quarta-feira, 23 de outubro de 2013

Plantar petróleo? Não obrigada!

ANA MARTA PAZ


Todos os relatórios da Organização das Nações Unidas para a
Alimentação e Agricultura atribuem o aumento mundial de preço dos bens
alimentares à sua procura pela indústria dos biocombustíveis

18:28 Terça feira, 15 de Outubro de 2013 |

A Comissão Europeia reconheceu os graves impactos ambientais e sociais
dos biocombustíveis provenientes de bens agrícolas e apresentou uma
proposta para limitar o seu consumo. Em sentido diametralmente oposto,
surge a recente campanha da Associação Portuguesa de Produtores de
Biodiesel: "Se não há petróleo em Portugal, planta-se".

Comecemos na Diretiva de Energias Renováveis de 2009, que estabeleceu
a meta de 10% de renováveis no setor dos transportes até 2020. Esta
diretiva levou ao desenvolvimento da indústria do bioetanol e,
principalmente, de biodiesel na Europa. A grande parte dos
biocombustíveis são de 1ª geração, ou seja, produzidos a partir de
bens agrícolas como óleos de colza, soja, palma e girassol, utilizados
na produção de biodiesel, ou trigo, milho e cana-de-açúcar, utilizados
na produção de bioetanol.

Em Portugal, a obrigatoriedade de incorporação de biocombustíveis
traduz-se na presença de 7% de biodiesel no gasóleo comercializado, e
existem cinco fábricas de biodiesel que importam a quase totalidade
dos óleos vegetais utilizados como matéria-prima.

Mas porque é afinal tão errado apoiar a "plantação" de
biocombustíveis, tão errado que a Comissão vem propor a alteração da
Diretiva de Energias Renováveis?

Os biocombustíveis provenientes de bens agrícolas são maus para a
alimentação. Todos os relatórios da Organização das Nações Unidas para
a Alimentação e Agricultura (FAO) atribuem o aumento mundial de preço
dos bens alimentares à sua procura pela a indústria dos
biocombustíveis. Os efeitos deste aumento fazem-se sentir com
intensidade variável afetando mais severamente as populações mais
pobres.

Os biocombustíveis provenientes de bens agrícolas não são bons para a
agricultura portuguesa. Devido a condições edafoclimáticas adversas e
escassez de água para regadio, Portugal não consegue suprir as
necessidades alimentares em oleaginosas sem recorrer a importações.
Como poderemos dedicar os nossos recursos escassos, que não chegam
para produzir comida, para produzir biodiesel?

Os biocombustíveis nem sempre são bons para o ambiente. A bioenergia é
neutra em emissões de carbono, porque o dióxido de carbono libertado
durante a combustão é novamente fixado durante o crescimento das
plantas. No entanto, uma cadeia de produção de biocombustíveis inclui
outros processos que emitem gases com efeito de estufa: operações de
cultivo, fertilização, transporte, processamento e alterações de uso
do solo. A alteração de uso do solo necessária para instalar uma
cultura implica a eliminação direta ou indireta de um coberto natural
(floresta, mato ou pasto espontâneo). As paisagens naturais são
reservatórios de gases de efeito de estufa: guardam-nos nos solos não
revolvidos, na biomassa aérea e do subsolo.

A procura mundial de óleos vegetais cria especial pressão sobre os
cobertos de floresta tropical cuja eliminação, para além das graves
repercussões sociais e de perda de património natural, resulta em
elevadas emissões de gases com efeito de estufa. É devido às
alterações de uso do solo que o biodiesel produzido a partir de soja
cultivada no Brasil pode ter emissões de gases de efeito de estufa
mais de duas vezes superiores às do gasóleo fóssil que pretende
substituir.

Existem alternativas comerciais aos biocombustíveis produzidos a
partir de bens agrícolas, exemplos são o biodiesel a partir de óleo
usado ou de produtos secundários da indústria agroalimentar e o biogás
a partir de resíduos orgânicos. Aguardam-se desenvolvimentos que
permitam a viabilidade da nova geração de biocombustíveis produzidos a
partir de materiais lenho celulósicos ou de algas que não competem com
comida nem com solo agrícola.

No entanto, não será possível satisfazer o grau de consumo energético
atual de forma sustentável. A estratégia política terá necessariamente
de passar pela promoção da alteração de comportamento e pelo aumento
da eficiência energética, medidas com menor custo por unidade de
redução de emissões de gases de efeito de estufa do que a atual
política europeia de apoio aos biocombustíveis.

A proposta de alteração da Comissão propunha a imposição de um limite
de 5% aos biocombustíveis de 1ª geração e a introdução nos critérios
de sustentabilidade das alterações indiretas de usos do solo. A
votação no Parlamento Europeu aumentou esse limite para 6% e aprovou a
contabilização das alterações indiretas de uso do solo apenas a partir
de 2015. Resta agora conhecer a posição do Conselho, que reúne os
ministros do setor de todos os Estados Membros, sabendo que na
primeira reunião Portugal se mostrou contra as alterações. Para
aprovação da nova proposta é necessário consenso do Parlamento e
Conselho.



Ana Marta Paz
Direção Nacional da LPN
Engenheira Agrónoma
Doutorada em Engenharia Energética e do Ambiente


http://visao.sapo.pt/plantar-petroleo-nao-obrigada=f753195

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