2013.10.14 (00:00) Açores
Nos Açores, é difícil produzir em quantidade e com rentabilidade, os
transportes dificultam a exportação e o preço é, normalmente, elevado.
Mas que o produto agrícola açoriano é bom e tem um grande potencial de
marca, disso quase ninguém duvida.
Por isso, mais do que apoios, que até se deverão manter mesmo em tempo
de crise financeira, o que falta neste momento ao setor agrícola nos
Açores é uma maior organização interprofissional, um organismo - como
o Centro do Leite e Laticínios que há anos não sai do papel, com este
ou outro nome - que consiga juntar à mesma mesa sem posições radicais
ou estanques a produção, a indústria e até a distribuição.
Isto para, não só rentabilizar melhor toda a cadeia, desde a extração
do leite da vaca até ao momento em que é servido à mesa do consumidor
final, por exemplo, como também para reunir esforços visando a sempre
difícil abertura de portas para a exportação.
Esta foi uma das ideias mais transversais saídas da quarta conferência
- de um ciclo de seis - organizada ontem pelo Açoriano Oriental na
Universidade dos Açores, em Ponta Delgada e que teve como tema a
Agricultura no Horizonte 2025. Uma ideia defendida desde logo pelo
primeiro orador e consultor da conferência, Fernando Lopes, da
Universidade dos Açores, que deu à sala onde estavam presentes muitas
caras conhecidas ligadas ao setor agrícola nos Açores uma visão geral
da agricultura na Região.
Mas como a agricultura e, sobretudo, a formação dos preços, não vive
sem apoios e porque o novo POSEI no horizonte 2014/2020 - que garante
sensivelmente a mesma verba do último Quadro Comunitário de Apoio,
cerca de 77 milhões de euros/ano para os Açores - vai entrar em
discussão pública, o secretário regional dos Recursos Naturais, Luís
Neto Viveiros, lançou também ontem um apelo à ampla participação de
todo o setor agrícola nesse debate.
Isto para que a regulamentação do POSEI, dos produtos que serão
apoiados e das verbas a atribuir a cada um deles seja o mais
consensual e participada possível. Na intervenção com que abriu a
conferência do AçorianoOriental, Luís Neto Viveiros começou por
salientar a importância deste debate que agora se lança porque serão
as decisões políticas que agora se irão tomar que serão determinantes
para os próximos sete anos do setor agrícola nos Açores, um setor que,
salientou, tem resistido bem à crise e tem conseguido ter na Região um
crescimento sustentável. Um crescimento que, no entender do secretário
regional, terá de ser apoiado agora e cada vez mais na vertente da
inovação e da manutenção da qualidade ambiental da agricultura
açoriana.
Logo a seguir, Fernando Lopes lembrou que, desde a década de 1960, os
Açores perderam muita da população diretamente ligada à agricultura,
embora as explorações tenham hoje muito mais produção do que tinham
antigamente. No entanto, salienta, por cada jovem agricultor, há hoje
seis a sete agricultores com mais de 55 anos, em explorações
essencialmente familiares. A 'pirâmide agrícola' açoriana está assim,
alerta Fernando Lopes, com 'pés de barro'.
Outro problema, para o professor da Universidade dos Açores e que já
foi secretário regional da Agricultura, é o da falta de formação no
setor agrícola - feita essencialmente de pais para filhos nas
explorações - e que, apesar dos esforços que têm sido feitos, ainda é
hoje em dia um dos setores de atividade onde mais se nota o abandono
escolar. "O futuro está comprometido", alertou Fernando Lopes, que não
deixou de apontar ao dedo à própria Universidade dos Açores, cujo
Departamento de Ciência Agrárias, no seu entender, nunca conseguiu
formar os quadros de que a Região tanto necessita, embora tenha
formado muitas pessoas para a Administração Regional ou para o ensino.
Contudo, a maioria destes técnicos não enveredou pela carreira de
empresário agrícola. E apelou a uma maior oferta de ensino
profissional nessa área.
A fechar o período da manhã, João Lança, presidente do Instituto de
Alimentação e Mercados Agrícolas (IAMA), fez um historial das várias
reformas da Política Agrícola Comum (PAC) nos últimos 20 anos, para
lembrar como é difícil fazer previsões neste setor perante um quadro
legislativo europeu que se tem pautado por uma grande instabilidade.
As reformas sucederam-se: cinco reformas entre 1992 até se chegar ao
ponto em que estamos. Nos Açores, o Poseima, primeiro e o Posei,
depois, impediram sempre que algumas reformas mais polémicas na
agricultura europeia chegassem à Região. E num cenário de manutenção
do envelope financeira para o próximo Quadro Comunitário de Apoio,
João Lança alertou, tal como já o havia feito Luís Neto Viveiros, para
a importância de se aproveitar a discussão pública do Posei, que agora
se vai abrir, para definir bem as prioridades para o futuro.
E quer João Lança, quer Fernando Lopes, foram da opinião que não deve
partir do Governo a definição das prioridades, mas sim daquilo que os
mercados estão a pedir e do que os agricultores entenderem que lhes
pode trazer maior rentabilidade e futuro. Isto porque a mudança do
modelo agrícola açoriano não se pode fazer somente com um decreto. Uma
das questões faladas durante os períodos de debate da conferência, foi
a do papel das cooperativas, com bastante força em São Miguel e
Terceira e com dificuldades, sobretudo financeiras, nas restantes
ilhas. Foi lembrada a importância da opção política de manter
cooperativas em ilhas pequenas quando, de outra forma, o setor não se
organizaria e falou-se também da possibilidade de uma maior
responsabilização dos agricultores nas cooperativas, através do
investimento de capital próprio, que trave o recursos sistemático à
banca, cujos encargos agora 'asfixiam' financeiramente as
cooperativas.
À tarde, a conferência teve dois painéis: o primeiro sobre os setores
não tradicionais e o segundo sobre os setores tradicionais. Fernando
Sieuve de Menezes, presidente da cooperativa Fruter, falou da
exploração dos setores hortícola e frutícola nos Açores e de um outro
produto da diversificação agrícola - as flores - como um exemplo de
sucesso na exportação mas, precisamente nessa área, apresentou a sua
maior crítica: os transportes marítimos e aéreos são caros e
desadequados a quem exporta produtos agrícolas nos Açores, fazendo com
que o produto chegue caro ao destino e com que, por vezes, se percam
mesmo alguns negócios. E voltou a afirmar a necessidade de haver um
avião cargueiro nos Açores.
Cargueiro que, como alertou o orador seguinte, Paulo Neves,
diretor-geral da INSCO, a empresa que gere as lojas Continente nos
Açores, tanto pode abrir as portas à exportação açoriana, como tornar
a Região ainda mais vulnerável às importações, porque os aviões não
regressarão vazios aos Açores. Dando a visão da grande distribuição,
Paulo Neves lembrou que muitas coisas mudaram desde 2008 nos hábitos
dos consumidores e que hoje, mais do que nunca, o que conta é o fator
preço: "não pagamos mais pelo que não precisamos de pagar", afirmou.
Paulo Neves alertou os produtores açorianos para a necessidade de
terem boas políticas de preços - porque a qualidade do produto
açoriano não vende só por si - e afirmou que, se por um lado, ainda só
26 por cento das compras da INSCO são de produtos agrícolas regionais,
com tendência para aumentar desde que se criou o Clube dos Produtores
há, por outro lado, 74 por cento de compras que o mercado de
consumidores açoriano absorve e que podem ser preenchidas pelos
produtores regionais, logo que apresentem um produto mais competitivo.
No painel dedicado aos setores tradicionais, Eugénio Câmara deu a
visão de um jovem agricultor sobre o futuro da produção de leite nos
Açores. E traçou o modelo do que entende ser a exploração agrícola do
futuro na Região: uma exploração emparcelada, com cerca de 60 vacas em
pastoreio permanente (para salientar o caráter 'verde' da agricultura
açoriana) recorrendo ao suplemento alimentar apenas no necessário, com
melhor gestão, genética e maquinaria adaptada ao maneio de cada
exploração e mantendo o espírito familiar.
Por fim, falou Pedro Pimentel, diretor geral da CentroMarca, que
durante muitos anos esteve na Associação Nacional dos Industriais da
Laticínios, conhecendo, por isso, muito bem os Açores. Pedro Pimentel
afirmou que a carne, os laticínios, o peixe e as conservas são
produtos açorianos com valor acrescentado em qualquer mercado - estão
mesmo em alta nos mercados internacionais - podendo assegurar um
futuro auspicioso à agricultura açoriana. Lembrou que exportar é
difícil e, por isso, apelou à união de esforços nos Açores, concluindo
que o turismo pode ser um fator importante na divulgação dos produtos
açorianos. Ou seja, trazendo as pessoas a prová-los nos Açores, em vez
de se levar os produtos açorianos aos seus países de origem.
FONTE: Açoriano Oriental
http://www.anilact.pt/informacao-74/8344-agricultura-e-valor-seguro-ao-qual-so-falta-mais-organizacao
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