domingo, 12 de dezembro de 2010

"A agricultura é o futuro do país"

PRESIDENTE DA FRULACT
por JORGE FIELOntem

Foi no quintal da sua casa que em 1987 João Miranda criou a Frulact
com o pai. Hoje a empresa tem um volume de vendas de 70 milhões por
ano
Sempre que o encontra, Cavaco pergunta-lhe se já compra cereja da Cova
da Beira. É muito doloroso, mas ele continua a responder que não. "Mas
não é por não tentar", garante João Miranda, 46 anos, presidente da
Frulact, o quarto maior grupo europeu de preparados de fruta, com
quartel-general na Maia, seis fábricas (Portu-gal, França, Marrocos e
Argélia), e vendas de 70 milhões de euros/ano, das quais 95% são
exportações.

"Tivemos de parar um projecto, que tínhamos no túnel de saída, de um
sumo à base de cereja para um cliente, porque os produtores da Cova da
Beira não nos garantiam o abastecimento", conta João, que sofre com a
incapacidade dos produtores de fruta em estabelecerem relações
estáveis, em termos de quantidades e preços, e a longo pra-zo com a
indústria.
Os exemplos são como as cerejas. Este ano, João desafiou a cooperativa
dos produtores da Cova da Beira a fornecer-lhe 1100 toneladas de
pêssego. Pouco tempo depois do negócio apalavrado, disseram-lhe que só
podiam vender 500 toneladas. Mais uns dias e afinal só garantiam 200
toneladas. No final, ficou tudo em águas de bacalhau. Nem um único
pêssego! A Frulact teve de se virar para os produtores espanhóis que
lhe colocaram à porta da fábrica, a 27 cêntimos o quilo (dez cêntimos
abaixo do preço acordado com os portugueses), os pêssegos de que ele
precisava.
Ganância e visão de curto prazo são as explicações para este estranho
comportamento dos produtores portugueses de fruta. Como o mercado de
fresco paga o dobro da indústria, eles sacrificam o compromisso a
prazo no altar da tentação do imediato.
"Temos de trabalhar com quem nos garanta estabilidade, em preços e
quantidade, pois temos compromisso com clientes como a Nestlé, Danone,
Senoble e Unilever, que têm de pôr os seus produtos nas prateleiras.
Não podemos suportar variações anuais de preços na ordem dos 100 a
200%, como alguns produtores querem. O máximo que podemos acomodar é
uma variação de 10%. Nenhum consumidor admi-tiria que o preço do
iogurte de cereja subisse 40% de um momento para o outro", explica o
presidente da Fru-lact, triste porque as compras em Portugal
(essencialmente maçã, pêra e kiwi) valem menos de 5% das 20 mil
toneladas que compra todos os anos. Os principais fornecedores são
Polónia (morangos), Sérvia (framboesas e cerejas), Chile e Marrocos.
Almoçámos no restaurante da Casa de Chá da Boa Nova, a primeira
obra-prima de Álvaro Siza, em Le-ça da Palmeira, onde João cresceu, já
que o pai, Arménio (um autodidacta que se especializou em lacticínios
na Iogurtes Sabóia), trabalhava ali perto, na Longa Vida, onde, entre
muitas outras coisas, foi responsável pela produção do camembert.
"Conhecia os buracos todos des-ta praia. Nas noites de lua cheia,
apanhávamos sapateiras e navalheiras que depois comíamos em grandes
patuscadas", recorda João, que nasceu em Roriz, Barcelos, onde tem uma
quinta onde se refugia ao fim-de-semana e ainda é conhecido pelos mais
velhos como o neto da Augusta do Monte - a avó mater-na, que tinha uma
mercearia onde ganhava uns tostões contando o dinheiro ao fim do dia.
Fizemos uma refeição à altura do local, aberta com um porto seco da
Burmester e regada com um branco transmontano Bons Ares (2009) que
constou de amêijoas à Bulhão Pato e camarões ao alho e robalo ao sal.
Espicaçado por João, o empregado concedeu que foi ainda melhor do que
a servida a Chávez e Sócrates, quando o Presidente vene-zuelano foi
aos Estaleiros de Viana: "A eles servimos-lhes robalo no for-no." A
propósito da sua quinta em Barcelos, falamos dos investimentos que
Belmiro de Azevedo está a fazer em fruta (em particular em kiwi). "Ele
sabe que, em termos de sustentabilidade, a agricultura é o futuro do
País", declarou João, que, aos 23 anos, após ter trabalhado na gestão
de stocks de uma oficina de tractores e na parte administrativa de uma
estamparia, agarrou com ambas as mãos a oportunidade de fornecer chila
e caramelo à Longa Vida. Pai e filho desalojaram cães (Arménio é
caçador) e patos do fun-do do quintal, onde construíram um anexo com
120 m2. Estávamos em 1987 e nascia a Frulact.
http://dn.sapo.pt/gente/interior.aspx?content_id=1732161

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