quarta-feira, 4 de maio de 2016

Candidatura a fundos para a agricultura acaba em queixa ao gabinete antifraude da UE

ANA RUTE SILVA 26/04/2016 - 10:12

A exigência de garantias bancárias como condição para obter verbas motivou a denúncia de um agricultor ao organismo antifraude da Comissão Europeia. Ministério está a fazer levantamento dos casos em que houve exigências semelhantes.

 
Exigência de garantias nos casos em que há um elevado risco de o projecto ter maus resultados não está previsto por lei REUTERS/SUZANNE PLUNKETT
 
 Luís Dias e Maria José Santos têm uma quinta na Zebreira, em Idanha-a-Nova, e um projecto para plantar amoras e bagas goji, que candidataram a fundos comunitários em Março de 2013. Mas o que começou como um simples pedido de adesão ao Programa de Desenvolvimento Rural (PDR), tornou-se num labirinto de reclamações, cartas e queixas que já chegaram ao Tribunal Europeu de Contas e ao Olaf, o organismo europeu de luta antifraude que investiga casos que lesam o orçamento da União Europeia.

Tudo começou com a aprovação do projecto de investimento para um total de seis hectares (quatro de amoras e dois de bagas goji), em nome de Maria José. Luís Dias conta que, depois de 20 meses de espera, em Novembro de 2014 conseguiram finalmente a aprovação de um apoio de 250 mil euros, a que acrescem 30 mil euros de prémio à instalação (um subsídio não reembolsável atribuído a jovens agricultores). Contudo, a Direcção Regional de Agricultura e Pescas do Centro (DRAPC), numa carta enviada em Janeiro de 2015, informou que, "na sequência da aprovação" seria preciso uma garantia bancária de 110% sobre o valor do apoio aprovado. Dado que o apoio foi de 250 mil euros, a garantia a prestar "deverá ser de 275 mil euros", lê-se no documento a que o PÚBLICO teve acesso.

Sem perceber o "porquê das garantias bancárias", Maria José Santos começa uma intensa troca de emails com a DRAPC e, mais tarde, com a entidade gestora dos fundos para a agricultura, pedindo justificações e "fundamentos legais" por escrito.

"Deram-nos apenas 15 dias para constituir as garantias (uma condição para assinar o contrato) sob pena de o projecto ser anulado. Ou seja, para mais tarde podermos eventualmente beneficiar do apoio do PDR, tínhamos de gastar 180 mil euros na constituição da garantia bancária. Recusaram-se a pôr isto por escrito", conta Luís Dias. Não satisfeitos, reclamaram. E receberam, finalmente, a informação de que havia dúvidas quanto à viabilidade da produção, o que justificou o pedido de caução. Voltaram a contestar, alegando que a intenção das entidades públicas ao colocar entraves era que desistissem.

No programa comunitário de apoio à agricultura no período de 2007 a 2013, o Proder – que antecedeu o actual PDR2020 -, as garantias bancárias estavam previstas quando era pedido um adiantamento das verbas em projectos de investimento na exploração agrícola e na instalação de jovens agricultores. Nesses casos, era preciso constituir "uma caução correspondente a 110% do montante do adiantamento", lê-se nos regulamentos. Contudo, no site do Instituto do Financiamento de Agricultura e Pescas (IFAP) – a entidade que paga os fundos – acrescenta-se mais informação. A necessidade de garantias pode também "decorrer de uma exigência contratual formulada no quadro da análise de risco da operação e/ou beneficiário".

Mas, ao que o PÚBLICO apurou, não é muito habitual serem solicitadas garantias bancárias nos projectos financiados, sobretudo quando não está em causa um adiantamento de verbas. E isso mesmo foi confirmado por fonte da Autoridade de Gestão do PDR, cuja gestão foi recentemente alterada, que admitiu que a situação de Maria José Santos e Luís Dias, "não é, nem deve ser, uma prática regular".

A mesma fonte admitiu que o pedido de garantia exigido nos casos em que há um elevado risco de o projecto agrícola ter maus resultados não está previsto em qualquer lei ou regulamentação. Mas há "disposições que obrigam os Estados-Membros a, em nome da protecção dos interesses financeiros da União Europeia e da necessidade de acautelar o risco inerente para o fundo, adoptar quaisquer medidas necessárias para assegurar uma protecção eficaz desses interesses, em especial para prevenir, detectar e corrigir irregularidades e recuperar montantes indevidamente pagos". Foi o que sucedeu numa série de projectos de produção de pequenos frutos e cogumelos aprovados no Proder. E ainda esta semana, o Bloco de Esquerda avançou com um projecto de resolução no Parlamento para que seja abandonada a exigência de apresentação de garantias bancárias, fruto de várias reclamações de produtores (neste caso de cogumelos) que se sentem "discriminados e prejudicados relativamente a agricultores que optaram por outras actividades".

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