DANIEL DEUSDADO
Publicado em 2014-03-27
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Entre as opções de curto prazo e longo prazo, normalmente ganham as primeiras. Sobretudo quando umas geram lucros de imediato e as outras requerem a sabedoria do tempo. O caso da continuada propagação do eucalipto em Portugal, no entanto, já tem algumas décadas de histórico para deixarmos de ser ingénuos.
Estamos a destruir o território das futuras gerações através de uma espécie de crescimento rápido, que gera dinheiro em vida a quem tem os terrenos, mas a comprometer gradualmente a base de biodiversidade que gera alimentação, saúde e riqueza sustentável. Porquê? Porque faltam as espécies arbóreas que demoram décadas a crescer e todo o ecossistema a elas associado. Plantar árvores de crescimento lento representa pensar em filhos e netos. Esse tipo de pensamento foi quase banido em épocas de crise pela sociedade e também pelo Governo.
Não é de espantar, portanto, que a Secretaria de Estado das Florestas esteja a incluir nos regulamentos de acesso aos fundos comunitários agrícolas/silvícolas, pacotes de financiamento até 40% a fundo perdido para investimentos em eucaliptos em cima de uma lei que já facilita a expansão desta espécie mesmo para terrenos agrícolas. Decisões impensáveis à luz dos últimos verões em que o país ardeu de forma devastadora, muito por consequência da monocultura do eucalipto não estar cercada de zonas "tampão" com agricultura ou espécies autóctones (como o castanheiro, sobreiro, carvalho, nogueiras, etc.) para travar o fogo.
A Quercus manifestou-se contra esta proposta do Governo na qual só encontra uma ponta benigna: que os montantes sejam usados em maus terrenos nacionais reaproveitados para eucaliptos, ou então, para a reconversão de eucaliptais de baixíssima produção, transformando-os em explorações mais rentáveis por hectare. Mas, diz a associação ambientalista, e bem, que o balanço final dos apoios comunitários não deveria traduzir-se no crescimento de área desta espécie exótica.
O Governo nunca se compromete com o princípio de não deixar aumentar o eucalipto e ele já é a principal espécie nacional, com mais de 25% da floresta continental. Obviamente, os financiamentos comunitários na silvicultura deveriam ir massivamente para árvores autóctones (como as referidas há pouco) e para apoio às zonas agrícolas.
Portugal exporta papel para todo o Mundo - vale 5% do total das exportações. A maior empresa do setor, a Soporcel, é a principal exportadora com valor acrescentado e fatura mais de 1,5 mil milhões de euros/ano. Ainda por cima, a capacidade nacional é tão grande que Portugal tem de importar matéria-prima para pôr a trabalhar as gigantescas fábricas cá instaladas. Há um forte lobby das celuloses a estimular a vertigem de um retângulo chamado Portugal como plataforma territorial desqualificada que alimenta uma das fileiras industriais mais agressivas, como é a do papel.
Isto não é só lucro - tem um preço, altíssimo. Ele está à vista com a absurda e radical mudança da paisagem, com a perda de ecossistemas que prejudicam em cadeia a produtividade agrícola e, sobretudo, com os fogos que arrancam do interior as pessoas que ainda lá vivem.
Não é possível continuarmos a exigir um país com agricultura sustentável e um turismo de qualidade se não atribuirmos estes tais fundos comunitários a projetos que cuidem do território e apoiem as pessoas que ainda não sucumbiram ao mais fácil: plantar desertos de eucaliptos e fugir para a cidade.
Os nossos agricultores, sobretudo os de montanha e do interior profundo, estão como os índios da Amazónia para o Mundo: toda a gente precisa deles mas ninguém quer pagar-lhes para que cuidem da nossa maior riqueza - da biodiversidade, das águas subterrâneas, ou do ciclo natural que começa e acaba nos rios. Estas linhas fluviais, nunca é de mais recordar, alimentam os oceanos e esse é o processo gerador da maior fonte de oxigénio do Planeta, superior à da própria floresta.
Nas últimas décadas temos vivido num país onde se quer tudo depressa. Na verdade, é um país liderado por tecnocratas de gabinete, repletos de certezas sobre milagres económicos que, constata-se depois, nunca são sustentáveis. Gastarem--se os novos fundos comunitários com modelos de "progresso" do passado é desesperante e sinistro.
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