domingo, 2 de setembro de 2018

Trigo atinge preço mais elevado dos últimos três anos


As colheitas de cereais da Alemanha e Suécia já têm previsões e não são boas. A seca deverá levar entre 20% e 40% da produção de trigo. Os mercados internacionais já estão a antecipar redução da oferta

ISABEL AVEIRO e AGÊNCIAS 1 de Agosto de 2018, 14:15 actualizado a 2 de Agosto de 2018, 13:07 Partilhar notícia


Esta terça-feira, o valor de referência para o trigo de moagem atingiu máximos de três anos e meio, cotando durante a manhã nos 208,5 euros por tonelada na Euronext Paris.

Dependência de Portugal ao exterior é quase total

Desde Fevereiro já era sabido que Portugal atingira, no arranque da campanha cerealífera de Inverno, a área cultivada mais baixa dos últimos cem anos. Mas convém pormenorizar o grau de dependência externa entre grãos. As últimas Estatísticas Agrícolas, referentes a 2017, emitidas pelo Instituto Nacional de Estatística (INE), situam a campanha de 2016/2017 (iniciada em Julho e terminada em Junho do ano seguinte) com um grau de aprovisionamento total de cereais de 20,5%. É "o valor mais baixo das últimas quatro campanhas", afirma o gabinete oficial de estatística. O trigo, contudo, é o que tem a taxa mais baixa — total de 6%, com 5% para o trigo duro (sobretudo usado em massas, mas também em alguns pães regionais) e 6,1% no trigo mole (farinha para pão mais branco e pastelaria em geral). Compara, por exemplo, com um grau de aprovisionamento português de 25,9% para o milho, 38,1% para o centeio e 82,5% para a aveia. Na Estratégia Nacional para a Promoção da Produção de Cereais, apresentada pela tutela em Maio, recordava-se que o grau de aprovisionamento, em 1989, era de 60% para o total dos cereais e de 49% no caso do trigo. No caso do milho — responsável ao largo de Alqueva pelo abandono do trigo por aquela cultura, mais rentável —, o grau de aprovisionamento recuou "apenas" 14 pontos percentuais desde 1989. Tomando os últimos dados do INE, para recursos disponíveis de 1,55 milhões de toneladas de trigo (somando uma "produção utilizável" de 90 mil toneladas a importações de 1,82 milhões de toneladas e descontando 363 mil toneladas de exportações), o país consumiu 1,51 milhões de toneladas do cereal-base do pão. Não foram todos para a mesa, contudo, já que as rações para animais utilizaram 22% do trigo disponível. Por comparação, o milho teve uma produção de 711 mil toneladas no país, que importou mais 2,19 milhões de toneladas. Mas, neste caso, 83% do milho disponível foi para alimentação animal.

O alerta já vinha nas páginas do Financial Times de ontem: o preço do trigo, como matéria-prima agrícola cotada nos mercados internacionais está de volta à curva ascendente. Segundo o jornal britânico, a produção de trigo para moagem na Europa deverá recuar para um volume inferior a 130 milhões de toneladas, o que, a concretizar-se, é o nível mais baixo desde 2012.

Só na Alemanha - segundo maior produtor europeu e um dos sete maiores do mundo – avançou ontem o FT citando dados da consultora Stratégie Grains, a próxima colheita deverá cair para 20 milhões toneladas de trigo, o nível mais baixo dos últimos 15 anos.

Hoje, a Reuters avança com mais dados: a queda estimada na produção de todos os cereais de grão, na Alemanha, deverá ser de 20%. Segundo a associação de produtores alemães DBV, a seca e a onda de calor que está a varrer o Norte da Europa este Verão deverá deixar apenas 36 milhões de toneladas de cereais de grão nos campos para serem colhidos. E, no caso do trigo, os produtores só conseguirão colher 18 milhões de toneladas – o que representará, caso se materialize a previsão feita pela DBV – num corte de um quarto (25%) da campanha de 2017. Mais pessimista, portanto, que a previsão da Stratégie Grains para o FT.

De exportador a importador
Mais a Norte, a mistura entre falta de chuva e de humidade e as altas temperaturas vividas desde Junho deverá reduzir a produção de trigo na Suécia em 40% na próxima colheita – ou seja, explicou Mikael Jeppsson à Reuters, a evolução, negativa, poderá ser de 3,2 milhões de toneladas de trigo em 2017 para um intervalo entre 1,7 para 1,9 milhões de toneladas este ano.

Se as previsões de Mikael Jeppsson – director-geral da divisão de grãos da cooperativa agrícola sueca Lantmännen – acabarem por verificar-se, aquele país, tradicionalmente exportador de trigo, poderá transformar-se num importador. E se no caso da Alemanha a produção ainda não está preocupada com o trigo destinado a alimentos (principalmente pão), mas sim com as necessidades de cereais para as rações animais, na Suécia, a escassez desta matéria-prima agrícola poderá igualmente afectar a produção de biocombustíveis.  

A Suécia, contextualize-se, não é um grande produtor, em quantidade, de trigo – a oferta mundial é dominada pela Rússia, pelos EUA e Austrália no pódio dos exportadores. A Ucrânia, França, Argentina, Alemanha e Roménia – por esta ordem – são os restantes cinco maiores contribuintes para as exportações mundiais - que ascenderam a 173 milhões de toneladas em 2017, segundo o FT. E se actual campanha – que se iniciou na Suécia há 10 dias – está a ser pouco generosa na quantidade de trigo, também é a verdade, reconheceu Mikael Jeppsson à Reuters, que a qualidade do trigo já colhido é genericamente boa.

Mas as previsões pessimistas do gigante agrícola Lantmännen são extensíveis a outras culturas. A colheita de todos os cereais de grão e oleaginosas irão cair, previsivelmente, para o valor mais baixo dos últimos 25 anos - face a uma produção de 6,5 milhões de toneladas em 2017, e uma média do quinquénio de 6,2 milhões de toneladas, a estimativa deste ano é de 4,2 milhões de toneladas.


Na Suécia, o Governo avançou já que irá orçamentar cerca de 1,2 milhões de coroas suecas (cerca de 116,86 mil euros ao câmbio actual) para financiar medidas de apoio aos agricultores atingidos pela seca, este ano e no próximo. O que a ministra das Finanças sueca, Magdalena Andersson, chamou esta semana de "pacote nacional de crise para os agricultores suecos", de acordo com a Reuters, visa sobretudo subsidiar primeiro os encargos com a alimentação animal e só depois a perda de rendimento dos produtores agrícolas.

Na Alemanha, o movimento é semelhante, mas mais cauteloso por parte do executivo. Face ao pedido - de mil milhões de euros - feito pelas associações de agricultores como forma de apoio para enfrentar a diminuição previsível da próxima colheita cerealífera, Berlim espera para ver. Especificamente, espera para ler o próximo diagnóstico de previsões agrícolas deste mês de Agosto.

tp.ocilbup@orieva.lebasi

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