OPINIÃO
Nos últimos anos multiplicaram-se e repetiram-se as queixas dos fornecedores da “Grande Distribuição” sobre abusos registados, nomeadamente na aquisição de produtos alimentares. Produtores de leite, horticultores e, sobretudo, a agro-indústria manifestaram publicamente a revolta por práticas de “descontos retroactivos” e outras “promoções à força” impostas pelos hipermercados. Após muita pressão pública, muitas manifestações e com o apoio generalizado do poder político, no passado dia 27 de Outubro foi publicado o Decreto-Lei que aprovou o regime aplicável às “práticas individuais restritivas do comércio”, a entrar em vigor a 25 de Fevereiro de 2014. Sinteticamente, a lei reforça multas já existentes e proíbe práticas abusivas que se implementaram nos últimos anos, exigindo por isso uma renegociação de todos os actuais contratos no prazo de um ano. Sobre esta temática, permitam-me as seguintes considerações:
1)Devemos salientar a iniciativa do actual governo e o apoio da oposição para finalmente avançar com legislação concreta que mexeu com o enorme poder económico da grande distribuição;
2) É preciso recordar e reconhecer o esforço visível dos agricultores que ao longo dos anos não se renderam à ditadura do mais forte, não se calaram, não se acobardaram nem desistiram, não deixaram a luta para os outros mas deixaram a “sua vidinha” e vieram para a rua lutar contra os preços esmagados pelos gigantes do nosso tempo;
3) Esperemos que esta legislação seja sinal e precedente de outros apoios á agricultura e industria, depois de anos abandonados face à moda do “enriquecimento rápido” adoptada em Portugal (Basta ver que os mais ricos do país são “comerciantes”), baseada na importação, nos serviços e na Banca e que esqueceu a “produção” de comida e de outras coisas, os “bens transaccionáveis”, que podemos vender e exportar, como alimentos, vestuário e calçado, por exemplo.
4) Um alerta: Agora não podemos baixar a guarda. Os vários agentes da “cadeia de valor”, do prado ao prato, os que estavam melhor e agora se sentem incomodados, vão querer, cada um por si, voltar a ganhar o máximo. É um direito que lhes assiste, desde que não o façam à custa da exploração e extinção dos agentes da cadeia que os precedem. Se agora as organizações agrícolas, nomeadamente as confederações agrícolas de maior dimensão esquecerem este assunto e deixarem que os abusos permaneçam serão co-responsáveis pelo esmagamento da produção agrícola.
5) Uma palavra aos responsáveis da agro-indústria e da distribuição: com regras mais claras, com mais transparência, desaparecem as tradicionais desculpas para “sacudir a água do capote” deitando a culpa de uns para os outros sempre que baixa o preço ao produtor; Agora nesta nova etapa, há que passar ao produtor o valor que se perdia nas “promoções impostas”.
6 ) Uma palavra aos consumidores: Se tudo correr como previsto, os supermercados deixarão de “oferecer” aos clientes as “promoções” que impunham aos fornecedores. À primeira vista, para vistas curtas, parece desagradável. Mas os consumidores têm de ter consciência que as “simpáticas promoções”, sendo uma experiência agradável no imediato, têm muitas vezes efeitos colaterais que estrangulam a produção, a economia rural e causam desemprego.
7) Uma última nota: Aproveitemos este “salto legislativo” e avancemos também para uma nova atitude da produção e transformação face à distribuição. Afinal, foi possível passar o “adamastor”. Deixemos portanto de diabolizar a “Distribuição” e as pessoas que lá trabalham. São pessoas que agem num mercado livre, que buscam um lucro que é justo e que parecem ter-se excedido aproveitando a falta de acção e união de produtores e transformadores. São empresas essenciais para o abastecimento, de forma eficiente, de uma parte cada vez mais significativa da população. Sejamos portanto capazes de avançar para códigos de boas práticas e para acordos de preferência nacional/local, porque o dinheiro que a distribuição injectar na economia nacional/local voltará às caixas do supermercado sob a forma de consumo.
Não poderemos sobreviver se formos espremidos pela distribuição mas também não poderemos vender ao consumidor português sem passar pela dita distribuição. Sejamos portanto capazes de exigir respeito mas também lançar pontes sólidas e construir uma relação adulta, equilibrada, onde todos tenham voz e onde possam ganhar todos.
Carlos Neves
(*) Publicado no “Terras do Ave” em 20-2-2014
1 comentário:
Muitos parabéns Sr. Carlos Neves, são sábias as suas palavras!
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