quinta-feira, 12 de abril de 2012

Marta Baptista, investigadora - Quanto mais sofisticada é uma sociedade mais forte é a atracção pela terra

A aproximação à natureza é uma tendência que está a crescer, entende
Marta Baptista, para quem a agricultura tem grandes potencialidades,
designadamente em termos de emprego qualificado. A investigadora em
melhoramento de plantas lamenta ainda que, durante anos, a
investigação e a inovação não tenham tido o apoio que merecem.

A agricultura tem sido encarada como o parente pobre da economia nacional?
Os programas de incentivo com capitais europeus até foram geridos por
bons profissionais, conheci muitas pessoas competentes e interessadas
nos últimos anos. Mas olhando para as opções estratégicas dos últimos
governos, incluindo este, gostaria de ver muito mais aposta na
agricultura. Trata-se de um sector que produz bens primários, que
serão sempre essenciais. Portugal tem condições excelentes para fazer
horticultura da melhor qualidade e de valor acrescentado. Há imensos
anos que se fala em projectos piloto, nomeadamente para o alto
Alentejo, mas na verdade a aposta e as ajudas têm sido muito poucas.
Tendo em conta o nosso clima e os nossos recursos, sim, tem havido
oportunidades desperdiçadas. Tem-nos valido o empreendedorismo de
alguns empresários nacionais e estrangeiros.
Acredita que o sector tem potencial para criar e manter empregos
qualificados em Portugal?

Absolutamente. Há recursos por explorar, há oportunidade para criar
uma agricultura de valor acrescentado e altamente competitiva, que
precisa de técnicos de elevadíssimo nível, com uma formação
transversal em várias áreas técnico-científicas. Por exemplo, a
agricultura que está a ser feita no litoral alentejano, onde há quatro
ou cinco empresas grandes dedicadas à agricultura de elevada
qualidade, destinada aos mercados de exportação, contribuiu, de
maneira claríssima, para atrair jovens qualificados, das cidades, e
fixá-los numa região despovoada e empobrecida.
Os jovens têm consciência dessas potencialidades da agricultura?
Ainda não. Há desconhecimento. E continua a haver o preconceito de que
a agricultura está morta, não tem futuro e nunca possibilitará um
trabalho que nos possa realizar.
O presidente da CAP disse recentemente que "hoje, ao contrário do que
a maioria da população portuguesa pensa, a agricultura é
desenvolvimento, tecnologia, investigação ou marketing". Concorda?
Com certeza. Estes são hoje factores de produção tão importantes como
o solo, a água ou o adubo. É preciso inovação, marketing. Se vamos
fazer um produto agrícola, a primeira coisa a definir é onde o iremos
vender. É isto que digo sempre aos meus colegas e aos jovens que
querem tornar-se agricultores. E devo dizer que, desde o início da
crise financeira, tem aparecido imensa gente a querer apostar no
sector primário, incluindo pessoas da finança e da especulação, que
assim procuram diversificar as suas apostas.
Uma das condicionantes à competitividade da agricultura nacional é a
pequena dimensão das propriedades e a dificuldade de aceder à terra.
Com vê esta situação?
Penso que uma das razões pelas quais há bolsas de relativo sucesso na
horticultura, que implica intensidade de recursos, é o facto de as
terras dessas zonas pertencerem à Reserva Agrícola Nacional, que as
defende de uma certa pressão e especulação imobiliária.
O que pensa da criação de uma bolsa de terras, recentemente aprovada
pelo Governo?
O acesso à terra é caro. Há zonas de muito potencial no nosso País,
mas que tanto são propícias à produção hortícola de elevada qualidade
como à vida urbanizada. Acho muito positivo que haja instrumentos para
proteger o acesso à terra.
Que diferenças pode apontar entre a forma como se faz agricultura em
Portugal e noutros países que conheça?
Poucas. Hoje em dia a horticultura mais tecnológica, por exemplo, é
tão avançada aqui como noutros países europeus.
Portugal importa ainda mais de metade daquilo que come. Estamos
conscientes da necessidade de alterar este cenário?
Não totalmente. Portugal nunca vai poder produzir o suficiente de
certos alimentos de base de que necessita. Refiro-me nomeadamente aos
cereais, porque não temos essa aptidão. Mas podemos exportar valor
equivalente ou superior ao que temos de importar desses produtos,
equilibrando assim a balança agrícola. Não vale a pena tentar produzir
de tudo, mas antes apostar naquilo para que temos aptidão e excelentes
condições, usando isso a nosso favor.
Depois de anos de desinvestimento e de abandono, nota-se já alguma recuperação?
Sim. Nos últimos dois quadros comunitários de apoio houve incentivos a
uma agricultura diferente, que não a cerealífera ou frutífera
tradicional, de baixos rendimentos. Passou a valorizar-se o produto
com qualidade, que podia trazer uma diferenciação e algo de novo.
Penso que houve uma inversão das políticas de incentivo à não
produção, praticadas pela União Europeia há uns anos.
Quais as maiores potencialidades agrícolas do País?
A fruticultura e a horticultura. Podíamos ainda apostar em muitas
variedades frutíferas, como o figo, diospiro, ameixa. Também podíamos
produzir mais peixe em viveiros abertos, este é o nosso grande recurso
não explorado. Sem esquecer os produtos de nicho, de grande qualidade,
como os cogumelos.
E os principais constrangimentos?
O acesso ao crédito por parte dos empresários agrícolas. É uma
diferença competitiva brutal relativamente a outros países da União
Europeia. Também a falta de associativismo do tecido agrícola. As
pessoas não se unem o suficiente e, como tal, o lobby nunca poderá dar
os frutos que dá noutros países. E a falta de consciência, por parte
da classe política, de que a agricultura é uma aposta com futuro.
A sociedade desvaloriza as profissões ligadas à terra?
Essa ideia foi-me transmitida pelo tecido social em que vivia, mas não
a senti quando fui para o Alentejo nem a sinto hoje. Pelo contrário.
Quanto mais sofisticada é uma sociedade, mais forte parece a atracção
das pessoas pelo retorno à terra, pelo natural, pelo produto fresco.
Isso está na moda e vai valorizar o trabalho das pessoas que lidam com
a terra. Há uns anos, para pessoas novas, era impensável instalarem-se
numa cidade pequena, ou numa zona rural e desenvolverem aí a sua
actividade. Hoje já não é assim. Há uma franja da população que é
atraída por este estilo de vida.
Investigar para fazer as framboesas "mais saborosas do mundo"
Marta Baptista percebeu cedo que queria uma profissão ligada às
plantas ou aos animais e, por isso, o curso de engenharia agronómica
"surgiu como a escolha natural". Licenciou-se no Instituto Superior de
Agronomia da Universidade Técnica de Lisboa e aos 24 anos foi
trabalhar numa quinta da Estação Agronómica Nacional em Fataca, no
Alentejo, na área da investigação em pequenos frutos. Depois ingressou
na Driscoll's, na zona da Zambujeira do Mar, tendo desenvolvido várias
funções nesta empresa de origem americana. Com 34 anos, trabalha agora
na mesma empresa mas em Tavira, sendo Responsável pelo Desenvolvimento
de Variedades (framboesas, amoras e mirtilos) da Driscoll's of Europe.
O trabalho implica milhares de testes, cruzando variedades, por forma
a obter os melhores resultados. "Contribuir para fazer os morangos e
as framboesas mais saborosos do mundo" é uma das metas da jovem
investigadora natural de Leiria.
"Não tenho perfil de empresária"

Tendo vivido a infância e juventude na cidade, de onde surgiu o apelo
da agricultura?
A minha família tinha ligações à produção de frutas e legumes. A terra
e tudo quanto tivesse relação directa com a natureza era apelativo.
Ficou muito claro, desde cedo, que teria de escolher um curso que
tivesse a ver com plantas ou com bichos.
Muitos jovens chegam hoje ao 12º ano sem saberem o que querem fazer...
Também acontecia quando eu estava no secundário. Senti falta de que me
falassem mais da vida profissional, das escolhas que poderíamos vir a
fazer. Foi muito benéfico ter havido uma ou duas professoras chave que
tivemos a sorte de apanhar no nosso percurso e que fizeram um pouco
esse papel, dando-nos uma visão transversal, aberta, de que poderíamos
fazer escolhas.
Mesmo os que fazem o curso com que sonharam, depois nem sempre têm
oportunidades nessa área...
Essa é uma questão muito complicada. Quanto terminei os estudos talvez
não fosse tão complicado como agora, mas também não posso dizer que
fosse fácil. Escolhi o meu percurso, trabalhei muito, à base de bolsas
de investigação que não chegavam. Dispus-me, muito nova, a ir viver
para uma quinta numa população onde habitavam 20 pessoas, no Alentejo.
Se tivesse insistido em ficar em Lisboa, à procura de trabalho em
engenharia agronómica, não teria tido as possibilidades que tive.
Agora reconheço que o esforço que fiz me deu outra preparação e outro
estofo.

Como foi ir viver para o Alentejo?
Foi muito duro. Primeiro fui para Fataca, depois vivi em São Teotónio,
que tem 2000 habitantes. Custou-me bastante. Leiria não é uma cidade
muito grande, mas é possível ter momentos de anonimato, o que é
impossível em povoações pequenas. A gestão das relações sociais tem de
se reaprender do nada.
Vive-se, de facto, a outro ritmo nessa região?
Vive. Tem a ver com a baixa densidade populacional. Odemira, por
exemplo, é um dos concelhos com a mais baixa densidade populacional da
Europa. Tem também a ver com a ausência de determinados serviços e
indústrias. No fundo há pouca pressão, de um modo geral.
Estando fora, como vê o desempenho de Leiria?
Tinha a ideia que alguns sectores, como a construção e a indústria
secundária, eram muito importantes para manter o tecido empresarial do
distrito vivo, activo e saudável. Depois da crise, tem-se vivido um
período complicado para a construção e outros sectores associados. Não
sei se Leiria é dos distritos com uma situação mais periclitante, mas
sigo com atenção o que se vai passando.
Está nos seus planos regressar a Leiria e avançar com um negócio seu
na área da agricultura?
Não. Não tenho capital nem perfil de empresária. É um perfil que
valorizo muito, tem de estar implícita uma coragem e uma visão que
acho que não tenho. Não sou visionária. Acho que nasci para ser
cientista.

É triste que a investigação e a inovação não tenham tido a prioridade
que merecem
Aos 24 anos deixou a família e a vida na cidade para agarrar uma
oportunidade no Alentejo. Pensa que hoje faltará espírito de
sacrifício aos jovens recém-licenciados?
De maneira geral não. Vejo cada vez mais colegas a fazerem o
sacrifício de ir para fora. Há muita gente a emigrar. Tenho muita pena
que não seja uma prioridade das classes políticas o apoio à
investigação, sobretudo feita por jovens. Vejo tantos exemplos de
trabalhos extraordinários lá fora.
Como vê a saída desses jovens qualificados de Portugal?
Reconheço valor aos que o conseguem fazer. Vivo afastada da família e
dos amigos apenas algumas centenas de quilómetros e já me custa, por
isso admiro a coragem desses jovens. Do ponto de vista do País, é
triste e desencorajante que ao longo de décadas se tenha apostado
noutros factores de crescimento e que a investigação e inovação não
tenham tido a prioridade que merecem. Podem ser factores de grande
diferenciação para um País como Portugal, que não tem grandes recursos
naturais.
Que conselhos daria a um jovem que esteja agora a escolher o caminho
profissional a seguir?
Diria que a excelência vale a pena, que o profissionalismo e o rigor
compensam e dão frutos.
Textos: Raquel Sousa Silva
Fotos: Ricardo Graça
http://www.jornaldeleiria.pt/portal/index.php?id=7499

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