terça-feira, 8 de agosto de 2017

Morreu Maria Teresa Eugénio de Almeida, uma mecenas apaixonada pelo Alentejo

Morreu Maria Teresa Eugénio de Almeida, uma mecenas apaixonada pelo Alentejo
Condessa de Vilalva tinha 95 anos e uma vida dedicada à herança mecenática do marido, com quem em Évora criou a Fundação Eugénio de Almeida.
 
ISABEL SALEMA 15 de Julho de 2017, 15:36 actualizado a 15 de Julho às 17:32 

A influência de Maria Teresa Eugénio de Almeida, conhecida como condessa de Vilalva e que morreu sem descendência, tornou-se muito relevante depois da morte do seu marido, que teve lugar logo em 1975. A Fundação Eugénio de Almeida (FEA), cujo projecto mais recente foi a criação, em 2013, de um centro cultural dedicado à arte contemporânea, o Fórum Eugénio de Almeida, é uma importante proprietária de património histórico em Évora, detendo monumentos como o Paço de São Miguel, as Casas Pintadas, o Palácio da Inquisição (onde é o fórum), mesmo ao lado do Templo de Diana, e ainda o Convento da Cartuxa, além de 6500 hectares de terra no concelho, onde é produzido vinho sob a marca Cartuxa, origem da maior parte do financiamento da instituição. A fundação tem igualmente património em Lisboa, nomeadamente a Casa de Santa Gertrudes, ao lado da Fundação Calouste Gulbenkian, cujos jardins lhe são contíguos.

Foi na Casa de Santa Gertrudes, onde vivia, que Maria Teresa Eugénio de Almeida morreu esta sexta-feira, não tendo sido divulgada a causa da morte. Se a casa, de que a viúva de Vasco Vilalva tinha o usufruto vitalício, pertence à fundação alentejana, parte do grande jardim foi adquirido pela Gulbenkian há já uma década, com o objectivo de ampliar os serviços da fundação.

Rui Vilar, na altura à frente da Gulbenkian, explica que no mesmo ano em que esse negócio foi concretizado a Gulbenkian criou o Prémio Vasco Vilalva. "A compra foi acordada com a condessa de Vilalva tendo em vista a criação do prémio em memória do marido e dedicado ao restauro do património", diz o administrador não-executivo da Fundação Calouste Gulbenkian. Essa relação de vizinhança, que sempre foi a melhor, acrescenta Vilar, vem muito de trás, do início da Gulbenkian, quando a fundação lisboeta comprou os terrenos do Parque de Santa Gertrudes para aí se instalar.

Rui Vilar define Maria Teresa Eugénio de Almeida como "uma grande figura da sociedade portuguesa", que continuou a obra do marido, sublinhando a importância da vida da fundação no Alentejo: "Era uma grande senhora, uma pessoa culta e viajada, sempre atenta ao que estava a acontecer. Era elegante consigo própria e elegante nas relações que tinha com os outros."

Depois das dificuldades do pós-25 de Abril, em que a fundação viu terras e edifícios ocupados na sequência da Reforma Agrária, a FEA retomou a normalidade no início dos anos 80, tendo Maria Teresa Eugénio de Almeida ocupado o cargo de administradora durante duas décadas. Mas a presidência da fundação ficou nas mãos da arquidiocese de Évora, conforme os estatutos definidos pelo fundador, cargo neste momento ocupado pelo cónego Eduardo Pereira da Silva. 

"Era uma pessoa com uma energia muito grande e uma personalidade muito marcante. Quer como viúva do fundador, quer como administradora, colocou muita intensidade nos seus desempenhos", afirma a secretária-geral da fundação, Maria do Céu Ramos. "Teve acesso a experiências raras para a sua geração, como o [Concílio] Vaticano II [que modernizou a Igreja Católica], e isso fazia dela uma pessoa singular."

Maria Teresa Eugénio de Almeida ficou no conselho de administração da FEA até 2000. Nos anos 90, foram públicas algumas desavenças internas na instituição, com a viúva a queixar-se em tribunal, mas nos últimos anos a tensão tinha diminuído e a relação normalizou-se. 

"O marido morreu muito cedo e ela tem um papel na manutenção do património e no desenvolvimento da fundação", argumenta Joaquim Caetano, conservador do Museu Nacional de Arte Antiga (MNAA). O ex-director do Museu de Évora conheceu Maria Teresa Eugénio de Almeida quando investigou, ainda enquanto estudante universitário, os tectos pintados a fresco do Paço de São Miguel, feitos por Francisco de Campos no século XVI, um trabalho realizado nos anos 80 em parceria com José Alberto Seabra Carvalho, actual director-adjunto do MNAA. "Ela entusiasmou-se bastante pelo trabalho e publicou um obra feita por estudantes. Esse interesse pelo património próprio era raríssimo na altura em Portugal. Partilhou com o marido essa paixão por Évora e pelo património da cidade."

"A visão dela era a visão dele", diz José Maria de Sousa Rego, amigo e familiar da condessa de Vilalva. "Ele herdou propriedades imensas e considerava que essa riqueza tinha de ser posta ao serviço dos valores que defendia, os valores da cultura, do património, da educação e dos princípios cristãos". Vasco Vilalva morreu demasiado cedo e é certo, acrescenta, que Maria Teresa Eugénio de Almeida não teve a preparação do marido, engenheiro de formação, mas levou a peito algumas responsabilidades e envolveu-se na vida da fundação depois do 25 de Abril. "Manteve a simplicidade e a austeridade que os dois tinham como casal e fez questão de conduzir as coisas de maneira a que a fundação tivesse continuidade e garantindo que não era interrompida."

Um dos seus projectos mais emblemáticos, lembra Sousa Rego, foi o que envolveu o Convento da Cartuxa e a sua devolução aos monges que o tinham habitado durante séculos, expulsos com a extinção das ordens religiosas no século XIX. O monumento, em que os Vilalva chegaram a residir quando estavam em Évora, foi recuperado para o regresso dos monges, sendo a sua preservação uma das missões da fundação. Com o maior claustro do país, reflecte uma espiritualidade que diz muito sobre a relação única que a FEA estabeleceu com o património em Portugal.

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O funeral de Maria Teresa Burnay de Almeida Bello Eugénio de Almeida, nascida a 16 de Setembro de 1921, realizou-se na tarde deste sábado, em Lisboa. 

O conselho de administração da Fundação Eugénio de Almeida anunciou, em comunicado, que "será respeitado luto institucional pelo período de uma semana, durante a qual ficam suspensas todas as actividades programadas [da fundação]".

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