terça-feira, 5 de abril de 2016

Nikolai Vavilov: o primeiro guardião da biodiversidade vegetal

ANA GERSCHENFELD 30/03/2016 - 08:36

É pouco conhecido do grande público. Mas foi o primeiro cientista a perceber que, para salvar a humanidade da fome, era imperativo conservar a biodiversidade genética das plantas cultiváveis do mundo inteiro em "bancos de sementes". Ironicamente, morreu de fome na prisão durante o estalinismo.


Cofre-Forte de Sementes Global de Svalbard (Árctico), inaugurado em 2008DAG TERJE FILIP ENDRESEN/NORDGEN

Todos (ou quase) terão ouvido falar, nos media, do grande Cofre-Forte de Sementes Global de Svalbard, uma espécie de congelador gigante, de aspecto futurista, construído numa zona montanhosa do Árctico. Inaugurado em 2008, tem como objectivo proteger o maior número de espécies cultiváveis úteis do mundo – como feijões, arroz ou trigo –, contra as piores calamidades que possam acontecer, de forma a preservar o sustento alimentar da humanidade. Mas o que quase ninguém sabe é que essa ideia de preservação da biodiversidade agrícola nasceu há um século na cabeça de um cientista russo.

Foi precisamente em 1916 que Nikolai Vavilov, biólogo, geneticista, geógrafo, agrónomo e especialista do melhoramento das espécies vegetais partiu para a Pérsia (actual Irão) na sua primeira expedição, para recolher sementes cultivadas em regiões mais e menos "exóticas". Essa sua actividade intensa de exploração dos quatro cantos do globo continuaria ao longo da sua vida e conduziria à criação, já em 1924 em São Petersburgo (então Leningrado), do primeiro banco de sementes do mundo.

"O sonho de Vavilov era acabar com a fome no mundo e o plano que tinha para o conseguir consistia em utilizar a ciência emergente da genética para gerar 'super-plantas', capazes de crescer em todos os locais e em todos climas – dos desertos de areia às gélidas tundras, durante secas ou inundações", lê-se no site da cadeia global de televisão Russia Today. E para o poder fazer, o cientista precisava de trazer para o seu laboratório a diversidade genética global.

Coleccionador de plantas
Nikolai Vavilov nasceu em Moscovo a 25 de Novembro de 1887. O seu pai era um "próspero homem de negócios tornado milionário", lê-se numa recensão de 1994, na revista Nature, da primeira da tradução em inglês (publicada em 1992) dos mais importantes trabalhos de Vavilov, coligidos sob o título de Origin and Geography of Cultivated Plants. Depois de acabar o curso no Instituto de Agricultura de Moscovo, Vavilov passou quase um ano, entre 1913 e 1914, no Reino Unido, no laboratório de William Bateson, pioneiro da genética moderna – e que cunhara aliás a palavra "genética" em 1901.

Quando estalou a Primeira Guerra Mundial, Vavilov regressou a Moscovo e, na Universidade de Saratov, (cidade situada a uns 700 quilómetros a sudeste de Moscovo, nas margens do rio Volga) começou a fazer investigações sobre a resistência das plantas às doenças, lê-se ainda na Nature, "virando-se depois para o estudo dos parentes selvagens das plantas cultivadas e formulando a ideia de que todas as plantas domesticadas tinham surgido em áreas de actividade humana na pré-história". E foi para demonstrar esta hipótese que Vavilov organizou expedições "para sítios onde supostamente tinham assentado as povoações humanas mais antigas". Identificou assim, primeiro cinco "centros de origem" das plantas cultiváveis. Mais tarde, esse número aumentou para sete ou oito (segundo as fontes).

A paixão de Vavilov pelas plantas vinha de longe. "Vavilov começou a coleccionar plantas durante a infância: tinha um pequeno herbário em casa", escrevia em 1991 Barry Mendel Cohen (que fizera a sua tese de doutoramento sobre o cientista) num texto publicado na revista Economic Botany.

"Contudo", prossegue Cohen, "a primeira verdadeira expedição destinada à recolha de plantas foi a sua viagem à Pérsia em 1916" – em plena Primeira Guerra Mundial. Vavilov não fora recrutado pelo exército por razões de saúde e o Ministério da Agricultura decidira então enviá-lo em missão à Pérsia.

Aquela expedição, que durou de Maio a Agosto, foi certamente uma aventura, salienta Cohen. "Primeiro, Vavilov ficou detido na fronteira durante três dias pelas autoridades russas, porque transportava com ele alguns manuais em alemão e mantinha um diário escrito em inglês" – um hábito que tinha adquirido durante a sua estadia no Reino Unido. Vavilov "foi acusado de ser um espião alemão e só foi libertado quando chegou a confirmação oficial da autenticidade dos seus documentos", acrescenta Cohen.

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