quarta-feira, 22 de novembro de 2017

Nos próximos meses terá de chover quase tanto como a média anual



A barragem de Fagilde, em Mangualde, atingiu os mínimos históricos e teve de ser reabastecida por 40 camiões-cisterna dos bombeiros  |  NUNO ANDRÉ FERREIRA/LUSA
PUB
O território do continente tem hoje menos 200 mm de precipitação do que há 50 anos e os cenários de futuro não são animadores

Vem aí chuva, a partir de amanhã, mas as previsões do IPMA também mostram que ela não será suficiente para aliviar a seca extrema (o grau mais grave na escala) que afeta a quase totalidade do território continental (94%) - os 6% restantes estão em seca severa, logo abaixo.

"No mínimo dos mínimos era preciso que nos próximos meses tivéssemos uma precipitação de pelo menos 500 mm [milímetros] para desagravar a seca", estima o físico e especialista em alterações climáticas Filipe Duarte Santos. Para se ter uma ideia, isso corresponde a pouco menos do que a precipitação média anual na região de Lisboa, tomando como referência o período 1971-2000, que é da ordem dos 600 a 800 mm. Mas, se isso vai acontecer, ou não, é uma incógnita.




Já se disse: esta é a seca mais grave desde que há registos meteorológicos sistemáticos em Portugal, ou seja, desde 1931. Mas, ao contrário do que aconteceu em todas as secas anteriores, que acabaram por desaparecer com as chuvas de outono, esta tem uma particularidade única: o outono entrou seco e assim se tem mantido. As contas são do IPMA: outubro teve uma precipitação 70% inferior ao normal e, até agora, novembro está a seguir o mesmo padrão, até um pouco agravado, e já vai em menos 76% de precipitação, quando se compara com as médias de novembro para o período de referência 1971-2000.

Os valores médios anuais da chuva em Portugal Continental rondam os 900 mm, considerando o mesmo período de referência, mas a distribuição geográfica da pluviosidade é muito assimétrica. Anda entre os 1800 mm anuais no extremo máximo, na zona mais alta da Serra do Gerês, no Minho, e os 500 mm anuais, no extremo mínimo, na zona de Mértola, no Baixo Alentejo. Já para Lisboa, a média ronda os 600 a 800 mm, e no Porto é um pouco mais: mil a 1100 mm.

Os registos meteorológicos mostram, no entanto, uma tendência de redução da precipitação, que já dura desde 1960, e que tem progredido à razão de 40 mm por década. Ou seja, "no último meio século, Portugal perdeu cerca de 200 mm da sua precipitação anual, o que é um valor significativo", explica Filipe Duarte Santos.

Ou seja, as secas estão a agravar -se. E se continuar a não chover nos próximos meses, esta vai agravar-se mais ainda. "Terá inevitavelmente impacto económico, nomeadamente no aumento do preço dos produtos agrícolas, ou no setor da cortiça, porque já há muitas árvores a morrer no montado", estima o especialista. "É essencial contabilizar os prejuízos desta seca, para se perceber quanto custa ao país, porque sem esses dados é muito difícil fazer a adaptação necessária às alterações climáticas". Essa adaptação também tem custos, mas representam ganhos a prazo. Os prejuízos são apenas isso.

Até mais 11 secas entre 2070 a 2100

Em 2002, quando o grupo de Filipe Duarte Santos publicou os resultados do projeto SIAM, o primeiro estudo sobre as alterações climáticas em Portugal, as estimativas de aumento do número de secas e do agravamento da sua severidade já lá estavam, muito claras, para o final do século. Mas passaram apenas 15 anos e esta seca já se encaixa nessa tendência. "Eu próprio estou surpreendido, porque é muito rápido", confessa o especialista.

Para a bacia mediterrânica, os estudos indicam que a Península Ibérica é uma das regiões mais afetadas pelas alterações climáticas ao longo deste século, com redução da precipitação, aumento da temperatura e secas mais frequentes e mais severas. Num cenário de aumento de três graus da temperatura média do planeta até ao final do século - aquele para o qual caminhamos com as atuais emissões de gases com efeito de estufa - haverá entre mais quatro e sete secas no período 2041-2070 (por comparação com 1971-2000) e mais sete e 11 em 2071-2100.

Gestão da água mais eficiente e agricultura adaptada

Nesse cenário futuro - mesmo cumprindo o Acordo de Paris, com um aumento máximo da temperatura de dois graus, a chuva vai diminuir por cá -, a pergunta impõe-se: como vai ser com a água?

A resposta, essa, terá de passar necessariamente por uma gestão mais eficiente, talvez pela procura de fontes alternativas e, necessariamente, por adaptações na agricultura que é a grande campeã do consumo da água, com uma fatia de cerca de 75% do total.

"É necessária maior eficiência na distribuição da água e equacionar um plano de adaptação às alterações climáticas, que passa também por uma reavaliação dos sistemas existentes, para se planear melhor a distribuição local da água com prioridade ao consumo humano, e para evitar as perdas e desperdícios, que chegam aos 40% atualmente", diz Francisco Ferreira, professor da Universidade Nova de Lisboa e presidente da associação ambientalista Zero.

Luísa Schmidt, investigadora do Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa e coordenadora do Observa-Observatório de Ambiente, Território e Sociedade, concorda com a necessidade de gestão mais eficiente. "É importante regressar ao sistema de gestão de bacias hidrográficas, repondo as Administrações de Região Hidrográfica, que tinham uma gestão de proximidade eficiente, de monitorização em contínuo e era autossustentável, com a taxa de utilizador-pagador", afirma a socióloga.

Construir mais pequenas albufeiras poderá ser uma possibilidade, se a gestão eficiente não chegar num cenário climático mais grave, mas a agricultura é que terá mesmo de adaptar-se, nomeadamente "com novas tecnologias de rega de precisão, para evitar desperdício de água, e com a mudança de culturas para espécies autóctones que precisem de menos água", diz Luísa Schmidt.

Sem comentários:

Enviar um comentário