ONTEM às 11:270
Por Sandra Gonçalves
inShareA realidade rural na Somália, em França, na Argentina… não será
muito diferente de Portugal. Quem tem terra, a chamada terra de onde
de lá nunca se saiu ou de quem diz «vou passar férias à terra»,
conhece bem esta existência. Concretizando, a terra de que aqui falo é
«Trás-os-Montes», descrita eximiamente por Tiago Patrício. A Gradiva
tem agora nas livrarias o seu primeiro romance, distinguido com o
Prémio Literário Revelação Agustina Bessa Luís 2011.
Numa aldeia de Trás-os-Montes vivem quatro crianças – Teodoro, Raquel,
Edgar e Óscar. A aldeia tem a forma de uma cruz, tem duas igrejas,
dois cemitérios, duas estações de comboio e um comboio a vapor. Depois
há o campo, as hortas, os lameiros e os palheiros onde o gado passa a
noite.
As crianças vão à escola e depois têm o resto do tempo livre, excepto
algumas tarefas a cumprir. Depois da lida, seja na mercearia, na
quinta ou em casa, ficam na rua até anoitecer e serem chamados para
jantar. Enquanto isso, com tanto tempo por sua conta, aventuram-se nas
coisas dos adultos. Experimentam fumar, roubam revistas pornográficas
que vão lendo às escondidas junto ao riacho, conduzem carros, ateiam
incêndios e até simulam um funeral.
Nesta realidade, é fácil arranjar caçadeiras. Matam-se pássaros e
outros animais. As crianças aqui são cruéis, com os animais e com elas
próprias. Mas é assim que são educadas e é assim que crescem.
Neste enredo de Tiago Patrício, também há espaço para enamoramentos,
avós muito velhinhas, mães e pais que emigraram para parte incerta, e
gente bruta que não sabe ser de outra forma. Pessoas que não conhecem
o gesto de um afecto, talvez porque nunca o tenham recebido. Pessoas
que trabalham a terra de sol a sol e que à noite resguardam-se junto à
lareira enquanto desmancham camisolas velhas para aproveitar a lã para
fazer novas. Os miúdos, no exterior, a brincar nos lameiros, inventam
expedições, enquanto brincam com côdeas de pão na mão e apanham fruta
das figueiras.
À noite, as mulheres ficam em casa. Os homens vão para o café. Ali,
naquela aldeia, o tempo, quem o dita, é o Sol, e as colheitas, e a
passagem do comboio e o sino da igreja. É o quotidiano de uma pequena
aldeia de Trás-os-Montes que cabe num pequeno romance. Pequeno mas
notável na sua forma descritiva, sucinta e incrivelmente fidedigna do
que continua a ser o Portugal rural.
http://diariodigital.sapo.pt/news.asp?id_news=578481
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