenhuma alteração relativamente à sua posição até agora.
Se estivesse no governo, que medida consideraria mais urgente?
Tem-se vindo a assistir em vários documentos governamentais a um
enfoque muito grande nas exportações e na revisão do IRC. O que
dizemos é que as exportações tendem a ter uma estagnação, portanto não
podemos esperar muito mais da alavancagem que elas trazem para as
empresas e para a economia nacional. E também não nos parece que seja
através da reforma do IRC que consigamos inverter a espiral recessiva
do mercado interno. O que nos parece é que a esmagadora maioria das
empresas nacionais são PME e vivem essencialmente do mercado interno e
só supletivamente é que exportam. Portanto até corremos o risco de um
fecho muito acentuado de empresas, que, além de um problema de
desemprego crescente, se traduzirá igualmente na diminuição das
exportações.
Então qual é a sua solução?
A única forma de reanimar o mercado interno é reduzir impostos sobre o
rendimento das pessoas – IRS e pensões – e devolver aquilo que lhes
foi retirado em subsídios. Outra via é a redução das taxas e regressar
a esquemas de escalões diferentes dos actuais no imposto sobre
rendimentos singulares. E também reduzir o IVA nalguns produtos
essenciais. Não vemos que seja através da reforma do IRC que a
economia vai recuperar. Algumas empresas que o pagam agora, e que até
funcionam em situação de quase monopólio, são as que mais pagam IRC e
não vemos que seja por aí que se possa dinamizar o mercado interno.
Até seria extremamente injusto se deixassem de o pagar. A reforma do
IRC deve visar a dinamização do investimento externo, que não tem
efeitos imediatos, mas só ao fim de uma década. Os únicos impostos que
têm, no nosso entender, impacto no consumo interno e no emprego são o
IRS e o IVA. E aí sim, devíamos actuar.
Acredita que o ministro Álvaro Santos Pereira é substituível a curto prazo?
Achamos que o governo precisa de um novo alento para conseguir
implementar as reformas necessárias nesta segunda parte da
legislatura. E no nosso entender só acreditamos que possa acontecer
com uma reformulação total do governo e uma reestruturação de pastas.
Aqui incluímos todo o governo. Mas na Economia, na Agricultura e nas
Finanças consideramos que é fundamental reequacionar o papel destes
três ministérios na dinamização da economia e na criação de emprego.
Não se pode descontextualizar a recessão portuguesa da do resto da Europa…
A conjuntura europeia não ajuda a recuperação da economia nacional nem
o emprego. O nosso maior mercado de exportação não está a crescer. A
política da União Europeia tem um carácter recessivo para a Europa e
também para Portugal, e a CAP não concorda com ela por isso. E que já
levou a várias discordâncias públicas do FMI. Uma alteração da
política europeia e do Banco Central Europeu em relação à economia e
ao financiamento poderia ajudar Portugal a recuperar mais rapidamente.
Mas infelizmente temos assistido cada vez mais a medidas recessivas, e
mesmo a Alemanha é agora uma economia que já não cresce, o que
constitui uma preocupação adicional.
Qual é o vosso relacionamento com a ministra da Agricultura?
Temos um relacionamento próximo com o ministério e achamos que o
ministério tem obtido alguns êxitos na política que tem posto em
prática, nomeadamente no que diz respeito ao investimento na
agricultura, garantido as contrapartidas nacionais para que os fundos
do Proder sejam totalmente aplicados com os resultados que têm vindo a
público. É um sector que tem investido mais de mil milhões de euros
por ano, que aumentou o emprego, aumentou as exportações e diminuiu o
défice externo 500 milhões de euros. Tem dado bons indicadores ao
longo dos últimos tempos. Mas há que não esquecer que uma economia em
contracção acabará por provocar recessão nos produtos agrícolas, que
têm o mercado interno como principal mercado.
Essas são as reformas já feitas?
Algumas outras reformas do ministério também têm estado a ser postas
em prática, como a legislação ao nível da cadeia alimentar, a
disponibilização de terras integradas na bolsa, que esperamos entrem
em vigor rapidamente, a alteração da sistema de seguros, que esperamos
tenha resultados práticos já a partir de 2014, o pagamento atempado
das ajudas comunitárias aos agricultores, uma área em que reconhecemos
que o governo tem feito um esforço. Mas, apesar de consideramos todos
estes pontos positivos, não são suficientes. Para continuarmos a
garantir o investimento no sector agrícola, e sobretudo aquele que
puxa pela economia, é preciso fazer reformas maiores e aplicar as
medidas mais radicais que estavam contido no acordo.
Uma das medidas por que também se bateram foi a flexibilização da
regra dos duodécimos no Proder. Conseguiram o que queriam?
Na calendarização do ministério esta medida encontrava-se fechada, mas
os pagamentos já estão a ser feitos mensalmente. Foi uma das áreas em
que conseguimos que os interesses dos agricultores se sobrepusessem à
burocracia do Estado.
A CAP negociou ainda um mecanismo permanente de actualização do
parcelário agrícola, a realizar em conjunto com as organizações de
agricultores. E quis também assegurar que a revisão de 2011 terá em
conta as candidaturas já feitas. Estas duas reinvindicações já
chegaram a bom porto?
Continua a haver penalizações aos agricultores que viram a sua área
elegível para as ajudas reduzida na sequência da actualização do
parcelário. No caso das MZD (manutenção da actividade agrícola em
zonas desfavorecidas) e das MAA (Medidas Agro-Ambientais), de acordo
com o IFAP, não se consegue identificar o motivo da redução da área
elegível e, como não foi criada nenhuma compensação, como no RPU, os
agricultores acabaram por ser penalizados. Há inclusive agricultores
que têm de devolver ajudas já pagas e outros que não tiveram acesso ao
adiantamento das ajudas porque a redução da sua área elegível foi
superior ao desvio máximo permitido.
Os parceiros também estão à espera das medidas para o reforço do
financiamento às empresas…
O governo distribuiu na CPCS de 16 de Outubro de 2012 um documento com
medidas para a "Competitividade, o emprego e o investimento", a
maioria das quais teriam de ser apresentadas à troika. Estamos desde
então a aguardar que seja feito um ponto de situação sobre a sua
implementação.
A promoção da internacionalização do sector agro-alimentar foi outro
dos pontos acordados...
Foram realizados três estudos promovidos por entidades privadas, o
PortugalFoods, a FIPA e o IVV, que visam a internacionalização do
sector, tendo sido apresentados na reunião de representantes pessoais
do CEIE (Conselho Estratégico de Internacionalização da Economia) de
25 Fevereiro de 2013, não sendo conhecidos desenvolvimentos
adicionais. Foi também criado um site, em parceria com estas
entidades, que disponibiliza informação sobre comércio internacional
do sector agro-alimentar. E já está em vigor um acordo com o Brasil
sobre barreiras não pautais no sector da fruta. Mas continua sem
existir uma estratégia integrada que vise a internacionalização do
sector.
Os custos dos factores de produção são outras reivindicações antigas,
nomeadamente a electricidade verde e a taxa de recursos hídricos.
Do nosso ponto de vista, a medida prevista nas medidas da seca de
27/3/2012 e operacionalizada pelo Despacho 4825/2012 de 5 de Abril não
veio resolver nada. A suspensão da TRH (taxa de recursos hídricos) e a
electricidade verde foram aplicadas por um pequeno período e no âmbito
das medidas da seca. Dentro em breve deverão começar a ser emitidas as
notas de liquidação da TRH relativa ao ano de 2012. Quanto à
electricidade verde, não se sabe se será aplicada no ano de 2013. O
documento do governo anterior apontava para o pagamento de mais de 4,3
milhões de euros este ano.
As florestas são um dos principais sectores exportadores. O que é que
já entrou em vigor do que foi negociado em concertação?
A legislação que pressupõe a simplificação dos processos de
arborização com diferentes espécies florestais ainda não foi aprovada.
Já entrou em vigor um PGF (Plano de Gestão Florestal) simplificado,
mas mesmo assim complexo, para áreas inferiores a 25 hectares. Mas
para o apuramento desses 25 hectares, além da área do projecto, é
incluída também a superfície florestal de exploração, o que condiciona
muitos projectos. A medida 1.3.1 do Proder, de melhoria produtiva dos
povoamentos, ainda se encontra com uma execução muito baixa. Só com
mais simplificações haveria mais projectos de arborização e maior
valorização da produção, o que levaria a menos incêndios. Continua por
aprovar a alteração legislativa sobre acções de arborização e
rearborização.
Acredita que quando o Alqueva estiver a funcionar em pleno vai
revolucionar o Alentejo?
O Alqueva é o maior reservatório artificial de água da Europa. No
entanto, vai servir para irrigar cerca de 160 mil hectares, o que
corresponderá apenas a 10% ou 15% da área do Alentejo. Só em cereais
de sequeiro, existem mais de um milhão de hectares que necessitam de
água para que a produtividade compense. Portanto devemos ter a noção
de que o Alqueva será muito importante para as áreas que influencia e
para a introdução das novas culturas, mas não para todo o Alentejo,
naturalmente.
Como vê as divergências na coligação?
Com muita preocupação. No momento em que estamos de aplicação do
programa da troika e de reformas estruturais para o país, o pior que
nos podia acontecer era o governo não se entender e irmos para
eleições antecipadas. As soluções devem ser encontradas no actual
quadro legislativo. Parece-nos também fundamental que haja uma
inversão de política e as divergências que estamos a ver estão
relacionadas com isso. Concordamos que a reforma que o governo
apresentou para o Estado tem algum mérito, mas parece-nos que insistir
no corte dos rendimentos dos pensionistas e dos trabalhadores é errado
e não contribui para a dinamização do mercado de emprego nem para a
manutenção do que ainda existe, contrariamente ao que sempre temos
defendido.
Isso inclui todos os pensionistas ou também diferencia os reformados
do Estado e os privados?
Defendemos rigorosamente o contrário. Que se libertem algumas verbas e
que se devolva algum dinheiro para que as pessoas tenham capacidade
para cumprir as suas obrigações financeiras e com isso poderem animar
o mercado interno.
Acha que o primeiro-ministro está à altura do desafio?
O governo deve estar à altura do desafio. E o primeiro-ministro, como
líder do governo, também tem de estar à altura desse desafio. É
preciso que o governo ultrapasse as divergências actuais e ganhe um
novo ânimo para os próximos dois anos.
A CAP acredita no discurso de Seguro como alternativa ao actual governo?
Julgo que a oposição do Partido Socialista é uma oposição importante
ao governo no sentido de se verificar que existem caminhos
alternativos e não um único, conforme em muitos casos o ministro das
Finanças e a troika querem fazer crer. Considero no entanto que
algumas das críticas feitas pelo PS ao governo carecem de propostas
alternativas concretas para podermos avaliar exactamente as
alternativas que o Partido Socialista coloca em contraponto com as
propostas do governo.
Na sua opinião, o aumento das maturidades pode ajudar a aliviar a
recessão em Portugal?
Alivia as maturidades terem sido prolongadas por mais sete anos. Mas
houve países, como a Espanha, que pagam menos juros. Era bom que
Portugal se colasse à negociação espanhola e conseguisse as mesmas
condições que eles conseguirem.
http://www.ionline.pt/artigos/dinheiro/joao-machado-sem-poder-compra-dos-reformados-nao-ha-consumo-interno
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