terça-feira, 6 de fevereiro de 2018

Açores: mais de 60% dos produtores estão falidos


04.02.2018 às 13h17

 
Governo regional, produtores e indústria dos Açores são unânimes a afirmar que três anos após o fim das quotas leiteiras o cenário é negro: mais de 60% dos 2.132 produtores de leite da região estão falidos

Os Açores são responsáveis por 30% da produção de leite a nível nacional e o fim das quotas leiteiras, a cumprir três anos, está a revelar-se dramático para os produtores da região autónoma.

O titular da pasta da Agricultura do Governo dos Açores, João Ponte, considerou em declarações à agência Lusa que o balanço do desmantelamento das quotas "não é positivo", o que resulta da desregulação dos mercados, associada ao embargo russo e à redução do consumo de produtos lácteos. Jorge Rita, presidente da Federação Agrícola dos Açores (FAA) - organismo representativo da produção – estima que mais de 60% dos 2.132 produtores de leite da região estão falidos.

O regime de quotas foi introduzido em 1984, numa época em que a produção excedia muito a procura, tendo as sucessivas reformas da Política Agrícola Comum (PAC) orientado o mercado do setor para a liberalização. Em 2014 acabaram as quotas.

Afirmando que os impactos negativos da medida "foram acrescidos" no arquipélago, o secretário regional da Agricultura e Florestas sublinhou que face à redução do preço do leite no mercado, as medidas e ajudas dos governos regional e nacional "foram importantes para compensar os agricultores".

João Ponte admitiu que, "não sendo expectável" o regresso do regime de quotas, "será fundamental" que a Comissão Europeia introduza "equilíbrio nos rendimentos", devendo a revisão da PAC "dar um contributo para a regulação das boas práticas entre os diferentes operadores da cadeia alimentar", por forma a que haja uma "distribuição equitativa do valor acrescentando".

Para o governante açoriano, deve haver ainda apoios específicos de Bruxelas para compensar as oscilações em baixa do preço do leite, visando compensar os produtores.

Já o presidente da Federação Agrícola dos Açores, sublinha que com a liberalização do regime de quotas as "perspetivas de catástrofe" materializaram-se, com os países e regiões mais periféricas, como os Açores, a "sofrerem mais".

Além da desregulação do mercado do leite, do embargo à Rússia e da diminuição do consumo por parte da China, que foram fatores importantes, Jorge Rita sublinha que os agricultores estão hoje "muito mais frágeis" face a uma concorrência forte do norte da Europa que, por norma, coloca os seus excedentes nos países periféricos com base em "concorrência desleal, em termos de preços, muitas vezes vendendo-se abaixo dos custos de produção".

O dirigente reconhece que "houve alguma retoma dos mercados do leite", mas salvaguarda que se está "muito aquém da expectativa em termos de rendimento dos produtores".

Fim de quotas desregulou mercado

Os produtores de leite defendem que com o fim das quotas o mercado ficou desregulado e houve um aumento da produtividade no arquipélago dos Açores que provocou condições de competitividade desiguais.

"O fim das quotas trouxe um aumento da produção em países que estão muito vocacionados para a exportação. Portugal não tem essa vocação […], mas temos uma região [Açores] que tem um regime de ultraperiferia que apoia fortemente a produção de leite. Logo em 2015, os Açores aumentaram em cerca de 11% a sua produção, não para exportar, mas para ficar no mercado interno", disse à Lusa o secretário-geral da Federação Nacional das Cooperativas de Produtores de Leite (Fenalac).

Fernando Cardoso, secretário-geral da Fenalac, defende que o fim das quotas provocou a desregulação do mercado, criando situações de volatilidade. "Temos momentos em que, realmente, há excesso de leite e temos outros momentos em que o mercado está em alta e há até alguma falta de leite", apontou.

Já o diretor-geral da Associação Nacional de Industriais de Laticínios (ANIL), Paulo Leite, diz que o fim do regime de quotas tornou o país "mais frágil", ao beneficiar os operadores do norte e do centro da Europa. "[A nível nacional], a única exceção que existe são os Açores, porque têm um regime especial, o POSEI, aplicável às regiões ultraperiféricas e, dentro desse regime, têm um nível superior à produção […], que pode criar, pontualmente, situações de concorrência desleal", acrescentou.

O secretário-geral da Fenalac lembrou que, atualmente, há um sistema que "tenta" substituir as quotas leiteiras, no entanto, a gestão do mesmo é feita de forma arbitrária. "Temos um mecanismo de auto responsabilização dos operadores que tenta, de alguma forma, substituir os efeitos positivos das quotas. Neste momento, todos os produtores de leite têm um contrato de fornecimento com a sua cooperativa para garantir alguma segurança, porque têm alguém que lhe recolha o leite naquela quantidade e naquele preço e para garantir também uma limitação da oferta", afirmou.

Fernando Cardoso diz que não é uma consequência do fim do regime de quotas, mas do peso que a distribuição exerce sobre o preço. "Portugal é neste momento, sem sombra de dúvidas, um dos países da União Europeia onde, principalmente o preço do leite, mas também de todos os produtos lácteos, é dos mais baixos. Não porque em Portugal é mais barato produzir leite, mas porque há uma distribuição mais aguerrida", considerou.

Governo e Federação negam concorrência desleal

O Governo regional e a Federação Agrícola dos Açores refutaram as acusações da ANIL de que o POSEI esteja a introduzir concorrência desleal no mercado nacional.

O secretário regional da Agricultura, João Ponte, assegura que "é falso e não faz qualquer sentido" dizer que o programa POSEI (regime especial para as regiões ultraperiféricas) esteja a provocar concorrência desleal no mercado do leite.

Opinião diferente tem o diretor-geral da ANIL."[A nível nacional], a única exceção que existe são os Açores porque têm um regime especial, o POSEI, aplicável às regiões ultraperiféricas e, dentro desse regime, têm um nível superior à produção […], que pode criar, pontualmente, situações de concorrência desleal", diz Paulo Leite.

João Ponte explicou que no caso específico dos Açores, que foram excluídos destas ajudas, as mesmas foram integradas no POSEI, a partir de 2010, o que levou o responsável político a frisar que "dizer-se que na região há um benefício ou um estatuto especial não corresponde à verdade".

O governante recordou que o arquipélago constitui uma região ultraperiférica penalizada por custos acrescidos, como a dispersão geográfica e pequena dimensão das explorações, acrescentando que "produzir um litro de leite nos Açores custa mais do que no continente ou no centro da Europa". O regulamento n.º 228/2013 da Comissão Europeia, do Parlamento Europeu e do Conselho Europeu, de 13 de março de 2013, estabelece medidas específicas no domínio agrícola a favor das regiões ultraperiféricas da União Europeia, entre as quais os Açores.

Também o presidente da Federação Agrícola dos Açores, Jorge Rita, refuta que o POSEI possa criar situações de concorrência desleal, destacando que esta é uma "medida de compensação por se viver numa região ultraperiférica" que é "penalizada por custos acrescidos", como custos de transportes e dispersão geográfica, por exemplo.

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