quinta-feira, 9 de maio de 2013

O paradigma das florestas em Portugal: Sem negócio, não há gestão nem proteção das florestas

Na última década, o rendimento empresarial líquido (REL) na
silvicultura (produção florestal), de acordo com as estatísticas do
INE (CES, 2010P), decresceu mais de 250 milhões de euros. Nos últimos
20 anos, o peso do Valor Acrescentado Bruto (VAB) da silvicultura no
VAB nacional decresceu de 1,2% em 1990, para 0,8% em 2000 e 0,4% em
2010 (provisório). O peso d o setor no Produto Interno Bruto
desvalorizou de 3,0% em 2000 para 1,8% em 2010.

No início dos anos 90, numa aula de mestrado em Economia Agrária, no
Instituto Superior de Agronomia, o Prof. Eugénio Castro Caldas fez uma
breve referência à gestão das florestas, alertando que a sua alegada
ausência não era mais do que uma adaptação das práticas silvícolas e
comerciais à inexistência de expectativas de negócio.

Em Portugal, numa situação ímpar a nível mundial, mais de 90% dos
espaços florestais estão na posse de centenas de milhares de
proprietários privados.

Durante décadas o discurso oficial tem associado o principal problema
dos espaços florestais em Portugal à alegada ausência da sua gestão.
Facilmente é reconhecido que a jusante e em resultado dessa "ausência"
advém uma mais fácil propagação dos incêndios florestais, flagelo que
tem tido impactos catastróficos aos níveis social, ambiental e
económico, bem como uma mais fácil proliferação de pragas e de doenças
(casos do pinhal bravo e montado de sobro).

O discurso tradicional tem sido recorrente entre florestais e
políticos, todavia enferma da simplicidade de uma visão meramente
tecnocrática: ambos associam as florestas apenas às árvores e não às
pessoas que as detêm. Será essa uma das justificativas para o
sistemático adiamento da conclusão do cadastro rústico, ou mesmo de um
parcelário florestal? Conhecidas minimamente as árvores, através do
Inventário Florestal Nacional, quem são os donos dos espaços que estas
ocupam em parte significativa do território (mais de 1/3)? Quem são
aqueles que têm efetivamente a responsabilidade de aplicar métodos
comerciais e princípios técnicos florestais na administração desses
espaços (conceito de gestão florestal de 1958 da Society of American
Foresters)? Mais ainda em espaços de produção lenhosa, associados ao
regime de minifúndio, onde são mais evidentes os efeitos dos incêndios
florestais. Quais são as expectativas destes proprietários rústicos e
quais os mecanismos mais adequados de intervenção em termos de
política setorial? Neste domínio, o País tem andado "às cegas".

O discurso tradicional tem de ser ajustado também a montante: só é
possível concretizar uma gestão florestal ativa, hoje necessariamente
sustentável, se existir rentabilidade no uso dos solos ocupados por
florestal, ou seja, se houver perspetivas para o negócio florestal,
negócio esse enquadrado pelos princípios que suportam a Economia
Verde, à qual as florestas dão aliás a cor, pela adoção de métodos
comerciais condizentes com as melhores técnicas conhecidas, suportadas
por adequados instrumentos de formação de preços na produção. Ora,
hoje isso não acontece: a silvicultura evidencia um declínio
progressivo, a par de um negócio florescente, em valor, para certos
setores da indústria florestal, a de menor peso económico e social
(por muitas certificações ambientais que possam evidenciar).

Mas, será este um assunto que deverá merecer mais atenção por parte da
Sociedade?

A par da importância económica das várias fileiras florestais, sempre
presente nos discursos, do relevo ambiental e social das florestas
para o País, os encargos suportados pela Sociedade decorrentes da
ausência de expectativas de negócio nas florestas, sobretudo em
minifúndio, têm sido elevadíssimos. Atente-se aos números. De acordo
com a estimativa "simplificada" do Manifesto Pela Floresta Contra a
Crise (Expresso, Economia, ed. 10/11/2012), que reúne como
subscritores um ex-Presidente da República, ex-ministros e
ex-secretários de Estado, de diferentes quadrantes políticos, o
prejuízo anual decorrente dos incêndios florestais, que só serão
atenuados por mecanismos de defesa associados à redução do risco do
negócio florestal, é superior a mil milhões de euros. Por outro lado,
a Plataforma para o Crescimento Sustentável, no seu Relatório para o
Crescimento Sustentável: uma visão pós-troika, publicado em dezembro
de 2012, alerta para o facto de, só na última década (pág. 122), terem
sido emitidas mais de 2,4 milhões de toneladas de dióxido de carbono
(CO2 eq.), desperdiçando-se mais do que o equivalente a 5,7 milhões de
barris de petróleo (estudos científicos desenvolvidos pelo ISA/UTL e
pela UTAD estimam valores de emissões 10 vezes superiores aos
apontados no Relatório).

Mais apoio ao fomento florestal, em novas arborizações ou
rearborizações, com eucalipto ou quaisquer outras espécies, descorando
o estímulo ao negócio silvícola, ou seja não criando mecanismos
credíveis para o apoio técnico e de mercado à produção florestal, pode
perspetivar uma ajuda no curto prazo à indústria, mas não será mais do
que lançar mais achas para a fogueira, ou melhor, queimar mais
dinheiro público.

Lisboa, 8 de maio de 2013

A Direção da Acréscimo

http://www.agroportal.pt/x/agronoticias/2013/05/09b.htm

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