quarta-feira, 23 de outubro de 2013

Moçambique, o país pobre que tanto promete

ANA FERNANDES

22/10/2013 - 13:14

Gás natural e carvão vieram dar novas perspectivas de crescimento para
Moçambique.


Um dos mais pobres entre os pobres. Moçambique era – e ainda é – um
país muito dependente da ajuda internacional onde todos os indicadores
sobre desenvolvimento humano apresentam os seus valores mais baixos: A
esperança de vida ronda os 50 anos e 80% da população trabalhadora é
analfabeta, para dar alguns exemplos. Mas em 2011, uma nova luz
acendeu-se no mar, com a descoberta de imensas reservas de gás que
prometem colocar o país entre os dez principais produtores mundiais. A
exploração deste manancial, assim como das importantes reservas de
carvão em terra, prometem impulsionar a economia do país.

As promessas não se ficam pelo sector energético. Em plena crise
europeia, Moçambique surgiu como uma espécie de Eldorado, sobretudo
para os portugueses. Com perspectivas de crescimento acima dos 7% em
2013, o país é carente de infra-estruturas, especialização de
mão-de-obra, investimento e tem ainda muito que fazer em sectores como
o turismo, a agricultura, os transportes ou o sector financeiro, para
citar alguns.

No início da semana passada, a consultora Business Monitor
International (BMI) indicava que Moçambique deverá atingir um pico de
crescimento de 15% em 2020, quando as reservas de gás entrarem em
produção. De acordo com o relatório sobre o país, citado pela
Bloomberg, a economia moçambicana vai crescer 7,1% este ano,
desacelerando face aos 7,5% do ano passado, "devido ao impacto que as
inundações tiveram na produção agrícola no primeiro trimestre".

Segundo o FMI, as previsões apontam para um crescimento de 7% este ano
e de 8,5% em 2014

"A ocorrência de cheias no início de 2013 provocou o deslocamento de
população e a destruição de colheitas e de infra-estruturas, obrigando
as autoridades a proteger os mais vulneráveis e a reconstruir as
infra-estruturas danificadas. As previsões apontam para algum
abrandamento do crescimento económico em 2013, devendo atingir ainda
assim 7,0%, com base no impulso que deverá registar a actividade dos
grandes projectos. Contudo, o subsequente aumento das importações de
bens e serviços acarretará nova degradação da conta corrente externa",
explica, por sua vez, o Banco de Portugal, no seu mais recente
relatório sobre Moçambique.

Também o FMI adiantou, no início do mês, previsões que apontavam para
um crescimento de 7% este ano e de 8,5% em 2014. "A previsão de
crescimento é razoavelmente robusta, alicerçada no investimento em
infra-estruturas, energia e projectos de recursos naturais, bem como
num aumento da produção dos projectos que agora entram em
funcionamento", afirmou o FMI.

A este cenário acrescia um panorama político favorável, pois, para os
técnicos da BMI, "apesar de se manterem desafios significativos, há
razões para acreditar que o progresso que está a ser feito para
resolver o diferendo entre a Frelimo e a Renamo vai ser alcançado,
apesar dos líderes dos dois partidos e não por causa deles". Uma
previsão agora abalada.

Não obstante as altas expectativas em relação ao país, o certo é que a
pobreza continua a reinar: pelo menos 54% da população moçambicana
vive com menos de um dólar por dia. Em Abril, a relatora especial da
ONU sobre a pobreza e direitos humanos, Magdalena Sepúlveda, denunciou
a existência de indícios do agravamento da pobreza entre as camadas
mais desfavorecidas em Moçambique, apontando "a falta de vontade
política", as fraquezas legais e as insuficiência de quadros
qualificados como algumas das razões para o problema.

O ouro energético
O bom comportamento económico de Moçambique tem uma base relativamente
alargada, "tendo sido sobretudo dinamizado, em 2012, pela produção do
sector agrícola (responsável por mais de 23% do produto real), dos
transportes e comunicações (reforçando continuadamente o seu peso no
total), da indústria transformadora e do comércio, dos serviços
financeiros e da indústria de extracção mineira (como reflexo do
arranque de produção das minas de carvão na província de Tete)",
explica o Banco de Portugal.

Apesar desta base alargada e do enorme potencial que vários sectores
da economia moçambicana apresentam, como a agricultura e o turismo - o
parque natural da Gorongosa, onde estão a decorrer os conflitos, seria
uma das alavancas óbvias -, é na energia que estão a ser feitas boa
parte das apostas.

Moçambique tem reservas de carvão estimadas em cerca de 23 mil milhões
de toneladas, esperando-se que o potencial do país aumente no futuro,
dado que os processos de prospecção e pesquisa ainda estão em curso -
o que o coloca entre os dez maiores produtores de carvão mineral do
mundo.

À cabeça da exploração destes recursos estão dois gigantes: a
brasileira Vale e a anglo-australiana Rio Tinto. A exploração de
carvão não tem sido isenta de críticas. As empresas são acusadas de
ter deslocado milhares de habitantes e de não ajudarem a desenvolver
as economias locais, já que tudo é importado. A ferrovia de escoamento
do carvão de Tete para o porto na Beira já foi ocupada por protestos e
os conflitos são habituais.

Mas foi a descoberta do gás natural na bacia do Rovuma, no Norte de
Moçambique, que mais esperanças tem feito nascer. A sua exploração,
onde a Galp participa num consórcio liderado pela italiana ENI, poderá
gerar uma receita anual superior a 10 mil milhões de dólares (cerca de
7300 milhões de euros), anunciou, em Setembro, a ministra dos Recursos
Minerais, Esperança Bias.

"Foram até aqui avaliadas reservas de mais de 75 triliões de pés
cúbicos (tcf) para a Área 4 e mais 95 tcf para a Área 1, estando a
ser elaborado o plano optimizado da extracção deste recurso de forma a
permitir a construção, instalação e operação de quatro unidades de gás
natural liquefeito com uma capacidade total anual de 20 milhões de
toneladas, o que poderá representar um valor de receitas anual
superior a 10 mil milhões de dólares", explicou.

Moçambique quer exportar gás natural liquefeito a partir de 2018. Para
que este projecto avance será necessário investir no desenvolvimento
de infra-estruturas para extrair o gás natural, incluindo terminais de
gás natural liquefeito capazes de processar cerca de 20 milhões de
toneladas e uma rede de distribuição para abastecer o mercado interno
e os países vizinhos, a par da revitalização da estrutura portuária.




A importância para Portugal
Além da energia, onde a Galp marca presença, são muitos os sectores
onde estão empresas portuguesas. Ainda nesta terça-feira, a Portucel
assina um contrato de consultoria com o International Finance
Corporation, o organismo do Banco Mundial que lida com o sector
privado, para "reforçar a sustentabilidade das operações florestais da
Portucel em Moçambique, nomeadamente através de estudos de impacto
ambiental e social e de planeamento e desenvolvimento de projectos nas
comunidades locais, bem como na implementação de investimentos na
comunidade e no fomento do tecido empresarial".

São já mais de 25 mil portugueses a viver e trabalhar em Moçambique

O projecto em Moçambique, que integra a produção florestal, de pasta
de celulose e de energia, está avaliado em 2300 milhões de dólares e
prevê a criação de cerca de 7500 postos de trabalho, consistindo a
primeira fase em novas plantações de eucalipto numa área de até 60.000
hectares.

Mas há muitas mais empresas com negócios no país: a tecnológica
Novabase, a Visabeira Moçambique (através da marca Sogitel), a
Mota-Engil, a Soares da Costa, Visabeira ou a Sumol+Compal são alguns
dos exemplos. Na área financeira, regista-se também uma forte presença
de bancos portugueses, como o BPI, CGD, BCP e BES.

O certo é que são já mais de 25 mil portugueses, a viver e trabalhar
em Moçambique. A Câmara de Comércio Moçambicano diz que o número de
contactos de empresas ou profissionais portugueses com o país
triplicou nos últimos dois anos e os voos da TAP para Maputo têm vindo
a aumentar.

Em 2012, Portugal ocupou a segunda posição no top dos dez países
estrangeiros que mais investiram no país, tendo aplicado 176,5 milhões
de dólares em Moçambique, depois dos Emiratos Árabes Unidos, que
investiram 261,4 milhões de dólares.

O investimento directo estrangeiro teve origem em 43 países, sendo os
principais dez maiores investidores os Emiratos Árabes Unidos,
Portugal, África do Sul, Maurícias, China, Reino Unido, Brasil, Índia,
Itália e Lesoto.

No ano passado, as trocas comerciais entre os dois países mostram um
agravamento da balança comercial para o lado moçambicano. As
exportações de Moçambique para Portugal caíram para 16 milhões de
euros (42 milhões em 2011), e as importações de produtos portugueses
conheceram um crescimento de cerca de 20%, para os 288 milhões de
euros. Até Agosto deste ano, as empresas nacionais já venderam bens no
valor de 213,9 milhões a Moçambique.

http://www.publico.pt/economia/noticia/o-pais-pobre-com-promessas-de-1609940

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