segunda-feira, 17 de junho de 2013

Bêbedos atacam enólogos! Não é piada, é xenofobia

por LEONÍDIO PAULO FERREIRAHojeComentar

Umas 50 herdades compradas por chineses na região bordalesa; ameaça de
Pequim de taxar mais os vinhos franceses; seis chineses estudantes de
Enologia agredidos por bêbedos em Hostens, terra a sul de Bordéus. Só
se pode concluir que estão animadas as relações vinícolas entre a
França e o gigante asiático. E que nem tudo, apesar de estarem em
causa belos vinhos, merece um brinde.

Soube-se há dias que os sete hectares da herdade Le Bon Pasteur foram
vendidos a um magnata de Hong Kong. O vinho com esse nome é um dos
mais prestigiados em França e calcula-se que a colheita só dê para
umas mil caixas por ano. A família Rolland, dona do Le Bon Pasteur há
um século, cedeu também as denominações Rolland Maillet e Château
Bertineau.

Ora, se a febre chinesa pelos bordéus faz fortunas, deixa preocupada
muita gente na região. Temem que a tradição esteja em risco e que os
orientais aprendam os segredos do vinho para depois o recriarem no seu
país.

Um receio legítimo (já houve apreensões do célebre Château Lafite
falsificado) que se transformou em agressão absurda quando três jovens
alcoolizados atacaram no sábado um grupo de futuros enólogos, a
estagiar em França. Uma chinesa de 24 anos sofreu ferimentos graves no
rosto depois de atingida com uma garrafa, o que levou a uma vaga de
indignação.

O ministro francês do Interior classificou o incidente de "xenófobo",
pois os agressores proferiram insultos racistas. E o colega da
Agricultura disse temer pela imagem da França na China.

Os vinhos franceses são uma perdição para os novos ricos chineses, que
também andam às compras na Borgonha, onde se fizeram donos do Château
de Gevrey-Chambertin, com fama de ter sido o preferido de Napoleão.
Aliás, a marca França vale também milhões quando se trata de perfumes
ou de marroquinaria e têm sido as importações asiáticas a permitir à
indústria do luxo passar ao lado da crise.

Os negócios da China não têm, porém, só um sentido. Os franceses não
podem fazer loas à globalização quando exportam por ano 1,4 mil
milhões de euros em vinhos e bebidas espirituosas para o gigante
asiático e depois assustarem-se quando os bilionários chineses se
lembram de vir às compras no Ocidente, ficando com a Volvo sueca, os
cinemas americanos AMC, a EDP ou as belas herdades de Bordéus.

Há mais de mil anos que a China faz vinho. E hoje em quantidade até
entra nos dez maiores produtores, apesar de importar. O seu novo
líder, Xi Jinping, aprecia um bom tinto, como o prova uma curiosa foto
da Reuters de 2012. E a classe média emergente, centenas de milhões de
pessoas, associa cada vez mais a bebida ao êxito, mesmo que só possa
pagar esses ningxia que em certas provas cegas já bateram os bordéus.

Que franceses e chineses brindem ao amor partilhado pelos bons vinhos.
E a essa globalização que, consumida com moderação, torna o mundo mais
próspero e um pouco mais justo.

http://www.dn.pt/inicio/opiniao/interior.aspx?content_id=3269406&seccao=Leon%EDdio%20Paulo%20Ferreira&tag=Opini%E3o%20-%20Em%20Foco&page=-1

Sem comentários:

Enviar um comentário