terça-feira, 17 de abril de 2012

10 tendências de consumo dos alimentos

17 de Abril de 2012 às 13:06:18 por Rita Gonçalves


Carlos Liz, investigador do consumo há mais de 30 anos, resume as 10
grandes tendências do sector alimentar em Portugal. O resultado é
original e contra-corrente

1. Valorizar o que está próximo

Se há uma tendência de fundo na sociedade portuguesa é a deslocação da
maneira de dar importância às coisas do muito grande para o muito
pequeno. Complicado? Nem por isso. Quanto maior é a dificuldade em
saber ler a realidade, que anda muito depressa, é instável,
contraditória e até ameaçadora, mais as pessoas sentem necessidade de
valorizar o que está próximo, onde encontram as suas verdades para
tomar as decisões do dia-a-dia e sentirem-se equilibradas. Esta
deslocação do global para o individual não se traduz em individualismo
ou egoísmo, mas sim na necessidade de, perante a incerteza macro,
encontrar algumas certezas pessoais e um sentido para a vida. Um bom
exemplo é o crescimento do fenómeno dos livros de auto-ajuda.
Desenvolver aquilo de depende da nossa própria atitude.

2. Alimentar a vida

Um dos mercados que mais tem crescido à boleia desta tendência é
precisamente o alimentar. Porque os consumidores precisam de se
alimentar bem para enfrentar este mundo tão competitivo.

E porque têm voz activa sobre os alimentos. Podem não saber discutir
um tema filosófico, mas sabem falar sobre o que comem e o que dão de
comer. É isto que explica a crescente procura por receitas de
culinária e o mediatismo dos chefes de cozinha, que hoje rivaliza com
actores, artistas e políticos.

Atentas, algumas indústrias alimentares já começaram a fazer este
exercício: a deslocar a forma de ver o consumidor do domínio do
racional para o emocional. Para o domínio das coisas que as pessoas
mais valorizam, que as deixa mais gratificadas e preenchidas. Onde
mais se revelam e relacionam: à volta da comida. Esta verdade
antropológica ao longo dos séculos nunca foi tão verdade como agora. O
caracter simbólico do alimentar transforma-se num verdadeiro
fornecedor de sentido para a vida, muito mais do que sentido para o
corpo, para o prazer imediato.

As pessoas contam histórias sobre comida e os seus olhos brilham
quando partilham os feitos culinários.

Assim, não é exagerado afirmar que, mais do que o cumprimento das
funções físicas, os alimentos estão a cumprir funções espirituais. O
alimentar está a pôr-se a jeito para se transformar no tema sobre o
qual os consumidores constroem as coisas que são verdadeiramente
importantes na vida.

3. Marcas contam histórias

Esta travessia para o domínio do simbólico tem elevadas implicações
nas estratégias de marketing das marcas alimentares. Porque significa
que as marcas têm se ser construídas em torno desta capacidade de
perceber que, quando um consumidor olha para um produto, vê também a
história que este traz consigo. A publicidade do azeite Oliveira da
Serra é um bom exemplo disso. As peças comerciais transportam os
consumidores para os campos agrícolas sem fim à vista do Alentejo,
para um lagar perdido no meio do campo de oliveiras, onde chovem
azeitonas. São quase peças literárias que enriquecem a forma de ver a
vida.

Esta matéria do simbólico está sub-aproveitada pelas marcas. A
discussão está regra geral centrada numa agenda que não é a do
consumidor. É a agenda dos concorrentes, da saúde, do bem-estar e, por
exemplo, de aspectos de controlo sanitário e alimentar que, apesar de
serem muito importantes, são dados adquiridos para o consumidor. "Os
donos das marcas têm uma espécie de consciência desnecessária e
colocam na sua comunicação temas que o consumidor deu por resolvido e
o que poderia ser dito em letras pequenas torna-se tópico de
comunicação".

4. Comer no tabuleiro

A vida contemporânea fez nascer uma saudável desordem do tempo e do
espaço no consumo alimentar, descreve Carlos Liz. Os consumidores
criam os seus próprios ritmos alimentares como, por exemplo, comer de
três em três horas, ou comer de tabuleiro à frente de um ecrã de PC,
tablet ou telefone, hábitos bem diferentes da ordem anterior com
grande focalização e picos ao longo do dia. A nova ordem desordenada
torna obsoletas algumas peças de comunicação que mostram famílias
reunidas à mesa numa hora que se supõe serem oito da noite em ponto.
Não só porque a vida real é cada vez menos assim, como porque é assim
sem culpa nem pena. As pessoas criam os seus próprios ritmos
alimentares em função do próprio ritmo da sua vida. E não se sentem
culpadas. Trata-se de uma desordem espacial porque as pessoas comem
onde mais lhes convém (na sala, no quarto ou no escritório) e uma
desordem temporal, porque os novos horários não são compatíveis com a
ordem antiga. Esta desordem é um aspecto saudável da vida
contemporânea e os alimentos têm de saber acompanhá-la.

5. Novas utilizações da comida

Esta desestruturação dos horários e dos locais onde comemos está a
trazer para cima da mesa novas utilizações e adaptações da comida. As
marcas que ainda fazem os seus produtos à medida da ordem antiga têm
de se adaptar à nova realidade. Este desajustamento vê-se nas doses e
formatos, nas formas de combinar os alimentos, na conservação dos
alimentos e na própria comunicação, "quase moralista".

As indústrias alimentares precisam de ganhar agilidade, de abrir o
espírito, de compreender "este jogo de geometrias variáveis de que é
feita a vida das pessoas", e desenhar alimentos, com certeza
saudáveis, mas adaptados à nova realidade.

6. Reutilizar os alimentos

A reutilização dos alimentos é uma tendência desaproveitada em
Portugal. Para que os consumidores possam adaptar melhor as refeições
ao estilo de vida, os alimentos precisam de ser mais modulares e
oferecer meios de conservação que possibilitem a sua reutilização.
Como se a refeição fosse uma espécie de puzzle e o cozinheiro pudesse
montá-lo a seu bel-prazer, misturando ingredientes a gosto. "A
indústria alimentar está mais preocupada com os alimentos do que com
as pessoas. Desenha alimentos para pessoas que já não são assim. E
isso dá mau resultado porque os consumidores vão encontrando soluções
por conta própria. A indústria só consegue produzir valor se perceber
o que está a acontecer".

7. A arte do simbólico

Há uma certa batalha entre o domínio funcional e simbólico dos
alimentos. Quanto menos as marcas investirem no seu valor, significado
e na densidade emocional dos alimentos, mais ganha a função biológica,
simplesmente comer. É isto que distingue as marcas brancas, sobretudo
na sua versão inicial, dos produtos de marca. As marcas brancas
cumprem o super básico. Um produto de marca oferece valor. As marcas
de cerveja são um bom exemplo disso. As duas principais marcas
portuguesas dominam porque os consumidores compram a história, o
valor, a qualidade e o simbolismo destas marcas.

Quanto mais as empresas se reduzirem ao básico, menos valor terão os
produtos e mais barato serão. "A indústria queixa-se de estar a ser
ultrapassada pelas marcas da distribuição mas muitas vezes é porque
não faz o trabalho de casa". Nivela a estratégia a partir de
parâmetros "pseudo-racionais", como se os seres humanos fossem
exclusivamente racionais e imunes às emoções. Os consumidores estão,
sim, mais lúcidos, o que é muito diferente. O racional faz as contas
livre de qualquer sentimento. O lúcido incorpora a emoção na decisão,
continuando a comprar as marcas que gosta e lhe oferecem valor.

8. Apropriação das coisas

Mais lúcido, o consumidor compra menos automaticamente e com mais
sentido. Quer ser personagem da história que um rótulo conta e tirar o
máximo partido dos alimentos. Quer que as embalagens exibam o "mode
d'emploi". Que explique não só como se consome o alimento em boas
condições mas que ofereça mais, como sugestões de compaginação e dicas
e truques que estimulem a imaginação e permitam criações únicas. Saber
para que serve e como utilizar é elementar, o consumidor não se
importa de saber mais. É no fundo pôr o consumidor a apropriar-se da
marca.

Há poucas coisas na vida onde podemos brilhar. A comida é uma delas. E
cada vez mais. Com menos dinheiro na carteira, as pessoas trazem a
experiência do restaurante para casa. Juntam ingredientes básicos e
gourmet para criar algo único que depois querem partilhar com os
amigos. As marcas inteligentes não vendem apenas a embalagem mas
também a possibilidade de divulgar as criações e partilhá-las com os
outros.

9. Comida é design

Os alimentos deixaram de ser meros cumpridores das necessidades
básicas. São mesmo em algumas situações verdadeiras peças de design.
Jarras, taças e outros objectos de exposição cheios de fruta passaram
a fazer parte da decoração do lar. E os pratos são decorados com tal
mestria que muitas vezes lembram verdadeiras obras de arte. Esta
rentabilização da compra em criação de ambiente multi-sensorial é mais
um tópico de comunicação para as marcas.

10. Ser português não chega

Ser português, por si só, não chega para levar à compra de um produto.
Nesta altura de crise, o discurso de portugalidade até pode ajudar.
Porque os consumidores acreditam que ao comprar português, produtos
feitos de acordo com a cultura e hábitos locais, correm menos riscos
no processo de decisão. E até porque contribui para a economia do País
e criação de postos de trabalho. Mas, se, lado a lado numa prateleira,
estiverem dois produtos idênticos, um produzido em Portugal e outro
nos estrangeiro, os consumidores são "obrigados" a optar pelo mais
barato, a não ser que as marcas portuguesas criem narrativas que
perturbem o processo de decisão mais imediato. A campanha "frutologia"
da Compal é o exemplo mais recente de como ser português faz toda a
diferença para o consumidor.

http://www.hipersuper.pt/2012/04/17/10-tendencias-de-consumo-dos-alimentos/

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