segunda-feira, 18 de junho de 2012

Pessegueiro: um sonho francês vinte anos depois

Vinho

António Freitas de Sousa
17/06/12 13:37


Um investimento de dez milhões de euros numa adega em tudo
surpreendente fazem do novo projecto francês no Douro um caso sério
para o sucesso.

Ninguém sabe verdadeiramente explicar como é que alguém pode
apaixonar-se por uma paisagem, se é o que se vê, se é o que se ouve ou
o que não se ouve, se é o que cheira ou se é o que se sente como se
isso fosse uma espécie de resumo do resto. Roger Zannier chegou ao
Douro pela primeira vez há mais de duas décadas e sentiu isso, essa
coisa que não se explica - ou que não vale a pena explicar - como se
de repente estivesse a olhar para o lugar onde o mundo começou: as
rugas da terra, o rio morno e levemente calado, o vinho posto quieto
na sua forma inicial de uva e o Sol numa inclemência a denunciar o
inferno nos dias de maior rigor. Vinha de Braga, para onde o haviam
levado os seus negócios do sector têxtil e chegou ao Douro porque
alguém lhe disse que não fazia sentido deixar de conhecer aquele
pedaço de mundo.


Comprou três quintas - numa altura em que o metro quadrado do Douro,
pelo menos do vinhateiro, já começava a ser proibido - e deitou-se num
sonho. Chamou-lhe Quinta do Pessegueiro. Agora - ontem - esse sonho,
regado com o adubo forte de dez milhões de euros, abriu as portas:
"Construiu uma adega e uma casa com a marca de um requinte que vai
contribuir para reforçar a posição do Douro nos destinos nacionais e
internacionais. O seu objetivo primordial é claro: produzir o melhor
vinho português através dos métodos ancestrais de gravitação. A adega,
além de recriar as técnicas de gravitação para produção dos vinhos
Quinta do Pessegueiro, impressiona pelo seu estilo arquitetónico
simples mas, simultaneamente, imponente e majestoso. A casa, uma
propriedade privada de apoio à estrutura de trabalho, que dista
sensivelmente três quilómetros da adega, funde-se na paisagem do
Douro, num estilo que une de forma subtil a tradição duriense com o
design mais moderno e luxuoso, concebido à imagem do seu
proprietário".

Está muito bem, é um documento oficial e tinha que exagerar. Ou talvez
não: a Quinta do Pessegueiro, em Ervedosa do Douro, S. João da
Pesqueira, é um luxo no meio de uma paisagem de luxo e todos os
proprietários têm apostado no luxo como única forma de isolar a terra
ancestral do Vinho do Porto de todos os outros destinos
inevitavelmente luxuosos do mundo.

Mesmo assim, o Pessegueiro surpreende. Desde logo pela sua adega -
traçada com o rigo dos arquitectos do prestigiado gabinete Oito em
ponto - e que é uma espécie de torre onde as uvas chegam e vão caindo
em sucessivos socalcos até chegarem ao sítio onde, em pipas, vão
estagiar. O processo, como conta o enólogo responsável, João Nicolau
de Almeida, não é um acaso: a intenção é a de as uvas, o mosto e em
seguida o vinho não serem tocados por bombas de sucção (ou outras) que
estraguem a suavidade ou belisquem a naturalidade do composto. Tudo
naquela adega é feito em função da natureza da gravidade. Tudo cai,
até às pipas.

Dali vão sair três tintos, um branco, um rosé e um Porto que nunca
será menos que LBV e que levarão no lugar do preço a marcação de dez,
20 ou 50 euros - qualquer coisa assim. O plano de negócios ainda não
está totalmente fechado, revelou o director-geral, Marc Monrose,
porque ainda não está totalmente definido que vinhos vão chegar aos
mercados. Não é possível, por isso, adiantar desde já o volume de
negócios que o grupo francês pretende atingir com o negócio português.
Mas essa não parece ser uma preocupação muito grande de Roger Zannier:
não espera que o retorno do investimento lhe chegue aos cofres senão
dentro de uns dez anos, afirmou.

O que já está fechado é que parte substancial da produção irá para os
mercados de exportação - e os conhecimentos que o grupo tem em virtude
dos seus negócios vínicos na Provence podem, em diversos mercados, ser
um esteio que os vinhos da Quinta do Pessegueiro poderão seguir com
facilidade acrescida. Menos no que tem a ver com a França: "Ninguém
compra vinhos portugueses em França - o que é normal, dado que o país
é produtor e, como todos os portugueses sabem, os vinhos que cada povo
produz são, para si, os melhores do mundo".

E depois há ainda a casa - que faz parte do investimento de dez
milhões - sumptuosa, quase excêntrica nos seus labirintos formais e,
desgraçadamente, fechada ao comum dos mortais: é só para os amigos,
clientes e restante mundo VIP que Roger Zannier escolher. Uma pena.

http://economico.sapo.pt/noticias/pessegueiro-um-sonho-frances-vinte-anos-depois_146562.html

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