quinta-feira, 12 de abril de 2012

ADEGAS COOPERATIVAS: O ÚLTIMO REDUTO

SECÇÃO: Opinião
Ao longo de vários anos, aí umas cinco ou seis décadas até, no Alto
Douro vinhateiro, tudo rolou na santa paz do Senhor.
Os jornaleiros davam o dia no árduo trabalho em redor das videiras a
troco de cinco réis de mel coado, os agricultores, agricultavam, e os
comerciantes, comercializavam.
Entre vindimas, a única preocupação era manter a novidade o mais
bonita e viçosa possível, para que dos cachos esmagados nos lagares
resultasse a maior quantidade de vinho possível, que a qualidade,
essa, estava garantida à partida pelas características do solo e do
clima, que é como quem diz, pelas condições naturais. Um vinho mau, só
por falta de higiene nas adegas, ou por falta de cuidados depois das
encubas.

Vindimas após vindima, as colheitas eram escoadas sem o menor
constrangimento e a preços que sempre davam para o granjeio e para
algumas extravagâncias.
As uvas tinham poiso certo para virarem mosto, e os vinhos tinham
compradores e preços garantidos à partida.
Na adega de cada qual, nas casas exportadoras, ou nas adegas
cooperativas, não faltava vasilhame para armazenamento dos vinhos até
que os intermediários viessem por eles.
Para os que sobravam por não haver comprador para tanta pipa, lá
estava a Casa do Douro para os receber a troco de preços absolutamente
garantidos e previamente estabelecidos.
Lavrador duriense que se não quisesse ralar muito, pouco tinha com que
se ralar.
Mais não fosse, entregava as uvas na adega cooperativa mais próxima, e
mais não tinha do que esperar pela paga.
Apesar de a cooperativa ser tanto sua, como a de qualquer outro
associado, quando muito, a maioria limitava-se a votar na escolha dos
órgãos dirigentes caso no dia das eleições lhe apetecesse, ou não
tivesse mais nada que fazer tido como mais importante.
Se proprietário no Douro, era mais do que uma condição social, ao
jeito dos tempos de antigamente quando as sociedades estavam
organizadas não em classes sociais mas em estados.
Era-se da nobreza, do clero ou do povo, e no Douro, era-se
proprietário, ou com residência fixa no Porto, ou com mesa certa no
Café Nacional na Régua onde se passavam ociosos dias a desfiar
conversa fiada.
Para tudo isto desde os fins da década de cinquenta do século passado,
deram forte contributo as adegas cooperativas, reduto principal e mais
imediato dos pequenos e dos médios viticultores, até ao dia em muitos
se convenceram que tinham condições para implementar marcas próprias
com logótipos vanguardistas e apelativos, quantas vezes a custarem
pipas de vinho só na sua criação.
Num tempo em que ganhar-se escala para melhor se vender e melhor se
comprar, é algo de essencial, no Douro pulverizaram-se as
potencialidades segundo os múltiplos umbigos e as comuns vaidades.
Mandar as camionetas com os contentores para as cooperativas, ser-se
associado delas, passou quase a ser um anátema, um sinal de baixa
condição, um ferrete de ignorância, de falta de terreno e de mundo.
Categoria, é ter-se centro de vinificação próprio, nem que mais não se
faça do que se trocar liquido por liquidez, para se conseguir fazer
face aos enormes encargos financeiros advindos do investimento sem
retorno capaz.
Neste entretanto, as cooperativas entregues aos mesmos titulares
mandato após mandato, por inércia, por desleixo, por incompetência,
por contextos a que se não soube ou não se quis dar a volta, foram-se
afundando perante a mais completa falta de interesse dos associados.
Sem organização comum, e sem estratégia transversal, porque cada uma
mais não é do que um quintal de meia dúzia, afundaram-se arrastando
consigo o próprio equilíbrio socioeconómico de uma das mais ricas
regiões de Portugal em termos produto interno bruto.
Ao costume, encomendaram-se e fizeram-se planos e estudos
estratégicos, os quais à velha maneira não saíram do papel. De cima a
baixo, desde o poder central ao poder local, passando pelos organismos
e pelas associações da classe, todos sabem qual é o remédio.
Dizem os especialistas que juntar para ganhar dimensão e competência,
é a única solução. Contudo pouco ou nada se fez. Para piorar, o que se
fez, não deixa boas referências.
Não há no entanto outro caminho pelo menos a fazer fé no que afirma quem sabe.
Faça-se pois então alguma coisa enquanto é tempo, para que um dia se
não chore sobre os vinhos virados vinagres e sobre os vinhedos virados
silvados.
Por Manuel Igreja, Dr.
http://www.dodouro.com/noticia.asp?idEdicao=394&id=26724&idSeccao=4516&Action=noticia

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