segunda-feira, 20 de janeiro de 2014

Especialistas querem autorregulação entre fornecedores e distribuição

Provável excesso de litigância provocado pela nova lei sobre as práticas restritivas do comércio pode ser prejudicial ao mercado, alertaram os oradores de uma conferência organizada pela Centromarca
Adriano Nobre
15:00 Sexta feira, 17 de janeiro de 2014

A entrada em vigor da nova Lei das práticas individuais restritivas do comércio promete aumentar a litigância entre os vários atores da cadeia agro-alimentar. A constatação é comum a governantes, operadores e analistas, que apontam para uma solução natural: só a autorregulação pode permitir que o mercado funcione sem ruído.

O novo diploma tem sido contestado pelos operadores de retalho, sobretudo devido ao novo teto máximo das multas a aplicar por vendas abaixo do preço de custo - que sobem para 2,5 milhões - e às maiores restrições impostas aos supermercados e hipermercados na definição de estratégias de descontos cujos custos incidam nos fornecedores.

Durante uma conferência organizada pela Centromarca, realizada esta manhã em Lisboa, Gonçalo Anastácio, advogado da SRS, rebateu as críticas sobre um alegado "intervencionismo excessivo" do Estado nas relações entre produtores e distribuidores, defendendo que "só com regulação é possível assegurar que os vários atores agem livremente". "Não podemos conviver bem com a existência de regras que não são aplicadas", disse, numa alusão ao anterior diploma que regulava estas matérias, e que datava de 1993. Mas se o novo diploma era necessário, o advogado também admite que "para que se evite excessiva litigância será bom que exista entendimento em seio de auto-regulação".

No final dos trabalhos, o secretário de Estado da Economia, Leonardo Mathias, subscreveu esta posição, defendendo que "devem ser privilegiadas soluções de índole consensual". "Tem de haver compromissos entre as partes para que se cumpram determinadas regras", apelou, recordando que o diploma que entra em vigor no final de fevereiro "aponta no sentido" da auto-regulação.

Na abertura dos trabalhos, o secretário de Estado da Agricultura, José Diogo Albuquerque, já tinha garantido o objetivo de "promover um código de boas práticas" entre todos os elos da cadeia. "Teria preferido um código desses em vez da legislação. Mas este foi um passo necessário e mais pragmático para melhorar a cadeia agro-alimentar".

Da parte da Centromarca, João Paulo Girbal garantiu que o organismo - que representa os produtores de marcas - está "totalmente empenhada na construção" de um código que permita auto-regulação, algo que considerou "importante para trazer eficiência" ao mercado.

Dúvidas e críticas

Apesar deste consenso no apelo ao consenso, o novo diploma não deixou, ainda assim, de ser alvo de críticas. Por um lado, pelo facto de a ASAE, que até aqui só fiscalizava eventuais incumprimentos, passar a ter competências acrescidas de aplicação de multas. Uma situação que o próprio presidente da ASAE, Pedro Portugal Gaspar, admite que traz "desafios" ao nível da definição de jurisdições com entidades como a Autoridade da Concorrência.

A escassez de recursos da ASAE e a necessidade de esta entidade passar a ter de ser especialista em direito de concorrência para poder usar as competências que agora lhe foram atribuídas nesta área, foram outros desafios elencados ao longo dos trabalhos.

Mas também a própria redação da Lei foi alvo de críticas, nomeadamente por parte do advogado Miguel Sousa Ferro, que confessou ainda ter "dificuldade em compreender" o documento depois de o ter analisado. Entre algumas das críticas que apontou esteve o facto de a lei "colocar as empresas portuguesas em desvantagem" concorrencial por excluir do seu âmbito de aplicação empresas estrangeiras ou a eventual inconstitucionalidade do novo teto máximo para as coimas, que representa "uma variação de 600 vezes face à multa mínima".

Mas também o artigo que tenta regular as promoções e descontos acumulados em cartões foi criticado por Miguel Sousa Ferro. "Passei o dia todo a tentar perceber o que é que este artigo quer dizer e como pode ser implementado. Se alguém souber que mo diga", ironizou, depois de já ter defendido que os advogados estarão entre os principais beneficiados com a aprovação desta lei. 


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