quarta-feira, 4 de dezembro de 2013

O cúmulo da hipocrisia

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Paulo Pimenta de Castro

Confesso ficar na expetativa de alguma diversão (para ultrapassar a
tristeza), de cada vez que leio notícias de dirigentes do Ministério
da Agricultura sobre florestas.

A entrevista do secretário de Estado das Florestas e do
Desenvolvimento Rural ao Jornal de Negócios, no passado dia 21 de
novembro, não fugiu a essa expetativa.

Com efeito, o secretário de Estado vem agora conferir à política
partidária a incapacidade histórica do poder executivo em concretizar
medidas definidas em amplo consenso político partidário. Bravo.
Presencia-se assim uma descarada transferência de responsabilidades.
Convém recordar, ao secretário de Estado, o histórico de consensos
que, no domínio do Parlamento, se têm concretizado neste domínio.
Deixo, com toda a propriedade, essa tarefa aos responsáveis
político-partidários. Lembro contudo que, foi o ministro Gomes da
Silva um dos obreiros do mais amplo consenso político-partidário dos
últimos 17 anos. Refiro à iniciativa que culminou na aprovação por
unanimidade, no Parlamento, da Lei de Bases do Política Florestal. A
tal Lei que posteriores órgãos do poder executivo têm mantido em
banho-maria no que respeita à respetiva regulamentação (já lá vão 17
anos, 2 e meio dos quais do atual governo).

Mas, afinal o que tem o atual secretário de Estado para oferecer ao
acordo que anseia? Uma prioridade estratégica no fomento das espécies
de rápido crescimento, um dos mais fraturantes dos últimos 25 anos?
Uma Estratégia Nacional para a Floresta inconsistente, quer no plano
político, quer no plano estratégico, quer no plano estrutural, quer no
financeiro? Terá por base a tal aposta voluntarista, uma árvore por
cada Português, como anunciado pela ministra no final de 2011? O que
tem afinal o secretário de Estado, que não seja hoje fraturante, para
suscitar o acordo de longo prazo? Porventura, será esta iniciativa do
secretário de Estado uma consequência da acusação do CEO da Portucel,
anunciada através da Agência Lusa, a 20 de novembro de 2012?

Assim, talvez já seja entendível esta opção repentina.

Mas, diz mais o secretário de Estado. Parece querer insistir nas
medidas fiscais com caráter repressivo, mas omite questões de mercado
como fatores de risco ao investimento florestal. Mas, talvez faça
sentido esta aposta, bem como a ameaça de tomada de posse da
propriedade privada, talvez assim consiga eliminar outro "inimigo" da
floresta em Portugal, ou seja, grande parte dos proprietários privados
familiares e das áreas comunitárias (baldios).

De facto, a propriedade não é só um direito, é também um dever.
Acrescenta-se, no mesmo contexto, que ao Estado não estão apenas
conferidos direitos, estão também acoplados deveres. Por exemplo, no
acompanhamento dos mercados de produtos silvo-industriais, reconhecido
que é o funcionamento dos mesmos em concorrência imperfeita. Ainda
como exemplo, na garantia (por si, ou através de terceiros) de uma
adequada assistência técnica à silvicultura, na sua ligação à
investigação aplicada. Neste último caso, em impulsionar programas de
IED adequados às necessidades da produção de bens e também da
prestação de serviços nos espaços florestais. Embora, esta sim, não
sendo uma medida de política florestal, mas de ordenamento do
território, o secretário de Estado esquece o dever do Estado na
conclusão do cadastro rústico (agora prometido para iniciar em 2014).

Depois, num ato de ilusionismo político, o secretário de Estado
confere ao DL 96/2013 (decreto das arborizações e rearborizações) um
caráter não de medida de política florestal, mas de desburocratização
do Estado. Curiosamente, este diploma fraturante revoga legislação
apresentada no final dos anos 80 como integrante de um "Pacote
Florestal". Neste mesmo contexto, pode-se legitimar assim a dúvida se
a Secretaria de Estado das Florestas e do Desenvolvimento Rural não se
terá convertido na Secretária de Estado da Desburocratização do
Estado. Isto assumindo que se trata efetivamente de desburocratização
e não de libertinagem (o termo liberalização não parece adequado ao
caso).

Não será demais referir, ainda sobre este diploma, a
indissociabilidade da aparição da proposta inicial a discussão pública
com um promissor anúncio, desta vez no Jornal I, da responsabilidade
da administração da Portucel.

De facto, a entrevista superou mesmos as expectativas iniciais.

Paulo Pimenta de Castro
Engenheiro Silvicultor
Presidente da Acréscimo – Associação de Promoção do Investimento Florestal

http://www.agroportal.pt/a/2013/pcastro9.htm

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