quinta-feira, 3 de fevereiro de 2011

Crédito Agrícola

OPINIÃO
03 Fevereiro2011 | 11:49
Eduardo Cintra Torres - ect@netcabo.pt
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Eduardo Cintra
Torres
Sobre o Autor
Poucas são as instituições portuguesas que se podem honrar de chegar
ao centenário.
O Crédito Agrícola é uma delas e usa-o como garantia de fiabilidade
numa campanha emocional que torna visível a passagem do tempo.
São raras as empresas nacionais que atingem idades provectas, como a
Casa Batalha, a Livraria Bertrand ou o Crédito Agrícola (CA).
Em
Portugal, a fragilidade da economia, as revoluções políticas, as
crises, as mudanças dos negócios e tecnologias, o desinteresse dos
próprios proprietários pela continuidade das empresas, tudo leva ao
encerramento fácil das companhias. As companhias sobreviventes como o
CA podem, por isso, orgulhar-se de uma resistência rara e apresentá-la
como sinónimo de qualidade de produtos ou serviços, reiterada pelos
clientes ao longo das décadas. Pelo darwinismo empresarial só
sobrevivem as empresas mais fortes, com clientes satisfeitos.
Os anúncios televisivos CA mostram a passagem dos anos através de uma
única personagem, que de plano para plano muda de roupa, cabelo e
pelugem na cara, desde um passado a preto e branco até ao presente
colorido. O processo narrativo é bem conhecido da publicidade: tudo
muda, excepto um ponto de interesse, em geral um ser humano. Neste
caso, o homem personifica o CA. Enquanto entra e sai de uma loja, ou
apanha uma maçã do chão ou leva com uma bola na cabeça, o plano
seguinte transporta a personagem para um período diferente num
montagem necessariamente sem sobressaltos, dado que não se poderia
sugerir qualquer instabilidade empresarial.
Na versão mais curta do spot é difícil acompanhar o texto, que coloca
o CA lá onde era preciso, "de aldeia a vilas, de vilas a cidades, de
geração a geração". Apresenta a instituição como um banco de
proximidade ("apoiámos vizinhos, famílias e empresas") e fiável, sem
sentir necessidade de mencionar dinamismo ou modernidade. O final das
duas versões é diferente. Na longa, torna-se perceptível ao observador
que o homem que caminha pelo tempo é o próprio CA, pois nos planos
finais está num balcão a atender clientes. Na versão curta, essa cena
é substituída por um regresso ao plano inicial, destinado a sugerir
1911, fechando o círculo narrativo com a ligação ao princípio.
O anúncio está bem realizado, mas a parte de reconstituição do passado
mais remoto parece-me ser demasiado ficcional, do ponto de vista
visual, para quem conhece o início do século XX português. Logo o
primeiro plano, com uma casa/agência isolada na paisagem, tem muito
pouco de nacional. E os planos seguintes, de construção da cidade à
sua volta, mais parecem westerns norte-americanos do que da realidade
cá da santa terrinha. O que conheço de imagens portuguesas daquele
tempo tem muito pouco a ver com a ficção dos anúncios do CA. A música
em inglês ("We should all unite… Nothing will go wrong") acentua essa
impressão.
É possível que ela resulte também de não termos um imaginário
cinematográfico, partilhado por todos, das décadas de 1910-20. Se os
portugueses se borrifam para o seu passado, não tinha de ser a
publicidade a impor o rigor histórico. Todavia, como é a própria
instituição anunciada que se inscreve num passado real e o reivindica
no próprio anúncio, convinha alguma atenção: ao desvirtuar o passado
histórico, também se desvirtua o passado em que se inscreve o CA.
O lado "americano" dos anúncios é, entretanto, um falso paradoxo
analítico da minha parte, porque foi pelo recurso à linguagem
audiovisual "universal" - a do cinema e da TV dos EUA - que os
publicitários deram ao Crédito Agrícola o ar de "modernidade" que o
texto não refere. O banco vem de 1911, mas o anúncio quer ser de 2011.

ect@netcabo.pt
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