sábado, 12 de janeiro de 2019

Funcionários da CoolFarm responsabilizam investidor pela falência da “Startup do Ano”


10/1/2019, 21:07

Funcionários afirmam que a "única causa do descalabro da CoolFarm e do seu projeto é a gestão ruinosa do investidor e administrador único". Rui Leitão lembra que teve um prejuízo de 1,5 milhões.

A CoolFarm foi fundada em 2014 por Eduardo Esteves, João Igor, Liliana Marques e Gonçalo Cabrita

Os colaboradores da CoolFarm responsabilizam o investidor e administrador único da empresa, Rui Leitão, pela insolvência da startup de agricultura tecnológica. Num comunicado enviado ao Observador, os cofundadores Gonçalo Cabrita (que era presidente executivo) e Eduardo Esteves, juntamente com outros seis funcionários, alegam que a "única causa do descalabro da CoolFarm e do seu projeto é a gestão ruinosa do investidor e administrador único" e que a estratégia da empresa foi a "definida" por ele, visto que tinha poderes de "administração de todos os negócios e interesses da sociedade".

O investidor foi o impulsionador do in/store dentro da CoolFarm (…) e sempre assumiu abertamente que não acreditava no software enquanto produto comerciável só por si, tendo-o afirmado à frente de diversos clientes. O investidor alega que acredita que a empresa teria sido mais viável se tivesse ficado pela ideia inicial do software, ideia dos promotores. No entanto, foi o próprio que empurrou a empresa na direção do in/store, bem como na da parceria com a outra empresa da qual também é sócio, a MTEX Solutions", afirmam.

As declarações surgem em reação à investigação do Observador "CoolFarm. De Startup do Ano à falência com perto de 1 milhão de euros em dívidas", publicada a 30 de novembro de 2018, na qual Rui Leitão — que através da Farben Consulting financiou a empresa em cerca de 1,5 milhões de euros e detinha 98% do seu capital social — afirmava que a equipa lhe tinha apresentado "um software para produção de plantas em estufa em hidroponia como estando semi-acabado na altura e duraria um ano e pouco [a ser comercializado]. Não estava acabado e o projeto sofreu vários atrasos, mas a Farben continuou a investir porque acreditou que o projeto chegaria a bom porto".

Os funcionários contestam as declarações e afirmam que o contrato de investimento assinado com o investidor "continha um cronograma claro, que contemplava o desenvolvimento integral do software e as diversas fases do investimento podendo, por conseguinte, a Farben Consulting sustar o investimento sempre que verificasse qualquer incumprimento ou atraso. Apesar disto, o investidor foi introduzindo novos projetos", dizem.

Ao Observador, Rui Leitão diz que não quer "alimentar polémicas" sobre o encerramento da empresa, acrescentando que "todas as informações relativas à atividade da CoolFarm foram devida e atempadamente prestadas em sede própria".

Acreditei no projeto apresentado pelos fundadores, nos números e metas que estes definiram, e assumi o risco de investir. Investi (muito) mais do que o inicialmente acordado e, ainda assim, a CoolFarm não se tornou economicamente viável. Lamento que os fundadores não tenham tido a capacidade de cumprir o plano de negócios que me foi apresentado, o que representou para mim, investidor, um prejuízo de mais de 1,5 milhões de euros", disse em resposta ao Observador.

A CoolFarm foi fundada em 2014 por Eduardo Esteves, João Igor, Gonçalo Cabrita e Liliana Marques. A ideia era desenvolver uma app que conseguisse controlar plantas à distância, através de um toque no telemóvel, mas transformou-se num software para controlar estufas sem ser precisa a intervenção do utilizador. Este software ainda deu origem a outro produto, o in/store, uma solução chave na mão para produção agrícola em estrutura vertical. Nem um nem outro tiveram sucesso. Em 2017, a startup de Coimbra foi considerada "Startup do Ano" no evento Ativar Portugal, da Microsoft Portugal, mas fechou em 2018 falida e a dever 972.759,41 euros a 32 credores.

Na documentação entregue ao Tribunal da Comarca de Santarém, no decorrer do processo de insolvência, o administrador escrevia que a "primeira e única venda in/store, ao cliente Data Solta", da qual resultou um prejuízo de mais de 60 mil euros, tinha sido "um fiasco", que tinha ficado "claro que os custos estimados para a produção das máquinas não eram de todo realistas" e que "para dar resposta às necessidades que um produto como o in/store exigia a nível de recursos humanos" teve de recorrer ao outsourcing. "O resultado foi um processo muito mais demorado e complexo do que o esperado, com custos incomportáveis, tendo em conta a estratégia de preços".

Sobre esta decisão, os funcionários e promotores da CoolFarm alegam que quem "liderou as negociações" com a empresa Data Solta foi Rui Leitão e que a produção das máquinas ficou a cargo da MTEX, empresa da qual o investidor também era sócio. "Só perto do processo de insolvência é que o investidor permitiu que fossem pedidos orçamentos a uma outra empresa, em alternativa à sua comparticipada MTEX Solutions", escrevem no comunicado. Os funcionários também alegam que a gestão da equipa de vendas da CoolFarm também estava a cargo de Rui Leitão "por sua própria iniciativa".

Ao Observador, Rui Leitão também tinha contado que contratou uma empresa externa para visitar o laboratório, "porque começou a ver que havia ali qualquer coisa" e que foi aí que percebeu que o in/store não conseguia produzir a quantidade de plantas que lhe tinha sido apresentada pela equipa. Mas os funcionários negam:

O que sucedeu foi que houve outra empresa, do ramo da agricultura vertical que, em abril de 2018, se interessou pela compra da CoolFarm. Foi neste âmbito que teve acesso aos laboratórios, ao projeto in/store, ao software, às contas e aos projetos Portugal 2020. A empresa atuou apenas como possível comprador, não tendo sido contratada pelo investidor da CoolFarm para a realização de qualquer auditoria. Esta empresa acabou por decidir não comprar a CoolFarm, ao que se supõe por se ter apercebido de potenciais irregularidades na instrução dos projetos Portugal 2020″, lê-se no comunicado.

O Observador tem tentado contactar a empresa que tentou comprar a CoolFarm, mas sem sucesso. De recordar que o desfecho da startup se deveu à "inesperada redução" do incentivo europeu que a empresa "tinha a legítima expectativa de receber": em vez dos 402 mil euros que esperava, recebeu 18.923,40 euros. Ao Observador, o IAPMEI explicou que a redução do incentivo estava relacionada com a ausência de esclarecimentos sobre algumas das despesas que foram apresentadas pela CoolFarm para suportar o valor total do projeto.

"A empresa apresentou o pedido de saldo final com uma execução reportada de 100%, sendo que a aceitação de parte das despesas apresentadas está dependente de esclarecimentos a prestar pela empresa", respondeu fonte oficial. A 30 de outubro de 2018, o Tribunal Judicial da Comarca de Santarém declarou a CoolFarm insolvente e nomeou-lhe um administrador de insolvência para fazer face ao milhão de euros que acumulou em dívidas.

Agricultores alertam para problemas de água que poderão resolver-se noTejo


A Confederação dos Agricultores de Portugal alertou hoje para problemas de água nas regiões do Oeste, Ribatejo e Setúbal que poderiam resolver-se com o aproveitamento da do Tejo, mas o projeto ficou fora do Plano Nacional de Investimentos 2030.


Lusa
11 Janeiro 2019 — 17:07

"As regiões do Oeste, Ribatejo e Setúbal sofrem pela falta de acesso à água e isso constitui um problema", afirmou à agência Lusa Eduardo Oliveira e Sousa, presidente da Confederação dos Agricultores de Portugal (CAP).

No Oeste, "a principal região produtora de frutas e hortícolas e um dos motores da exportação de produtos agrícolas", o problema é ainda mais "premente, porque a água que existe já não é suficiente e é preciso garantir no futuro a continuidade da agricultura".

Para a CAP, "é fundamental que o Governo olhe para estas regiões como sendo regiões a precisar de um projeto para garantir água à agricultura e pôr-se a engenharia a pensar no assunto e começar-se a ter decisões", passem elas pelo 'Projeto Tejo', que prevê o aproveitamento de água do Rio Tejo, ou por outras soluções.

O presidente da CAP mostrou-se "preocupado" por o Projeto Tejo, estimado em 4,5 mil milhões de euros, não estar incluído no Plano Nacional de Investimentos (PNI) 2030, que foi hoje enviado ao Parlamento, considerando que "era necessário que o projeto estivesse nas intenções de investimento desde já".

Fonte oficial do Ministério da Agricultura confirmou que o Projeto Tejo não está incluído no PNI2030, que destina 750 milhões de euros a projetos de regadio no país.

O ministro da Agricultura, Capoulas Santos, em declarações à Lusa, explicou que "não existe um projeto, mas uma ideia visionária de um projeto", motivo pelo qual não o pode incluir nos investimentos a beneficiar dos próximos fundos comunitários "sem que seja estudado".

Por outro lado, teria de ser decidido por todo o Governo por ser, "provavelmente, o maior projeto público que o país alguma vez fez".

O governante admitiu que é "uma ideia positiva ao partir da sociedade civil, que revela grande apetência pelo investimento no regadio e uma forte crença no futuro da agricultura portuguesa".

Nesse sentido, o Ministério da Agricultura "está a avaliá-lo tecnicamente e a proceder a estudos que permitam saber, em primeiro lugar, se há água" [no futuro] face às alterações climáticas e ao acordo com Espanha na gestão da bacia do Tejo, e depois "ver se o projeto tem viabilidade e os custos/benefícios".

Os promotores do Projeto Tejo estão a trabalhar na constituição de uma associação para vir a juntar privados, organismos do Estado e municípios, a pensar numa futura "parceria público-privada" que possa assegurar o investimento para o projeto que, além de poder vir a vender água aos agricultores, tem a ambição de tornar o Tejo navegável para atrair os turistas que visitam Lisboa.

A EDP e empresas ligadas ao Tejo poderão vir a estar entre os "potenciais parceiros" do investimento.

O Projeto Tejo prevê regar com águas do rio Tejo 300 mil hectares de terrenos agrícolas, dos quais 240 mil no Ribatejo, 40 mil no Oeste 20 mil em Setúbal.

Aprovados "todos os projetos" de regadio financiados em 278ME pelo PDR - ministro


O ministro da Agricultura, Capoulas Santos, revelou hoje que "todos os projetos" de regadio financiados pelo Programa de Desenvolvimento Rural (PDR), num total de 58, estão aprovados, envolvendo "um financiamento de 278 milhões de euros".

Lusa
11 Janeiro 2019 — 22:07

Segundo o ministro da Agricultura, Florestas e Desenvolvimento Rural, estes projetos integram o Programa Nacional de Regadios, que é financiado através de fundos comunitários, do PDR, e com recurso ao Banco Europeu de Investimento (BEI) e ao Banco de Desenvolvimento do Conselho da Europa (CEB).

"No que diz respeito à parte do PDR, neste momento, todos os projetos estão decididos", declarou Luís Capoulas Santos, que discursava em Viana do Alentejo, no distrito de Évora

A estes projetos de regadio, que são 58, para beneficiarem "uma área na ordem dos 43.600 hectares", corresponde "um financiamento de 278 milhões de euros", acrescentou.

A intervenção do ministro decorreu na sessão de lançamento do concurso para a construção do Bloco de Rega de Viana do Alentejo, integrado no Programa Nacional de Regadios e no âmbito do alargamento do empreendimento do Alqueva.

Na cerimónia, presidida pelo primeiro-ministro, António Costa, o ministro da Agricultura precisou ainda que, dos 58 projetos de regadios aprovados, "quatro já estão concluídos, 19 estão em fase de projeto, um está em fase de avaliação de impacto ambiental, dois aguardam visto do Tribunal de Contas e outros 32 estão já em obra".

Quanto ao financiamento do Programa Nacional de Regadios através do BEI e do CEB, na ordem de "cerca de 280 milhões de euros", o Bloco de Rega de Viana do Alentejo foi "o quarto lançamento de um conjunto ainda indeterminado de projetos" previsto "lançar a muito curto prazo", disse.

Capoulas Santos referiu que o Programa Nacional de Regadios, que vai beneficiar 100 mil hectares distribuídos pelo país, envolve um investimento global de 560 milhões de euros, dos quais "222 milhões" destinados à área do Alqueva.

No Programa Nacional de Investimentos 2030 agora apresentado pelo Governo, destacou ainda o ministro, está "contemplada a segunda parte deste programa de regadios com uma dotação prevista de mais 750 milhões de euros".

O concurso do Bloco de Rega de Viana do Alentejo, hoje publicado em Diário da República, envolve um investimento de seis milhões de euros, devendo a empreitada estar concluída em 2021, segundo o Ministério da Agricultura.

Este novo bloco de rega vai beneficiar uma área de cerca de 4.600 hectares, sobretudo de grande propriedade, explicou o presidente da empresa gestora do Alqueva (EDIA), José Pedro Salema, referindo que a obra poderá vir a ser consignada "em agosto" próximo.

O presidente da Câmara de Viana do Alentejo, Bernardino Bengalinha Pinto, congratulou-se, em declarações à agência Lusa, pelo avanço deste "investimento estruturante, que irá beneficiar os agricultores, mas também, transversalmente, toda a economia local".

O concelho, em termos agrícolas, é marcado atualmente pela "agricultura e pecuária extensivas", porque não existia água, referiu.

Por isso, quando o bloco de rega começar a funcionar, "os agricultores ficam mais tranquilos" e vai ser possível plantar novas culturas.

"Algumas até já estão implementadas", ainda que "com alguma escassez de água, mas depois esses investimentos ficam mais asseguradas", frisou.

Esta plataforma quer levar portugueses e turistas a pôr as mãos na terra


Como se criam caracoletas, cogumelos shitake ou morangueiros suspensos? Quem são os agricultores portugueses? Como se vive no campo? A Portugal Farm Experiences quer levar-nos a quintas agrícolas para conhecer produtores e experimentar pôr mãos ao trabalho.

MARA GONÇALVES 12 de Janeiro de 2019, 3:05 Partilhar notícia

Quando o portão da estufa se abre, não vemos mais do que couves, nabiças, trevos, alfaces. Uma comunhão de verdes viçosos em carreiros ordenados. É preciso apurar o olhar – e saber onde procurá-las. Por esta altura do ano, a maioria das caracoletas produzidas pela Vale Forno, uma quinta familiar localizada em Zibreira, concelho de Torres Novas, está em período de hibernação. Por isso, muitas estão armazenadas na arca frigorífica, onde a regulação da temperatura permite controlar a duração deste estágio. E as poucas que se passeiam pelas hortaliças estão mais quietas do que é habitual.

Aos poucos, vamos conseguindo detectar as carapaças mais gordas: a trepar pelos panos que delimitam os canteiros ou aninhadas nos tabuleiros de madeira. Mas Clara Tojo e a filha, Kelly Silva, mostram-nos que há também por ali dezenas de minúsculos caracóis bebés escondidos entre as folhas. "Nesta fase, chamam-se alevins", aponta Kelly. O pequeno molusco, ainda de casca translúcida, não ocupa mais do que alguns milímetros da palma da mão. São precisas entre três a quatro semanas para que chegue à fase adulta e mais alguns meses até estar pronto a ser colhido. Passa meio ano "desde que nascem até irem para o mercado", esclarece Clara.



Stéphanie quer tornar a taxidermia mais "contemporânea"
A família decidiu arrancar com a exploração de caracoletas helix aspersa maxima há cerca de cinco anos, por iniciativa do patriarca, Artur Silva. Construtor civil, quando o trabalho começou a rarear durante a crise económica, pôs-se a pesquisar alternativas. "Isto foi o que lhe chamou mais à atenção", recorda a mulher, Clara Tojo. "É uma empresa muito familiar. A gente é que faz tudo na escolha das caracoletas", conta. Nas alturas de maior trabalho, as filhas vêm dar uma ajuda. Há dois anos, a quinta, onde já cultivavam muitos produtos hortícolas e faziam criação de animais para consumo de casa, foi uma das primeiras a integrar a plataforma Portugal Farm Experiences. "Éramos vizinhos, mas não o conhecia", conta Clara. Fala de Estêvão Anacleto, ao nosso lado, fundador do projecto que nos trouxe até cá.

O site, um "género de Booking" especializado em experiências agrícolas, até começou por se chamar Campónio. A ideia era atrair ao campo os portugueses citadinos que já tinham perdido a ligação à terra. "Mas apercebemo-nos que o nosso cliente era maioritariamente estrangeiro e que a marca não vendia. Tínhamos de estar sempre a explicar o que queria dizer", conta o responsável para justificar a recente mudança de nome e de idioma. Há portugueses a reservar experiências na plataforma: famílias que querem mostrar às crianças que a alface não nasce no supermercado, chefs à procura do contacto directo com o produtor para saber mais sobre os ingredientes que utilizam na cozinha, emigrantes e agricultores – mais e menos experimentados – com vontade de apostar numa nova exploração.


Caracoletas na Quinta Vale Forno NUNO FERREIRA MONTEIRO
Mas a grande maioria são estrangeiros. Turistas que querem explorar Portugal para lá das principais cidades, que têm curiosidade "em ver como as coisas são produzidas" e vontade de "conhecer as pessoas autênticas do campo e de saber como elas vivem em Portugal". "Diria que 90% dos nossos clientes nunca viram nada a crescer na terra ou a ser produzido desta forma", estima Estêvão Anacleto. Clara assume que nas visitas à Vale Forno já apareceu de tudo: pessoas que nunca tinham visto caracóis, vivos ou no prato, que nunca tinham tocado ou provado ou que não gostavam e passaram a adorar. "Tivemos uma rapariga que se pôs a gritar: 'Meu Deus, que vai morder-me a mão'", conta Clara, entre risos. "Ia desmaiando, mas depois adorou tudo, incluindo a comida."

Shitake para o almoço
Actualmente, a plataforma disponibiliza 14 experiências em quintas diferentes. É possível visitar explorações de caracoletas, cogumelos, morangos em hidroponia, galinhas autóctones, vinhas, olivais, ervas aromáticas ou maçãs reineta, por exemplo. A esmagadora maioria das quintas está localizada nas regiões da Grande Lisboa e do Ribatejo, mas o objectivo é expandir. Muito e depressa. "Queremos atingir as 100 experiências até ao fim do ano", revela Estêvão Anacleto. A ideia é chegar a todo o país, incluindo ilhas. E, quem sabe, espreitar o mercado espanhol no próximo ano.

Para já, quase todas seguem o mesmo formato: visita guiada à quinta, explicação sobre os métodos produtivos, workshop, colheita e degustação de produtos. Privilegiando sempre o contacto directo com o próprio agricultor, que muitas vezes lidera toda a actividade. Em alguns casos, a refeição inclui pratos confeccionados com o ingrediente protagonista da visita. É o caso da quinta Vale Forno, onde a ementa feita por Clara pode incluir pataniscas, feijoada e folhados feitos com caracoletas. Depois, junta sempre uma fruta da época apanhada da horta, uns pastéis de nata, os "licorzinhos" que faz. "A gente tenta dar um bocadinho daquilo que a nossa zona tem", resume.


NUNO FERREIRA MONTEIRO
Desta vez, não provamos os petiscos. O almoço está marcado para a segunda quinta que visitamos. Por isso, o menu será integralmente composto por pratos feitos à base de cogumelos shitake: guisados, em folhados, omeletes e risotto. Gabriela Lopes assina o repasto mas é o marido, Manuel, que nos guia pela quinta. Militar de carreira, Manuel sentiu-se demasiado novo "para ir para o sofá" quando chegou à reforma. "Tinha de arranjar qualquer coisa que não houvesse cá" para iniciar um novo projecto e achou "graça a isto", conta. "Nem gostava de cogumelos." Mas Manuel é um homem "muito optimista", sempre de sorriso aberto e com uma energia de bicho-carpinteiro. O que não dava era para ficar quieto. Já plantou figos-lampos no terreno adjacente, fez mesas e cadeirões a partir de troncos – "Se me sentar aqui, fico o rei do cogumelo", ri-se – e está prestes a terminar a pequena casa que decidiu construir para os turistas que queiram pernoitar em plena horta.


Vamos ao telhado buscar a salada
Na estufa, há 150 toneladas de troncos de madeira dispostas em pequenas torres. E é com o peito alto de orgulho que Manuel conta como todos lhe "passaram pelas mãos". É dali que nascem os cogumelos, depois de "lhes dar um choque térmico" com água fria, na altura em que as "borbulhas" brancas começam a ameaçar romper a casca. Mas primeiro é necessário inocular os troncos com as cavilhas que comprou já impregnadas com o fungo, no único laboratório que ainda as produz em Portugal. Despachado, Manuel já tem tudo pronto sobre a mesa e, sem aviso, saltam pedaços de madeira pelo ar à medida que vai abrindo buracos nos troncos com um berbequim. O processo de inoculação é precisamente o primeiro momento em que os turistas são convidados a "pôr as mãos na massa", de berbequim em punho. Segue-se, depois, a colheita de alguns cogumelos na estufa – que no final poderão levar para casa. E o almoço.


Enquanto a comida não chega à mesa, Estêvão vai contando como nasceu a ideia de criar a Portugal Farm Experiences. A peça final surgiu através dos turistas que recebia nas unidades de alojamento local que a família abriu há três anos e que tantas vezes lhe perguntavam se "existiam actividades diferentes para fazer fora de Lisboa". Mas a ligação umbilical à agricultura sempre existiu. Neto e filho de agricultores, Estêvão viveu grande parte da infância no campo – "vim de Paris com nove anos para viver numa quinta em Bugalhos", a tal aldeia que faz de Clara e Estêvão "vizinhos" -, trabalhou vários anos como engenheiro do ambiente e leva seis como produtor, formador e empresário na área da hidroponia – "criei a marca GroHo, Growing Home, em que levámos um bocadinho o conceito que tínhamos instalado ali na quinta para a cidade e vendemos sistemas verticais de hortas para ter na cozinha ou na varanda".

Desde sempre que o empresário esteve "ligado à terra", mas confessa que não era lavoura o que queria para si. "Eu era aquele miúdo que perguntava sempre ao meu pai por que é que estava a ter aquele trabalho todo se podia ir ao supermercado comprar as mesmas coisas", recorda. "Ele respondia-me sempre: 'Um dia vais dar valor a isto'". Tantos anos depois, e ainda que "de forma indirecta", também Estêvão voltou a pôr as mãos na terra. Agora quer levar outros a fazer o mesmo.

Portugal Farm Experiences
Rua Fernando Palha, 43 - 2B – Lisboa
Tel.: 914 495 577
E-mail

sexta-feira, 11 de janeiro de 2019

A seca e a escassez de água: um “novo normal”?


O que está em causa é uma preocupação crescente sobre as reais disponibilidades de água.

10 de Dezembro de 2018, 6:15 Partilhar notícia


O setor da Água esteve presente, nestes dias, na COP 24 (24.ª Conferência das Partes para a Ação Climática), numa Sessão Especial em que interveio o novo presidente eleito do Conselho Mundial da Água, Loic Fauchon, apresentando a nova estratégia da Organização para responder à chamada "crise da água", cuja implementação se focará nas seguintes áreas: Segurança Hídrica, Acesso à Água e Saneamento, Energia, Saúde e Educação, que o Conselho de Governadores, também recém-eleito, designou "The Five Fingers Alliance" (Aliança dos Cinco Dedos), afirmando assim a necessidade de uma intervenção integrada baseada neste "nexus" de estreita interligação.


Uma "casa com escala de cidade" que reinventa a arquitectura palaciana
De facto, o que está em causa é uma preocupação crescente sobre as reais disponibilidades de água, mais erráticas e incertas, tanto a nível global como regional, expressas em indicadores que nos informam que até 2050 as cidades disporão de menos de 2/3 da água que dispunham em 2015, mas que não abrandará o crescimento populacional, aumentando exponencialmente as necessidades de água.

Entretanto, a "escassez" estender-se-á à África Central, Ásia Oriental e piorará no Médio Oriente, Sahel, Sul da Europa e Bacia do Mediterrâneo, pelo que acompanho a formulação de que, independentemente da disponibilidade total e efetiva em água no Planeta, as secas tornar-se-ão um dos desafios mais complexos com que se defronta hoje a Humanidade (Miguel Miranda, presidente do IPMA).

A necessidade de ser mantida a qualidade das massas de água superficiais disponíveis agrava os cenários de escassez e incerteza quanto às disponibilidades, que se perfilam naquelas e outras regiões do Mundo, e o grande impacto na agricultura, com menores recursos para irrigação que no presente, em consequência da competição entre os seus diferentes usos.

A ação combinada da elevação do nível do mar, do aumento da temperatura média, da redução da precipitação e do aumento da frequência dos episódios meteorológicos extremos irá ter efeitos potencialmente devastadores nos recursos em água doce, nos serviços dos ecossistemas terrestres e marinhos e na segurança alimentar.

Os impactos mais negativos refletir-se-ão, obviamente, sobre os mais pobres, dependentes da agricultura alimentada pelas chuvas, e vivendo em zonas mais vulneráveis a inundações, águas contaminadas e falta de saneamento básico. Provocará mais migrações (refugiados da água) e mais conflitos locais e regionais, tendendo a alastrar a uma escala superior.

Os "custos da inação" são (e serão) sempre mais onerosos que os investimentos a realizar.

Só boas políticas, um novo pensamento e novos paradigmas poderão alterar/neutralizar estas tendências.

Assim, em países do Sul da Europa como Portugal, perante a necessidade de melhorar a gestão dos recursos hídricos em ambiente de "escassez" e "incerteza", reforça-se a urgente atenção à necessidade de adequada preparação do Estado, das Entidades Gestoras, do setor da Água, em geral, e dos cidadãos, para os fenómenos extremos que já defrontamos e que, evoluindo para situações de secas mais extensas e de maior intensidade, poderão vir a transformar a água em um "recurso raro".

Assumir também o papel incontornável do armazenamento e regularização de caudais no planeamento macro de recursos hídricos, como forma de reforçar o "valor da água" e garantir a "segurança hídrica" como fator de garantia das disponibilidades para os diferentes usos e promoção do desenvolvimento económico.

Torna-se urgente reavaliar todos os parâmetros de abordagem que concorrem para garantir a "resiliência" dos Sistemas de Abastecimento de Água, Drenagem e Saneamento de Águas Residuais, tão flagrantemente posta em causa na situação verificada no ano de 2017, em diversas regiões do país.

Estabelecer, portanto, como primordial objetivo estratégico garantir a "segurança hídrica" do país, com o indispensável enfoque nas Estruturas Regionais Públicas de Gestão de Recursos Hídricos, restaurando a Autoridade Nacional da Água como entidade autónoma.

Promover o envolvimento dos utilizadores nos processos de decisão e tornar a água uma preocupação de todos, promovendo a participação e a ação dos Decisores, Especialistas e Utilizadores, como defende o Conselho Mundial da Água.

Finalmente, tornar em permanência o seu planeamento, desenvolvimento e gestão parte integrante da agenda política.

Agricultores do Alto Alentejo "apreensivos" por falta de chuva


Situação poderá comprometer o desenvolvimento das pastagens e das culturas. No final de Dezembro, Portugal continental estava em seca meteorológica fraca a sul do Tejo

LUSA 10 de Janeiro de 2019, 18:15 Partilhar notícia

A Associação dos Agricultores do Distrito de Portalegre mostrou-se esta quinta-feira "apreensiva" devido à falta de chuva na região, considerando que a situação poderá comprometer o desenvolvimento das pastagens e das culturas instaladas de Outono/Inverno.

"Estamos em pleno inverno e o mês de Dezembro não foi normal. Começa a preocupar-nos um bocadinho esta situação", afirmou a presidente da associação de agricultores, Fermelinda Carvalho, em declarações à agência Lusa.

Segundo relatou a responsável associativa, as pastagens naturais, "já nascidas", e as culturas de Outono/Inverno podem ficar "comprometidas" caso não chova nas próximas semanas.

"As culturas estão nascidas, umas maiores, outras mais pequenas, depende da época de sementeira de cada agricultor e de cada cultura, mas se não chover no mês de Janeiro pode ficar comprometido o desenvolvimento das searas e das pastagens", alertou. "A situação não é dramática, mas estamos apreensivos, porque não se perspectivam nos próximos dias tempos chuvosos, o que era bom", disse.

A presidente da associação de agricultores mostrou-se ainda preocupada com o futuro das reservas de água nas albufeiras, uma vez que esta altura do ano seria a época de armazenamento para garantir, depois, o abeberamento dos animais. "Nesta altura não há problemas de abeberamento, mas fazia falta chover a sério. Não está a ser em termos de precipitação um ano fantástico", sublinhou.

Com sementeiras de triticale e cevada no terreno, a agricultora Maria João Valentim também considerou que seria "importante" a chegada das chuvas aos seus campos situados nas zonas de Arronches e de Barbacena, no concelho de Elvas, distrito de Portalegre. "Tivemos um Outono bom, mas para estas culturas já seria necessário que chovesse", lamentou.

Seca meteorológica
Portugal continental estava no final de Dezembro em seca meteorológica fraca a sul do Tejo devido aos baixos valores de precipitação registados naquele mês, classificado como quente e muito seco, segundo o Instituto Português do Mar e da Atmosfera (IPMA).

De acordo com índice meteorológico de seca (PDSI) disponível no site do IPMA, a 31 de Dezembro, 53,3% do território estava na classe de seca fraca, 13,7% na classe normal e 33% na classe de chuva fraca. A 30 de Novembro, 9,8% do território estava na classe normal, 89,6% em chuva fraca e 0,6% em seca moderada. O IPMA classifica em nove classes o índice meteorológico de seca, que varia entre "chuva extrema" e "seca extrema".


Segundo o Boletim Climatológico do IPMA, o mês de Dezembro em Portugal Continental classificou-se como quente em relação à temperatura do ar e muito seco em relação à precipitação. O valor médio da temperatura média do ar (10,58 graus Celsius) foi superior ao normal, sendo o 3.º valor mais alto desde 2000.

O IPMA indica também que valores da temperatura média superiores aos registados a Dezembro de 2018 ocorreram em cerca de 20% dos anos, desde 1931. "O valor médio da temperatura máxima do ar, 15,21 graus, foi superior ao normal, sendo o 3.º valor mais alto desde 1931 (maiores valores em 2015 e 2016)".

quinta-feira, 10 de janeiro de 2019

Países mudam métodos de criação de gado para reduzir emissões de carbono

Países mudam métodos de criação de gado para reduzir emissões de carbono

Cerca de 2000 explorações de gado bovino europeias vão mudar métodos de criação para reduzir em 15% a sua pegada carbónica nos próximos dez anos em França, Itália, Irlanda e Espanha.

O programa "Life Beef Carbon", que juntou hoje representantes europeus na capital espanhola, monitorizou as emissões de gases que provocam o efeito de estufa e concluiu que mais de 50% das emissões se devem ao processo digestivo dos animais nas explorações.

Rotação de pastos, substituição de palha por serrilha nas camas dos animais, impermeabilização das estrumeiras e alimentação diferenciada conforme a idade são algumas das técnicas que já se ensaiam em experiências piloto nas explorações que aderiram.

Um dos coordenadores do projeto, Jean Baptiste Dolle, afirmou que não é fácil reduzir as emissões de dióxido de carbono porque há várias fontes diferentes.

Uma das vertentes do projeto é a formação dos criadores, mostrando-lhes o papel que o seu setor tem nas emissões de gases poluentes com efeito de estufa.

"É urgente mudar relação do Estado com as associações de bombeiros e produtores florestais"

ENTREVISTA

O presidente do Observatório Técnico Independente diz que há medidas que estão a ser tomadas que estão pouco fundamentadas e pede cuidado para que não se "enfraqueçam" as entidades de Protecção Civil que existem.

 Liliana Valente
LILIANA VALENTE 9 de Janeiro de 2019, 8:30 

Francisco Rego é o presidente do Observatório Técnico Independente, composto por dez técnicos que avaliam o sistema de Protecção Civil a pedido do Parlamento. Numa breve conversa com o PÚBLICO conta as principais conclusões do primeiro relatório desta entidade e pede para que os agentes políticos usem mais as recomendações a que chegam.


O relatório sai numa altura em que o Governo ainda está a negociar a lei da Protecção Civil. Que recomendações espera que sejam ouvidas?
Esperamos que o que escrevemos possa ser reflectivo na legislação. O que é fundamental, é que mais do que a rapidez das leis, seja a solidez e a fundamentação que as justifique. 


No início do relatório é mostrado um diagrama com as diferentes estruturas que existem no sistema e depois avisam que há repetições, ineficiências e competições. Há alguma recomendação específica para este problema?

Sim, há uma necessidade de simplificação de estruturas e de procedimentos. Ao longo da história foram criadas muitas estruturas e não se pensou na lógica de as coordenar ou mesmo fundir, para poderem ser mais operacionais. É mais fácil criar do que reduzir e simplificar o sistema. Já no que é mais urgente modificar, são estas relações entre as entidades do Estado central e a sociedade civil, sobretudo as associações de bombeiros, na parte de protecção, socorro e combate, e as associações de produtores florestais, na parte da prevenção.

Era aí que deveria entrar a Agência para a Gestão Integrada de Fogos Rurais (Agif) ou é mais uma das entidades que foi criada e introduziu complexidade ao sistema?
Essa é uma das questões centrais porque há um risco que a Agif em vez de simplificar, seja mais uma estrutura. Nós defendemos a necessidade de haver uma entidade coordenadora como a Agif, mas por outro lado apontamos para a necessidade de se ir transformando numa interagência, constituída pelas próprias entidades intervenientes.

Que funcione como elo de ligação?
Que seja de coordenação, mas que não pode com isso - e é esse o risco - esvaziar as entidades que depois terão de ser as mais operacionais. A ideia de uma interagência parece uma formulação mais consentânea de coordenar sem enfraquecer as outras entidades.



Dizem no relatório que está a canibalizar outras entidades?
Sim, há esse risco. É muito importante que se constitua um corpo próprio, significativo e nesta fase inicial parece-me justificado, não pode ir além, porque se arrisca com isto a enfraquecer outras entidades que precisam de ser robustecidas. Apostamos muitos na ideia de haver um reforço muito importante na formação dos agentes.

 dos concursos para comandantes, mas também para as mudanças na estrutura da Protecção Civil. Seria preferível deixar estas mudanças para depois do Verão?
Na questão da reorganização do sector operacional dos bombeiros e dos sapadores florestais devem ser pensados antes de serem alterados e é preciso - e julgo que é um passo essencial - que todos os agentes se sintam confortáveis. E para se sentirem confortáveis é preciso haver estudos base que não têm existido, não tem havido um investimento nessas fundamentações. São decisões e reacções que não são informadas.

Alguma em específico?
Estas alterações à Protecção Civil, com uma organização territorial que tem dado bastante discussão, e por outro lado há uma proposta de comando próprio dos bombeiros que não se percebe bem qual a fundamentação. Há de facto uma discussão que é muito difícil de se fazer sem ter dados técnicos. 

Ou seja, até ao Verão é muito difícil que isto tudo se encaixe?
Pois, e este é também o papel que o observatório gostava de ter, que não seja só observar platonicamente a situação. Gostávamos de contribuir para esta reflexão, para que o arrumar deste sistema seja muito mais cuidado e muito mais eficiente.


Vendas de carne com selo Porco.pt subiram para quase 13 ME em 2018

As vendas de carne com o selo de certificação Porco.pt subiram em 2018, atingindo quase 13 milhões de euros, foi hoje anunciado.


Lusa
07 Janeiro 2019 — 18:32

De acordo com os dados enviados pelos responsáveis pelo selo Porco.pt, em 2018 as vendas totalizaram 12,6 milhões de euros, que comparam com os 4,2 milhões de euros registados no ano anterior.

No ano em causa, foram comercializadas 8.867,52 toneladas de carne, enquanto em 2017 foram vendidas 2.883,12 toneladas.

No total, desde que os produtos com o selo Porco.pt, projeto que reconhece a carne de suíno 100% portuguesa, entraram no mercado, foram registados cerca de 17 milhões de euros em vendas.

Por sua vez, a linha 'premium', iniciativa de um grupo de 25 produtores nacionais que distingue carnes com características "superiores", já representa quase 40% das vendas totais.

Em 2018, o selo Porco.pt alcançou 500 explorações, 56 produtores aderentes e 20 unidades de abate e transformação.

Estes produtos são distribuídos em todo o território nacional, em cerca de 500 pontos de venda pertencentes a 12 empresas de distribuição.

O selo Porco.pt nasceu em 2017 para dar resposta ao cumprimento da obrigação legal, por parte da distribuição, de "rotular adequadamente o produto, nomeadamente no que respeita à sua origem".

Esta certificação tem ainda como um dos principais objetivos diferenciar a carne de porco produzida em Portugal da restante oferta disponível no mercado.

terça-feira, 8 de janeiro de 2019

As sementes que mudaram a forma como comemos


O projecto ReSeed, com financiamento europeu de 1,5 milhões de euros, vai estudar durante cinco anos o impacto da introdução de novas plantas e sementes na Península Ibérica entre 1750 e 1950.

 Alexandra Prado Coelho
ALEXANDRA PRADO COELHO 26 de Dezembro de 2018, 8:05 Partilhar notícia


Nos finais do século XVIII, o Conde de Hoffmannsegg, botânico, entomologista e ornitólogo alemão, que viajava por Portugal na companhia de outro botânico e naturalista da mesma nacionalidade, Johann Link, constatou que, no Minho, a variedade de milho vindo das Américas (o Zea Mays) estava a substituir outros tipos de cereais, como o milho-miúdo, o trigo ou o centeio.


Os dois botânicos, que registaram as suas observações no livro Voyage en Portugal, fait depuis 1797 jusqu'en 1799 (na tradução francesa, a partir do original alemão), referem que antes da expansão desta nova variedade de milho grosso, que viria a tornar-se a dominante, os habitantes semeavam milhos locais nas encostas e reservavam as planícies para as pastagens. Com a popularidade crescente do milho grosso, começaram a ocupar também as planícies, o que levou à diminuição do gado e ao desaparecimento das outras variedades.

O relato de Hoffmannsegg e de Link, descrevendo uma modificação na paisagem agrícola e, pressupõe-se, nos hábitos alimentares, é uma das muitas fontes que irão ser exploradas pela equipa do projecto ReSeed, dirigido por Dulce Freire, investigadora do Instituto de Ciências Sociais (ICS) da Universidade de Lisboa, e financiado com um 1,5 milhões de euros (para cinco anos) pelo Conselho Europeu para a Investigação da Comissão Europeia.

O objectivo é estudar a circulação e o cultivo de sementes na Península Ibérica entre 1750 e 1950. O foco não é tanto a chegada das plantas e sementes a Portugal e a Espanha, o que aconteceu em momentos anteriores, mas sim a forma como elas foram sendo introduzidas na agricultura e, consequentemente, na alimentação, e como é que se adaptaram às diferentes regiões ibéricas.

Para isso, explica Dulce Freire, vão ser cruzados dois tipos de fontes. "Vamos analisar um conjunto de documentos habitualmente utilizados pelos historiadores que estudam a economia, a sociedade, a política e as instituições, desde correspondência, relatórios, contratos, legislação, documentação dos cartórios dos mosteiros e outras instituições religiosas, até à contabilidade e documentos de organizações de assistência, ensino, etc. E vamos cruzá-los com documentos produzidos no âmbito de actividades científicas e académicas, sobretudo as relacionadas com a botânica, a agronomia e a biologia."

Entre estas últimas estarão publicações como as Floras publicadas desde o século XVIII, os "diários de campo" dos cientistas, os relatórios e artigos científicos que produziram, as memórias, "os milhares de cartas que trocaram com os pares e outros interessados nos temas que estudaram, colecções de herbário com exemplares de plantas que recolheram, colecções de jardins botânicos e de museus de história natural".

Projecto sobre história das sementes na Península Ibérica recebe 1,5 milhões de euros


A vantagem de olhar para estes dois tipos de fontes diferentes é poder enriquecer o "olhar mais geral das instituições com as preocupações de detalhe e rigor dos cientistas". E foram muitos os que desde o século XVIII passaram pela Península Ibérica em "viagens filosóficas". "Estão identificados mais de uma centena de naturalistas e botânicos que empreenderam este tipo de viagens até meados do século XX", afirma Dulce Freire. Alguns visitam apenas uma região, outros percorrem um país, outros ainda viajam por toda a península.

Na época, tudo o que dizia respeito às novidades da flora que chegavam de outras paragens despertava grande curiosidade e interesse. Um pouco antes do período abrangido pelo estudo do ReSeed, esteve na Península Ibérica (entre 1564 e 1565) um dos botânicos mais famosos do Renascimento, Charles L'Ecluse, mais conhecido pelo nome em latim de Carolus Clusius.

Para estar a par das novidades, Charles L'Ecluse criou uma rede de 300 correspondentes espalhados pela Europa, nomeadamente em Sevilha, de onde recebia notícias em primeira mão sobre as novas plantas e sementes vindas nos barcos chegados das Américas. E quando viajou por Portugal e Espanha, conta a investigadora do ICS, "identificou muitas espécies ainda desconhecidas para a ciência e desenhou algumas dezenas de plantas com interesse alimentar", das mediterrânicas, como a oliveira e o medronho, às "recentemente chegadas dos novos mundos, como a batata-doce e o feijão".

Mas estava longe de ser caso único. O botânico português Félix de Avelar Brotero, que no seu Flora Lusitânica identificou perto de 1800 espécies, é outra fonte, tal como H.M. Willkomm, que viajou pela Península Ibérica na segunda metade do século XIX, o russo Nicolai Vavilov, que fez o mesmo um pouco mais tarde, no início do século XX e que morreu tragicamente à fome nas prisões soviéticas depois de ter dedicado a vida ao estudo de formas de melhorar a produtividade dos cereais, ou os portugueses Júlio Henriques, professor da Universidade de Coimbra, e Gonçalo Sampaio, da Faculdade de Ciências da Universidade do Porto, nos finais do século XIX, inícios do século XX.

"A Península Ibérica é, a partir do século XV, uma porta de entrada e um laboratório fabuloso de experiências a diversos níveis", frisa Dulce Freire. "Há vários protagonistas das experiências que estão a ser levadas a cabo, desde os agricultores anónimos aos membros da elite que recebem plantas que outros trazem nas viagens, passando pelos monges e outros membros da Igreja. Há experiências a acontecer nos hortos dos mosteiros e dos conventos, nas herdades e quintas das elites, mas também nas hortas. E muito do que está a acontecer suscita o interesse dos investigadores e cientistas de outros países."

Um dos focos de interesse do projecto ReSeed é a diversidade agro-regional da Península Ibérica, onde se encontram diferentes tipos de clima e de paisagem. "Isso permite fazer vários testes. Uma planta que chega a Lisboa pode ser tão facilmente experimentada no Algarve como no Minho, porque é a mesma entidade política."

Pretende-se também perceber de que forma elas se disseminavam e os impactos que tiveram nas diferentes regiões. Um exemplo: os pimentos padrón chegaram da América Central trazidos, em finais do século XVI ou inícios do XVII, pelos missionários franciscanos do Convento de São Francisco de Herbón, uma paróquia do município de Padrón, na Galiza. Foram aí aclimatados e acabaram por se disseminar com o nome, hoje famoso, de pimentos padrón.

Em Espanha popularizaram-se, a partir da segunda metade do século XVIII, as Sociedades Económicas Amigas do País, como a Sociedade Bascongada de Amigos del País, no País Basco, a Sociedade de Amigos do País de Cádiz, a Real Sociedad Economica Matritense de Amigos del País ou a Real Sociedad de Amigos del País de Valencia.

"São criadas dezenas destas sociedades, muitas impulsionadas por nobres e membros do clero, que procuram implementar localmente um conjunto de inovações, algumas ligadas à agricultura, novos produtos, novas sementes, mais tarde fertilizantes, novas formas de cultivo." Existe também um boletim que é distribuído pelos párocos e lido nos púlpitos das igrejas abordando questões ligadas à agricultura.

Em Portugal, terá havido a intenção de criar algo de semelhante às Sociedades Amigas espanholas mas, segundo Dulce Freire, "Domenico Vandelli [o naturalista] que criou o primeiro jardim botânico da Ajuda, tenta fazê-lo na segunda metade do século XVIII, aparentemente com pouco sucesso".

E qual o interesse que um estudo como este tem para a actualidade? "Queremos perceber até que ponto práticas agrícolas e sementes do passado podem ser viáveis no presente e no futuro e contribuir para uma agricultura sustentável capaz de alimentar uma população mundial crescente." Isto passa por tentar identificar as plantas que fizeram sucesso na alimentação humana ou na agricultura de um determinado local e saber por que é que desapareceram.

Por outro lado, continua Dulce Freire, "é interessante perceber como é que esta dinâmica de introdução de novas plantas teve impacto na agro-biodiversidade". Quando, hoje, se fala em biodiversidade, pensa-se na agricultura da chamada "revolução verde", pós-II Guerra Mundial, mas o que aconteceu antes, nomeadamente essa chegada de sementes vindas de pontos diferentes do mundo, também teve impacto, fazendo desaparecer algumas variedades e tornando outras dominantes.

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Por enquanto, o ReSeed tem pouco mais de um mês de vida e está apenas a dar os primeiros passos. Durante os próximos cinco anos há muito trabalho a fazer, muitos documentos a estudar, muitos arquivos a visitar (a equipa irá a outros locais, como Paris ou Berlim, onde estão guardados materiais recolhidos durante missões na Península Ibérica).

No final, será organizada uma exposição para apresentar os resultados. Até lá, no site do projecto (e respectiva página de Facebook) vai ser possível acompanhar o trabalho, através de vídeos que pretendem mostrar os métodos seguidos pelos investigadores (que incluem também entrevistas para recolher testemunhos de pessoas "com experiência na agricultora pré-revolução verde") e ir descobrindo como é que as plantas do Novo Mundo mudaram, semente a semente, a agricultura e a alimentação no Velho Continente.

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Governo aprovou mais 37 projetos de reabilitação de regadios


Nuno Miguel Silva 06 Janeiro 2019, 15:24

Os 37 projetos agora aprovados pelo Ministério da Agricultura situam-se todos no distrito de Vila Real e vão beneficiar 1.630 hectares, num investimento superior a 4,7 milhões de euros.

Foram aprovados pelo Ministro da Agricultura, Florestas e Desenvolvimento Rural mais 37 projetos de reabilitação de regadios tradicionais.


Estes projetos situam-se todos no distrito de Vila Real, que vão beneficiar mais de 1.630 hectares, com um investimento público superior a 4,7 milhões de euros.

Trata-se de regadios integrados nos concelhos de Boticas, Chaves, Montalegre, Murça, Ribeira de Pena, Valpaços, Vila Pouca de Aguiar e Vila Real, que vão beneficiar 1.700 agricultores.

"Estes projetos de recuperação complementam o Programa Nacional de Regadios, que prevê um investimento global de 560 milhões de euros na criação e na reabilitação de mais cerca de 100 mil hectares de regadio até 2023, que vão gerar 10.500 postos de trabalho permanentes", destaca um comunicado do Ministério da Agricultura.

Capoulas Santos congratula-se com a aprovação destes projetos, considerando-os "uma aposta do Governo num pilar fundamental para o desenvolvimento da região", lembrando que se trata de "um instrumento essencial para a fixação das populações e para o apoio à agricultura familiar".

Segundo o referido comunicado do Ministério da Agricultura, "estes regadios fazem parte de um projeto mais amplo de valorização dos territórios e da atividade agrícola", sublinhando o ministro da Agricultura  que esta iniciativa vai tornar esta atividade "mais produtiva e mais competitiva, nomeadamente através do uso mais eficiente da água", uma vez que, no seu entender, "a sustentabilidade da atividade agrícola é também uma prioridade".

Capoulas Santos acrescenta ainda a necessidade de adaptação da agricultura portuguesa às alterações climáticas e de contribuir para os objetivos do Governo relativamente à estratégia de descarbonização, neste momento em discussão pública, considerando "urgente promover o uso eficiente do recurso água e a constituição de reservas para enfrentar tempos de escassez decorrentes das alterações climáticas".