sexta-feira, 26 de dezembro de 2014

Melhores respostas perante a escassez de água

16 Dezembro 2014, 22:26 por Moshe Alamaro

 
Na Califórnia, os consumidores residenciais estão a ser multados por desperdício de água. O objectivo é reduzir o consumo em 20%, no âmbito da luta contra uma seca severa. O problema é que o uso da água residencial representa menos de 15% do consumo total. O resto se destina principalmente à agricultura. Mesmo se as metas definidas forem alcançadas, não representarão menos de 3% da procura total – uma gota num balde quase vazio.
Enquanto isso, na China, cerca de 30.000 trabalhadores estão a tentar mudar as condições climáticas, tentando atingir as nuvens a partir de aviões ou bombardeando o ar com escudos anti-áereos, na esperança de provocar alguma chuva. Não há provas estatísticas de que este tipo de manipulação meteorológica funcione, mas os colocadores de nuvens também estão a tempo inteiro nos Estados Unidos, especialmente no oeste.
 
Estas medidas inúteis são o que eu chamaria de "placebos políticos": tentativas dos governos de demonstrar a sua cidadania que estão a fazer algo – qualquer coisa – para aliviarem a escassez de água. Os placebos podem ter sentido no âmbito da medicina, mas acabam por fazer mais mal do que bem se distraem os esforços para curar a doença. Aplicar medidas parecidas às da Califórnia é como dizer aos polícias que façam soar as suas sirenes sempre que conduzam para que as pessoas tenham a impressão de que estão a combater o crime. À medida que as alterações climáticas provoquem secas mais prolongadas e graves, a falta de água resultante vai exigir soluções novas, por vezes difíceis, que vão além das tentativas fúteis de acalmar o público.
 
Os desafios são enormes. Em muitos locais, a água subterrânea é considerada a propriedade do dono da terra onde é extraída, mesmo se o poço faz uso de um aquífero que estende ao longo de milhares de quilómetros quadrados. Como resultado, não há grande incentivo para a conservar. Enquanto isso, a extração generalizada reduz o nível de todo o aquífero, o que pode dar lugar à entrada de água salgada. E, porque há muitos direitos de propriedade pelo meio, apenas o mais bravo dos políticos se atreve a enfrentar o assunto.
 
Em algumas áreas da Califórnia e Texas, parte da água chega aos consumidores praticamente grátis – graças a uma rede de represas, reservatórios e aquedutos construídos há décadas. A represa Hoover, por exemplo, que deu origem ao lago Mead, o maior reservatório nos Estados Unidos, foi construída em 1936 durante a Grande Depressão como parte do "New Deal". Mesmo que o governo federal tenha tido a intenção de recuperar o seu investimento vendendo a água do lago Mead, há muito que se amortizaram os custos da construção da represa.
 
Ao contrário de outras matérias-primas, muito frequentemente o preço da água depende de uma decisão política, sujeita à influência de grupos que pressionam para receber subsídios. Por exemplo, a maior parte da água utilizada na agricultura no Texas e Califórnia é vendida a um preço abaixo do seu custo. Como resultado, é frequentemente desperdiçada. O custo de um acre-pé (1232,75 metros cúbicos) de água em Dallas ou Austin é de pelo menos 150 dólares. Contudo, os cultivadores de arroz em Texas pagam apenas 10 dólares e a cada ano consomem o equivalente a uma inundação de 1,5 metros. Tão grande quantidade de água não é sequer necessária para cultivar arroz; a maior parte é usada para afogar as ervas daninhas.
 
O governo federal dos Estados Unidos deve intervir no sector hídrico. Enquanto esses desequilíbrios persistirem, será mais difícil que possam competir as novas tecnologias que vão surgindo. Se se racionalizar o sector, outros investidores poderão entrar no mercado. Os agricultores do Texas e Califórnia devem deixar de cultivar arroz, que poderá ser importado de países onde a água é abundante, como o Vietname. Em vez disso, os agricultores dos Estados Unidos devem ser encorajados a passar para outras plantas, como o sésamo, mediante planos nos quais o governo assuma o custo da substituição da maquinaria necessária para cultiva-las e colhê-las. Se forem adoptadas tecnologias como a irrigação, a utilização actual da água parecerá, em comparação, primitiva e antiquada. 
 
O sector da água deveria seguir o exemplo da indústria eléctrica, onde as mudanças efectuadas pelas normas federais na segunda metade do século XX permitiram que os produtores de energia independentes fizessem uso das linhas de transmissão existentes. Assim se pode reduzir os preços e melhorar o serviço de forma importante e que outros países se sentissem motivados a adoptar o modelo norte-americano. É o momento de fechar a torneira da água subsidiada e encontrar um remédio real para as zonas onde seja persistente a sua escassez.
 
Moshe Alamaro é um investigador do Departamento das Ciências da Terra, Atmosféricas e Planetárias no MIT e responsável chefe de tecnologia do More Aqua, Inc.
 
Direitos de Autor: Project Syndicate, 2014.
Tradução: Raquel Godinho

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