terça-feira, 18 de junho de 2013

Milhares de amostras destruídas por falta de dinheiro

GRANDE INVESTIGAÇÃO DN


por Marina Marques e Sílvia FrechesOntem48 comentários

Os laboratórios de referência constituem uma das maiores brechas do
longo percurso de controlo da cadeia alimentar. A Comissão Europeia já
ameaçou o País com pesadas multas. Portugal tem gasto dinheiro na
recolha de amostras, mas nem sempre a sua análise é feita e, por
vezes, quando o resultado chega, já o produto foi consumido.

A história repete-se desde 2006: Portugal não consegue cumprir o Plano
Nacional de Controlo Plurianual Integrado, que engloba os 36 planos de
segurança alimentar, imposto pela Comunidade Europeia, devido a
dificuldades financeiras que afetam sobretudo os laboratórios de
referência. Anualmente, milhares de amostras de alimentos recolhidas
no âmbito dos planos nacionais de controlo de resíduos e de pesticidas
acabam por ser destruídas porque não há resposta dos laboratórios.
Isso mesmo foi verificado pelo DN em documentos oficiais a que teve
acesso e confirmado pelo secretário de Estado da Alimentação e
Investigação Agroalimentar, Nuno Vieira e Brito. Mas o governante
garantiu ao DN, na entrevista publicada ontem, no arranque da Grande
Investigação sobre segurança alimentar, que este ano todos serão
integralmente cumpridos.

Outra situação preocupante nesta área essencial para o controlo e
prevenção de problemas de origem alimentar é o longo tempo que separa
a recolha da amostra e a obtenção do resultado das análises. O atraso
chega quase aos dois anos em alguns casos, o que significa que mesmo
que seja detetado qualquer problema, já o produto em causa desapareceu
das prateleiras das lojas.

Estas situações têm sido alvo de fortes críticas por parte do Serviço
Alimentar e Veterinário (Food and Veterinary Office, na designação
inglesa), a entidade fiscalizadora da segurança alimentar da Comissão
Europeia, que anualmente realiza várias auditorias nos países da União
Europeia.

Portugal já foi mesmo ameaçado da aplicação de multas pelo
incumprimento na análise das amostras. Ainda no ano passado, o atual
secretário de Estado, Nuno Vieira e Brito, então diretor-geral da
Alimentação e Veterinária (DGAV), teve de enviar para um laboratório
de Inglaterra grande parte das cerca de oito mil amostras do Plano
Nacional de Controlo de Resíduos (PNCR). Foi a solução encontrada para
evitar que Portugal pagasse uma pesada multa e uma repreensão que
poderia ter custos económicos elevados.

Isto porque, apesar das recomendações feitas em auditorias realizadas
em 2003 e 2008 pelo Serviço Alimentar e Veterinário (SAV), em 2012
alguns dos problemas apontados continuavam sem resolução. E o mais
recente relatório da entidade europeia, de fevereiro deste ano,
assinala que "face aos sucessivos atrasos dos laboratórios portugueses
em desenvolveram os métodos acreditados e validados para responder ao
requisitos comunitários em várias áreas, existe a necessidade de
implementação de uma estratégia global para os laboratórios que
racionalize os recursos dentro de um período de tempo bem definido".

Fonte oficial do Serviço Alimentar e Veterinário da Comissão Europeia
afirmou ao DN que "as autoridades portuguesas competentes asseguraram
a resolução das deficiências apontadas pelas auditorias".

O que não foi feito

Um documento ao qual o DN teve acesso mostra que a 11 de maio de 2007
foi decidido "proceder à destruição das 900 amostras referentes ao
PNCR de 2006". Uma decisão tomada por unanimidade pela Direção-Geral
de Veterinária, a ASAE e o Laboratório Nacional de Investigação
Veterinária (LNIV), atual INIAV (Instituto Nacional de Investigação
Agrária e Veterinária).

Uma realidade que não surge referenciada no relatório de resultados do
PNCR de 2006. Logo à partida, este relatório mostra que ficaram por
recolher 975 amostras das 7666 planeadas, ou seja, 12,7% do plano não
tinha sido executado. Um valor que aumenta para quase 25% depois de se
juntar as 924 amostras que foi decidido destruir. No entanto, o
documento não faz qualquer referência ao facto de terem ficado por
analisar as referidas amostras.

Mas este não foi caso único. Em 2009, mais precisamente a 4 de
dezembro, o diretor-geral de Veterinária, ao LNIV, reconhece novo
incumprimento deste importante plano: "No âmbito do Plano Nacional de
Controlo de Resíduos de 2008, verificou-se a impossibilidade do
Laboratório Nacional de Investigação Veterinária realizar algumas
determinações analíticas por motivos vários." Por isso, "atendendo à
sua inutilidade na medida em que os resultados do PNCR já foram dados
como concluídos e apresentados à Comissão Europeia, foi determinada a
destruição das amostras em stock".

Desta vez, o universo chega às 924 amostras e este incumprimento torna
a ser omitido no relatório apresentado em Bruxelas. O documento indica
a recolha de 8467 amostras, mais 828 do que as planeadas, mas regista
que todas foram analisadas: 8430 com resultados negativos e 37
positivos, perfazendo as 8467 recolhidas.

Só no relatório dos resultados do PNCR de 2011, surge pela primeira
vez o reconhecimento por parte de Portugal que das 7809 amostras
recolhidas pela ASAE e pela então DGV, agora DGAV, 2200 ficaram por
analisar. E, segundo confirmou ao DN Nuno Vieira e Brito, a situação
em 2012 corria o risco de seguir caminho semelhante. O plano foi
iniciado apenas em agosto e, para assegurar o seu cumprimento,
Portugal teve de recorrer a um laboratório inglês, o LGC Science &
Technology.

Mas os problemas não existem apenas neste plano - um dos 36
referenciados no Plano Nacional de Controlo Plurianual Integrado de
2009-2011, o último disponível, sendo que, segundo fonte oficial do
Ministério da Agricultura, o próximo está a ser ultimado. No Plano de
Controlo de Pesticidas, também têm surgido vários incumprimentos. No
ano passado, não foi executado, apesar de algumas amostras terem sido
recolhidas. E no relatório referente a 2011 são apontadas algumas
falhas, apesar de também assinalar o acréscimo de amostras
relativamente ao ano anterior (mais 116, para um total de 865), com
uma taxa de cumprimento do programa de 88,9%.

"Lamenta-se, tal como nos anos anteriores, o facto de o programa não
ter sido executado na totalidade por limitações técnicas, que incluem
a não disponibilidade de equipamento apropriado para a determinação de
alguns pesticidas e pela falta de recursos humanos em alguns
laboratórios da rede nacional. Também se verificaram dificuldades por
parte da ASAE na colheita de algumas amostras."

Quanto ao seguimento dado às infrações detetadas (em 24 das 865
amostras), "a eficácia destas ações poderá ter sido limitada pelos
tempos entre a receção das amostras e a obtenção pelo laboratório do
resultado da análise pelo LRP. Em consequência das falhas, sobretudo
de equipamentos e de recursos humanos, ocorreram elevados tempos de
resposta no Laboratório Nacional de Referência (LRP em Oeiras).

O relatório de uma auditoria europeia realizada no final de 2011 a
este plano, juntamente com o de resíduos de medicamentos veterinários,
assinala a discrepância de informações prestadas pela então DGV e a
análise dos dados: "De acordo com a DGV, o Plano de Controlo de
Resíduos de 2010 foi completamente aplicado. Porém, a análise dos
dados revelou que tal não era o caso."

A diretora de serviços do Departamento de Riscos Alimentares e
Laboratórios da ASAE, Graça Mariano, confirmou ao DN que a entidade
que representa fez a recolha de amostras, mas não esclareceu qual o
destino dado às mesmas: "A ASAE faz apenas a colheita das amostras de
acordo com o plano que nos é remetido anualmente. As análises são
feitas em laboratórios do Ministério da Agricultura."

Efeitos na saúde pública

O presidente da Associação Portuguesa de Médicos de Saúde Pública
admite que -independentemente do plano ser plenamente cumprido -
existe algum risco para a saúde publica associado à questão dos
pesticidas, uma vez que o controlo é "muito complexo". Mário Jorge
Santos explica que as análises que são feitas "podem não contemplar
muitos pesticidas porque não estão homolgados pelo Ministério da
Agricultura. Há dezenas de produtos dessa natureza que surgem e que,
muitas vezes, não são analisados."

O especialista em saúde pública identifica ainda como problema "a
aliteracia de alguns agricultores que não sabem utilizar os
pesticidas: ou utilizam em alturas indevidas ou em quantidades
elevadas, que podem ser prejudiciais para a saúde pública".

http://www.dn.pt/inicio/portugal/interior.aspx?content_id=3269477&page=-1

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